Hoje: 15-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
Médico-psiquiatra e psicólogo, desenvolveu uma linha particular de prática psiquiátrica identificável com as diretrizes da logoterapia ou psicologia existencial cristã, o que faz dele um pioneiro dessa corrente no Brasil.
Halley Alves Bessa nasceu a 22 de janeiro de 1915, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Seu pai, Manuel Delphino Alves, comerciário na cidade, lá conheceu Josepha de Bessa, uma moça portuguesa de nascimento, com quem se casou. Parte de sua infância Halley passou naquela cidade do sul do Estado e lá nasceu a maioria dos seus irmãos.
No ano de 1926, quando Halley Bessa contava 11 anos, seu pai decidiu mudar com a família para a Capital, onde abriu uma oficina de consertos de calçados, um artesanato então bastante lucrativo, considerando que os sapatos eram confeccionados exclusivamente em couro, e pagava-se pelo conserto muito menos do que custaria um novo par. A oficina fabricava também calçados esportivos e era procurada por inúmeros fregueses que precisavam de sapatos sob medida. O quanto o negócio era momentoso prova-o o fato de sua sapataria estar instalada entre o comércio nobre de uma das principais ruas do centro de Belo Horizonte, contar com instalações relativamente amplas para o ramo, e ter por vizinha a sede de um grande banco comercial. Desse negócio o pai, ajudado pelo filho mais velho, tirou os recursos para o sustento da família e financiamento dos estudos de Halley e de sua irmã Marília.
Em sua juventude Halley Bessa trabalhou no negócio da família, e foi membro ativo do Partido Integralista, discursando em favor das teses do partido até seu fechamento decretado pelo Governo Federal em dezembro de 1937. Na época da II Guerra Mundial, Manuel Alves – seu pai -, sofreu 3 dias de prisão política, por denúncia de um desafeto, de que era simpatizante do nazismo. O irmão, Luís de Bessa, assessor do Governador Benedito Valadares e pai do futuramente renomado psicólogo Pedro Parafita de Bessa, conseguiu sua libertação.
Após concluir os estudos preparatórios, e seguindo uma vocação literária, foi radialista, redigindo e apresentando programas literários e musicais nas rádios de Belo Horizonte, e escrevendo para os jornais da cidade. Em 1940 ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais.
Enquanto estudante universitário Halley converteu-se ao catolicismo aos 27 anos, em 1942. Este fato é um divisor existencial de sua vida, em duas fases. Após sua conversão, passou a uma prática intensa do cristianismo, participando da orientação de vários movimentos cristãos dentro da Igreja Católica, entre eles a Juventude Universitária Católica.
Ainda estudante iniciou um estágio no Hospital Raul Soares para doentes mentais, trabalho que se tornou depois um emprego permanente. Foi também professor na Escola de Comércio enquanto estudante universitário e trabalhou para o Ministério da Educação como Inspetor de Ensino de vários colégios da cidade.
Após a formatura, em 1945 estagiou no Hospital Psiquiátrico de Juqueri, em São Paulo. Casou em 1947 com Laudejour Villefort, com quem teve oito filhos.
No Congresso Brasileiro de Psiquiatria em 1948, apresentou um trabalho analisando o modelo de assistência psiquiátrica no Brasil, identificando-o como “sub-humano” exemplificando com a situação em seu Estado, onde os doentes mentais, “cronificados pelo tipo de tratamento recebido, eram levados como gado para Barbacena” uma colônia onde eram albergados os sem esperança e que ele considerava “o último estágio da degradação humana”.
Interessando-se progressivamente mais pela faceta puramente psicológica da psiquiatria, a partir da psicanálise Halley Bessa criou um método de aconselhamento psicológico tecnicamente psicanalítico, porém com grande respeito pela experiência e problemática situacional do paciente e uma abordagem cristã no processo de aconselhamento e terapia.
Refutando a tese da incurabilidade e da hereditariedade da doença mental como regra, assumiu que poucos casos podiam ser tidos nessa conta. As causas gerais das doenças mentais, de acordo com sua teoria, estavam, tanto nas pressões sociais, como também na família, que dava uma contribuição considerável ao surgimento das neuroses e psicoses. “Toda família onde não houve maturidade no matrimônio gera filhos conflitáveis, neuróticos e psicóticos. Na maioria das vezes, o doente mental é apenas um bode expiatório dos problemas de toda a família. Criado com pouco amor, já que o amor não existiu no próprio matrimônio, o filho cresce sem acreditar em si mesmo. Este é o começo de tudo. São raríssimos os casos de doença mental que afetam organicamente o doente, fazendo-o resistente a qualquer tratamento” – declarou em uma entrevista a um jornal de Belo Horizonte, em 1979 -, “já recebi dezenas de casos difíceis, de pacientes que me chegavam amarrados, considerados perigosos, mas se abrandavam facilmente quando tratados com humanidade”. Essa visão da doença mental como resultado de um tipo de pressão familiar foi a mesma de contemporâneos de sua prática médica, na Inglaterra o psiquiatra existencialista Ronald David Laing (1927-1989), com sua tese da “política da família”, e nos Estados Unidos Eric Berne (1910-l970), o criador da Análise Transacional. A ênfase de Bessa no valor do matrimônio cristão na raíz da problemática da saúde mental o colocava, porém, numa linha muito particular e originalmente sua, da psiquiatria existencial.
Em suas linhas gerais, a prática psiquiátrica de Bessa enquadra-se na psicanálise existencial que tem origem em Sartre 1905-1980), porém dentro da corrente filosófica existencial cristã de Gabriel Marcel (1889-1973) e, como método, na forma de abordagem clínica praticada pelo psiquiatra austríaco Viktor Emil Frankl (1905-1997). Este reconhecia a liberdade do indivíduo porém revelava ao paciente a necessidade de espiritualidade e religiosidade naturalmente oculta e reprimida no inconsciente humano, e, conscientizando-o de sua responsabilidade na relação terapêutica, procurava ajudá-lo a descobrir valores interiores que pudessem dar um sentido para sua existência e fazer dessa descoberta o ponto de partida para a sua cura. A esse seu método o psiquiatra austríaco denominou logoterapia.
Em reconhecimento ao seu pioneirismo nessa abordagem dos problemas psicológicos através da análise existencial cristã, Halley Bessa foi eleito presidente de honra da Sociedade Brasileira de Logoterapia.
Abandonando praticamente a psiquiatria pela psicologia, Halley Bessa foi eleito membro do primeiro Conselho Federal De Psicologia e seu tesoureiro, em dezembro de 1973, posição em que permaneceu até 1979; foi Presidente deste Conselho (1982-1985) e do Conselho Regional (1980-1982), e um dos fundadores do Sindicato dos Psicólogos e do Instituto de Psicologia Aplicada de Minas Gerais.
Em 1979, quando ainda Diretor do Instituto de Psicologia Aplicada, denunciou novamente a situação da assistência psiquiátrica no Brasil, afirmando na Imprensa que os hospitais psiquiátricos mantidos por órgãos públicos no País continuavam então sendo “os mesmos depósitos de lixo de há 30 anos atrás” e que as clínicas psiquiátricas particulares exerciam “uma atividade meramente hoteleira, onde prevalecia o interesse por diárias e não pelos seus pacientes, que poderiam ter uma sorte melhor se houvesse maior espírito humanitário por parte dos médicos”. A denúncia resultou em um processo junto ao Conselho Regional de Medicina, depois arquivado.
Lecionou na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais de 1947 a 1960 e na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, – da qual foi um dos fundadores -, de 1953-1977. Interessou-se pela Medicina Legal, um campo então com ligações estreitas com a psiquiatria, e lecionou essa disciplina por dois anos na Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, de 1962-1964. Quando concorreu à cátedra de medicina legal, nesta última Faculdade, apresentou a tese “Personalidade e Crime”, aprovada com louvor, não tendo porém, obtido a posição pretendida.
Foi, em 1973, sagrado ministro da Eucaristia, e mais tarde cursou Teologia na Universidade Católica de Minas Gerais, diplomando-se em 1982.
Nos últimos anos de sua vida dedicou-se a proferir palestras sobre temas culturais, educacionais, religiosos, de saúde e mais recentemente sobre Tanatologia, sua última área de investigação e estudos. Presidiu a Comissão Científica do I Congresso Internacional de Tanatologia e Prevenção do Suicídio realizado em Belo Horizonte, e editou as contribuições no livro Morte e suicído; uma abordagem multidisciplinar” publicado em 1984.
Faleceu em 24 de novembro de 1994, na Casa de Saúde São Lucas, em Belo Horizonte; seu corpo foi velado na capela do Cemitério do Bonfim, e sepultado no cemitério Parque da Colina, naquela cidade.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 09-07-2001.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Halley Alves Bessa. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2001.