Hoje: 23-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Gabriel-Honoré Marcel (1889-1973), filósofo e dramaturgo francês de renome internacional, nasceu em 7 de dezembro de 1889 e faleceu em 8 de outubro de 1973, em Paris. Foi o autor de muitas obras filosóficas e um conferencista requisitado por muitos auditórios em todo o mundo. A datação dos trabalhos de Gabriel Marcel indica que desenvolveu por si mesmo os aspectos intuitivos da fenomenologia depois apresentados por Edmund Husserl e seu desenvolvimento de temas existenciais ocorreu antes que pudesse ler Kierkegaard e bem antes do florescimento da filosofia existencial na Europa, ocorrido em meados do século XX. Por isso tem sido considerado o primeiro fenomenologista e o primeiro filósofo existencial da França, em que pese a popularidade de que gozou Sartre.
Marcel foi o filho único do diplomata francês Henry Marcel. Perdeu sua mãe aos quatro anos. Foi educado pela avó materna e por uma tia de quem recebeu educação rigorosa e que veio a ser a segunda esposa de seu pai. Marcel foi sempre o centro do carinho e das atenções da família, mas sofria com as exigências de perfeccionismo acadêmico, sempre maiores apesar de seu excepcional rendimento escolar.
Quando jovem gostava de viajar, o que lhe foi facilitado pela natureza do trabalho de seu pai. Quando este recebeu uma missão diplomática na Suécia, Marcel o acompanhou. Aprendeu com suas viagens várias línguas e conheceu a literatura de vários países, transmitindo a seus leitores franceses conhecimentos sobre os escritores estrangeiros contemporâneos.
A filosofia foi um interesse precoce em Gabriel Marcel. Aos dezoito anos ele já trabalhava sua tese para diplomação em estudos superiores “As idéias metafísicas de Coleridge em suas relações com a filosofia de Schelling,” e estudou filosofia na Sorbonne. Apesar de ter passado os exames para ser professor de filosofia nas escolas secundárias em 1910, ele nunca completou sua tese para o doutorado, cujo tema seria “sobre as condições necessárias para a inteligibilidade do pensamento religioso”.
A religião não fez parte da formação de Marcel. Tanto o pai quanto a madrasta eram agnósticos. Seu pai, um esteta, era católico não-praticante e não se preocupou em batizá-lo, e sua tia e madrasta era judia, também não-praticante, porém depois converteu-se a uma forma liberal de protestantismo. Era uma moralista rigorosa segundo padrões de tradicionalíssimo moral. A família tinha como guias suficientes das atitudes corretas a razão, a ciência e a consciência moral natural.
Durante a primeira guerra Marcel serviu como oficial da Cruz Vermelha, com a difícil missão de comunicar a morte e o desaparecimento de soldados aos parentes mais próximos, um contacto permanente com o sofrimento que haveria de influenciá-lo, a exemplo do que ocorreu também, nos campos de concentração nazistas, a Viktor Frankl, outro existencialista da sua mesma corrente filosófica. Igual a Frankl, também converteu-se ao catolicismo, e o fez por influência de François Mauriac; tinha então quarenta anos.
Em 1919 Marcel casou com Jacqueline Boegner, professora de música na Schola Cantorum de Paris, irmã de Geneviève Boegner, e ambos adotaram um filho, Jean-Marie, que inspirou o filósofo a escrever mais tarde sobre paternidade criativa e o espírito da adoção. Marcel, que toda a vida sentiu a ausência de sua mãe, que perdera muito cedo, enfrentou novo choque com o falecimento de sua mulher em 1947.
O fato decisivo na vida espiritual de Marcel foi sua conversão ao catolicismo romano em 23 de março de 1929. Ele escolheu o catolicismo, o qual ele entendia como uma fé universal, e continuou como um filósofo independente, nunca um teólogo apologista ou porta voz de uma filosofia oficial católica.
Compositores como Juan Sebastian Bach e Mozart tiveram papel importante em sua formação. Dado a improvisar ao piano, tornou-se, a partir de 1945, compositor no sentido pleno do termo.
Dramaturgia foi outro instrumento significativo de expressão do seu pensamento. Em suas primeiras peças como La Grâce, Le Palais de sable, Le Coeur des autres, e L’Iconoclaste tratavam da espiritualidade autêntica e inautêntica, fidelidade e infidelidade, satisfação e frustração nas relações pessoais.
A princípio, “filosofia” significou para Gabriel Marcel apenas um tipo de pensamento sofisticado e abstrato, que buscava transcender o mundo empírico ordinário. Só gradualmente, e durante um longo período de pesquisa e comprovação, ele começou a dar forma a uma filosofia concreta que procurava aprofundar e resgatar a experiência humana íntima. Essa conversão filosófica ocorreu quando estava trabalhando para a Cruz Vermelha Francesa, durante a Primeira Guerra Mundial, tentando encontrar soldados listados como desaparecidos. Em lugar da informação nas fichas do arquivo ele passou a ver pessoas reais, apesar de invisíveis – presenças – e a participar da agonia de seus parentes enlutados.
O que Marcel chamou seus experimentos “metafísicos” – a investigação de possível comunicação por meio de telepatia, cartomancia, profecia e espiritismo – também tiveram um papel em sua conversão filosófica. Para ele essas experiências desafiavam de modo convincente as tendências naturalista convencional e materialista da filosofia contemporânea, indicando um domínio além daquele da experiência sensível ordinária, e prometendo libertação das tendências conformistas e das proibições, em seu questionamento filosófico.
Ele apresentou seu pensamento desde 1925, primeiro no Journal metaphysique (“Diário Metafísico”), antes portanto da publicação dos trabalhos de Heidegger, e depois nos diários filosóficos mais curtos o Etre et avoir (“Ser e Ter”), e Du refus a l’invocation (“Da recusa à invocação”). Os livros foram compilados por um de seus amigos, pois nunca escreveu um tratado. Escreveu também ensaios, geralmente tratando de modo mais acabado os temas que explorou primeiro em seus diários, como o exílio, cativeiro, separação, fidelidade e esperança, em parte como resposta à situação particular do povo francês durante a ocupação alemã de 1940 a 1944.
Marcel era antes um escritor profissional, e não um acadêmico. No entanto, foi professor visitante na Universidade de Aberdeen, na Escócia, em 1951 e 1952, e na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em 1961 e 1962. Em 1952 foi eleito membro da Academia de Ciências Políticas e Sociais do Instituto da França.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 04-06-2001.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Gabriel Marcel. Filosofia Contemporânea. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2001.