Hoje: 26-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
Esta página, e também as outras páginas desta série, contêm algumas noções de Teoria do Teatro para uma visão geral do trabalho de planejamento de uma peça teatral. Acredito que essas noções poderão ser razoavelmente informativas para o leitor em geral, e úteis ao Educador que deseja tomar o teatro por instrumento pedagógico, enquanto não encontrarem um bom livro ou um Site na Internet com informações mais completas sobre o assunto.
O Teatro.
Existe grande polêmica sobre a definição de Teatro. Porém, uma página sobre Teoria do Teatro deve começar – me parece –, pela definição do que o Teatro é. Então, se partimos do fato irrecusável de que há uma história, escrita ou memorizada, que dá origem ao drama a ser representado, então o drama está subordinado a uma peça literária, por mais simples e rústica que esta seja. A Arte Dramática, ou Arte do Teatro – que envolve a arte de bem representar, a arte da iluminação, a arte da montagem do cenário, etc. –, é uma forma de manifestação artística a serviço da Literatura, assim como também a própria Arte do Livro – que envolve a arte da ilustração, a arte da impressão, a arte da encadernação, etc.
No Teatro, uma história e seu contexto se fazem reais e verídicos pela montagem de um cenário e a representação de atores em um palco, para um público de espectadores. Por exemplo: um indivíduo pode não acreditar na existência do fantasma em uma história que lê em um livro, mas terá a sensação de realidade desse fantasma se ele o vê no palco, e se o personagem lhe parecer autêntico, por agir do modo como, na sua concepção, um fantasma haveria de agir.
Pode ser dito, então, que o teatro é uma forma de manifestação artística em que uma história e seu contexto se fazem reais e verídicos pela montagem de um cenário e a representação de atores em um palco, para um público de espectadores.
A representação teatral será o resultado do trabalho de muitos profissionais: do dramaturgo, dos atores maiores e menores, do diretor de palco, do pintor do cenário, do maestro da orquestra, e de outros de cujo talento e competência a arte da dramaturgia depende para atingir seu objetivo. E como este é o de levar uma mensagem em um trabalho artístico unificado, para que seja de fato Teatro necessita da presença e do interesse dos espectadores. No grande Teatro, uma performance de sucesso é a que consegue a harmonia perfeita entre todos esses elementos.
O drama. A “peça de teatro”, ou drama, em consequência do acima dito, é o projeto escrito com a finalidade de dar à peça literária – poderá ser uma pequena história pensada já para ser levada ao teatro, ou uma fábula, ou um romance –, a sua expressão teatral. O Dramaturgo, através de um roteiro escrito ou script, rege as funções das artes unidas para a representação, assim como um maestro rege os instrumentistas da sua orquestra para uma execução. No palco, os personagens vão “viver” a história, vestidos de acordo com a narrativa, em um cenário – parte concreto, parte imaginário, sugerido por meio de painéis e objetos, e de sons especiais e música – representativo do ambiente em que a história acontece, com uma iluminação disposta para obter efeitos complementares importantes de luz e sombra. O dramaturgo, portanto, precisa não apenas de competência literária para redigir sua peça, mas também conhecimento e sensibilidade sobre todos os outros elementos estéticos envolvidos na arte de representar.
O dramaturgo muitas vezes deixa a estruturação dos diálogos para o final, depois de selecionar os atores e trabalhar o cenário em detalhes. Começa por dividir a história em atos e somente depois de toda a peça estar planejada ele volta ao início para escrever os diálogos. Deste modo, ao escrever o roteiro, o dramaturgo já tem em mente os atores escolhidos, a categoria ou qualidade do teatro ou sala, se será um palco ou simples estrado, os recursos de iluminação, e o público ao qual a representação se destina.
Etapas da dramaturgia. Clayton Hamilton (The Theory of the Theatre and Other Principles of Dramatic Criticism. Henry Holt and Company, New York City, 1910 – Proj. Gutenberg), considerando o progressivo desenvolvimento dos palcos, fala de três etapas na evolução do teatro. A primeira e longa etapa, – que ele chama Dramaturgia da Retórica – , vem da antiguidade até ao Renascimento, do período grego até à época de Shakespeare ao tempo de Isabel I. Nessa fase a expressão teatral recorria ao poder da Retórica e da Poesia. À segunda Etapa, bem mais curta, ele chama Dramaturgia da Conversação, pois o dramaturgo apelava para o brilho e inteligência dos diálogos, através dos quais ele também sugeria o cenário para a Plateia. E à terceira etapa chama Dramaturgia da Ilusão de Realidade, que se inicia no século XIX, quando o desenvolvimento da encenação – marcada pela introdução da luz elétrica – leva a compor no palco o cenário da história com toda a ilusão de realidade feita possível pela tecnologia.
A Dramaturgia da Retórica apresentava-se sobre plataformas a céu aberto, lidava com discursos e palavras impressionantes; os atores vestiam roupas suntuosas, e desfilavam em procissão através do palco. O Drama da Retórica era consequência das condições físicas do palco elisabetano. Não havia cenários pintados ou montados, e o contexto em que a história acontecia era sugerido no drama por meio de monólogos, passagens poéticas, descrevendo a luz do luar, ou a floresta, o mar, as montanhas, conforme necessário para ambientar a história. Duas velas e a imagem de um santo sobre uma mesa era bastante para representar um templo. A magnificência, mais que propriedade da indumentária, era buscada pelo ator de plataforma na Dramaturgia da Retórica.
A Dramaturgia de Conversação predominou durante o século XVIII. Ela surgiu quando a ideia de construir cenários foi posta em prática por William Davenant (1606-1668), gerente do teatro do Duque de York. A partir de 1660 ele passou a representar o ambiente de suas comédias e tragédias usando cenários montados no palco, o que exigiu que as casas de espetáculo fossem fechadas e cobertas, e o palco iluminado por candelabros e lustres centrais. Como a mudança do cenário, entre um ato e outro, precisava ser oculta, passou a ser usada uma cortina, inexistente nos palcos da era anterior. Todas essas melhorias tornaram possível uma aproximação maior ao realismo da representação nunca feita antes. Palácios ou campos floridos, jardins, o interior de salas e mesmo ruas e calçadas podiam agora ser sugeridas por um cenário construído, em lugar de sê-lo por passagens descritivas em diálogos e monólogos. Os costumes tornaram-se apropriados, e os objetos eram mais cuidadosamente escolhidos para dar ainda maior sabor de realidade à cena. Porém, a iluminação precária obrigava os atores a representar junto às lanternas na beira do palco. A oratória gradualmente desapareceu e os discursos foram abolidos, e as linhas poéticas deram lugar a diálogos rápidos e inteligentes. A Dramaturgia de Conversação, portanto, era apresentada com mais naturalidade e fidelidade ao real que a Dramaturgia da Retórica que a precedeu.
A Dramaturgia da Ilusão de Realidade ou Dramaturgia do Realismo foi o resultado do avanço da tecnologia em todos os setores, inclusive na dramaturgia. Seu início tem por referência a descoberta do uso da eletricidade tanto em iluminação como em mecanismos os mais variados. O palco tornou-se essencialmente pictórico, e começou a ser usado para representar fielmente os fatos reais da vida. Descobriu-se o valor de pontuação do “baixar as cortinas”, que antes eram usadas meramente para ocultar tarefas de preparação do palco. O expediente passou a ser usado ao final do ato, e os atores não mais tinham que debandar do palco ou se reunir em semicírculo para se curvar para a plateia na última cena. Em lugar da mobília formal do período anterior, foram introduzidos móveis que eram cuidadosamente desenhados para servir as condições reais do compartimento a ser representado. A partir de então os cenários avançaram rapidamente para um sempre maior grau de realidade.
Porém o realismo tende à banalidade. A maior parte dos dramaturgos é de realistas, e ao criar suas situações eles buscam ser estritamente fieis e exatos em sua representação do real. O resultado é que as circunstâncias de suas peças tem uma aparência ordinária que as fazem parecer simples transcrições da vida diária em lugar de estudos sob condições especiais e peculiares da vida.
Tragédia. O drama da tragédia apresenta o espetáculo de um ser humano se esfacelando contra obstáculos insuperáveis. A Tragédia é um confronto necessariamente destinado à derrota do herói, porque a vontade individual humana é lançada contra forças opostas maiores que ela. Portanto, a tragédia desperta compaixão, porque o herói não pode vencer – e terror, porque as forças mobilizadas contra ele não podem perder. Mas, por outro lado, é evidente que a tragédia é em si um tipo mais elevado de arte. Na tragédia grega clássica, o indivíduo luta contra o Destino, uma força imponderável que domina igualmente as ações dos homens e dos deuses.
Porém, a partir do século XVII – nas tragédias representadas pela grande dramaturgia Elisabetana –, o indivíduo está predestinado ao desastre não mais devido à força do destino, mas por causa de certos defeitos inerentes à própria natureza humana; os personagens mergulham para a destruição por causa deles mesmos; os elementos do seu caráter tornam inevitável um determinado fim . O herói trágico se vê enredado no emaranhado que a fatalidade arma para os incautos. A morte do alpinista congelado pelas neves eternas, seria trágica. Sua ambição de proeminência como um esportista radical traz cada vez mais nela própria a possibilidade latente de seu fracasso em um extremo de estupendo esforço. Mostra a ruína de uma natureza heroica devida a uma ambição insaciável de superação, condenada por sua própria vastidão a derrotar a si mesma. Do autor da tragédia se exige, por esse motivo, que apresente uma inevitabilidade inquestionável – nada pode acontecer em sua peça que não seja um resultado lógico da natureza de seus personagens.
O Drama Social. O conflito inerente ao drama, a disputa que permite ao espectador tomar partido e se interessar pela representação no palco, encontrou um tema novo no século XIX: o poder econômico, rico e opressor, contra o qual o indivíduo pobre luta em vão, sem oportunidades, explorado pela classe economicamente dominadora, e que está condenado eternamente à sua miséria. Hamilton, acima citado, explica que o Drama Social surgiu como uma nova linha da tragédia em que as forças do destino se materializavam como forças das convenções sociais sobre a pessoa. O herói grego luta com o sobre-humano, o herói do drama elisabetano luta contra si mesmo, e o herói do Drama Social luta contra o mundo. Neste tipo de tragédia, o indivíduo é mostrado em conflito com o seu ambiente, e o drama trata da poderosa guerra entre o personagem e as condições sociais. Assim, enquanto os gregos religiosamente atribuíam a fonte de todo destino inevitável a uma predeterminação divina, e o teatro elisabetano a atribuía às franquezas de que a alma humana é herdeira, o dramaturgo moderno prefere atribuí-la cientificamente à dissensão entre o indivíduo e seu meio social.
Mas, o sucesso que teria esse tema já anteriormente muito explorado, não seria devido apenas à simpatia e piedade das plateias para com os desvalidos, mas porque havia uma solução para o conflito que envolvia uma outra disputa, ainda mais séria e profunda, e assim fazia o drama duplamente apelativo e interessante para a plateia. É que, desde o final da Revolução Francesa (o período do Terror), se firmara uma corrente de pensamento adepta de Rousseau, segundo a qual somente uma pequena minoria de luminares e de hábeis e inteligentes políticos poderia por fim à injustiça social, e que esse fim era o desejo de todos como uma “vontade geral” dos homens. Essa “vontade geral” encarnada nessa minoria, era mais importante que a “vontade da maioria” democrática. Em oposição a essa corrente, os constitucionalistas acreditavam na democracia e no mercado livre, valorizando a consciência do indivíduo como capaz de fazer voluntariamente sua parte pelo bem social. A primeira considerava a sociedade suprema, e o indivíduo subserviente; cada homem era suposto existir em benefício do mecanismo social do qual ele era uma peça. A segunda considerava o indivíduo como capaz de construir uma sociedade justa e democrática a partir do esforço pessoal de todos. O Drama social está baseado simultaneamente no conflito entre o indivíduo e a sociedade, e esta dividida na luta entre aquelas duas correntes de pensamento.
Esse novo filão temático garantiu o êxito não apenas na dramaturgia. Serviu também com imenso sucesso ao cinema, à literatura popular, ao discurso político, e inclusive a novas correntes religiosas, num tal paroxismo de fé que dos filmes, dos livros e da dramaturgia saltou para as paradas, passeatas, revoluções e praticamente toda forma de agitação do início do século XIX até o seu ocaso, no fim do século XX. Com a progressiva diminuição do interesse pelo Drama da injustiça social colocado nessas bases, a literatura e a dramaturgia buscaram o enfoque de outras formas de opressão social igualmente poderosas e trágicas, como o racismo, o preconceito contra minorias, o tabu do sexo, a hipocrisia social, e outros.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 04-09-2006.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Noções de teoria do teatro. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2006.