Hoje: 30-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
Creio poder definir feminismo, em filosofia, como o estudo do status da mulher na sociedade quanto a seus direitos e deveres, e do papel social que lhe é adequado. Como Ser que é, a mulher, como todos os seres, tem os seus predicados. E lhe é adequado e normal aquilo que condiz de modo lógico – por necessidade lógica – com esses predicados.
Hoje, centenas de publicações estão disponíveis, em variadas formas e com variados graus de aprofundamento e acerto, que são, em sua maioria comentários inteligentes sobre a questão. Não preciso mais que colocar nesta minha página um resumo do assunto que sirva ao leitor para se conscientizar da extensão e complexidade do assunto. Para mais que isto, recomendaria a leitura do artigo SUFRAGISMO Y FEMINISMO: LA LUCHA POR LOS DERECHOS DE LA MUJER 1789-1945;
http://clio.rediris.es/udidactica/sufragismo2/index.htm
Autor: Juan Carlos Ocaña Aybar – I.E.S. Parque de Lisboa; Alcorcón (Madrid)
Até o início do século XX, cabia inquestionavelmente à mulher ocupações relacionadas, direta ou indiretamente, à maternidade, ou seja, amamentar os recém-nascidos e alimentar e educar as crianças, o que implicava no estafante trabalho de cuidar da casa. Ao homem, cabia prover a alimentação da família com seu trabalho, e ir todo o ano à guerra na qual perdia a vida (havia centenas de ducados, principados, etnias, etc. continuamente em conflito entre si), ou da qual retornava mutilado.
Esses eram, à época, papeis normais e adequados a ambos, a mulher e o homem, física e mentalmente.
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A política – constantemente girando em torno de disputas locais, desavenças regionais e guerras internacionais; a ciência errática e assistemática até o século XIX; e a religião do Estado e vinculada às guerras (As cruzadas, a Guerra dos 30 anos, a defesa dos estados pontifícios em que vários Papas disputaram batalhas pessoalmente, e outras), eram assuntos estranhos à mulher. No entanto, além dos vultos femininos marcantes da história antiga e medieval, na história moderna e contemporânea várias mulheres foram governantes, como Isabel I da Inglaterra e Cristina da Suécia, ou foram inspiradoras, como Clotilde De Vaux e Bertha Pappenheim, ou exemplos de espiritualidade esclarecida, como Madame Acarie, ou figuras de expressão na filosofia, como Simone de Beauvoir e Madame de Staël, ou nas artes, como Johanne Luise Heiberg, e inclusive feministas, como Ercília Nogueira Cobra, citando apenas entre aquelas figuras cujas biografias já estão vinculadas às páginas de filosofia deste Site.
Essa posição do homem e da mulher foi sempre aceita como resultado de um consenso natural, da mesma natureza do consenso que, no entender dos filósofos, levou à constituição e estruturação da sociedade com um governo que lhe garantiria justiça e proteção contra o inimigo. O consenso social em relação ao status da mulher estabelecia sua responsabilidade social segundo as responsabilidades imanentes a seus predicados de maternidade e sentimento inato de amor e proteção dos filhos.
Se a honra ou nobreza do homem estavam ligadas à defesa da pátria, a honra da mulher estava em manter e defender os valores sociais na educação dos filhos, e em sua atividade doméstica exemplar.
No último terço do século XIX e no século XX, o grande progresso tecnológico veio alterar um status milenar. Os equipamentos e facilidades modernas (saneamento, distribuição domiciliar de água e encanação do gás, congelamento de alimentos, etc.) eliminaram grande número de tarefas domésticas. Também reduziram o esforço e o tempo necessário para execução de muitas outras, e – o que foi o mais importante –, permitiram um nivelamento do requisito de aptidões: colocaram tarefas até então exclusivamente masculinas factíveis por mulheres em grande número de setores, inclusive militar (portar uma metralhadora que pesa 2 quilos e meio não exige o mesmo esforço que combater metido em uma armadura de ferro de 70 quilos). Ao mesmo tempo, a expansão econômica que acompanhou a modernização tecnológica contribuiu para trazer a mulher a novas atividades, por necessidade de mão de obra.
Em pouco tempo eram legiões de moças solteiras empregadas em escritórios e fábricas, bibliotecas e serviços públicos. As mulheres casadas juntaram-se às trabalhadoras quando os orfanatos passaram a prestar cuidados diaristas a crianças e bebês, surgindo dessa adaptação instituições novas: as “creches” e os “jardins da infância”. Os pais podiam sustentar a estrutura tradicional do lar tendo os filhos à noite e nos fins de semana em sua companhia.
Mas a quebra daquela delimitação das funções, que era precisa e de longo tempo aceita, não foi vista por todos como devida naturalmente à modernização do trabalho tanto doméstico como assalariado. Muitos viram na pretensão feminista uma descaracterização do Ser feminino, uma masculinização, como se a mulher pretendesse exibir predicados masculinos, repudiando os femininos. Por essa razão foram necessárias árduas campanhas em favor de uma nova mentalidade – para que a mulher pudesse ter o novo status que aspirava – e ainda se batalha para que receba o salário justo pelo seu trabalho.
Direito de voto. Com sua maior participação no panorama econômico, era justo e mesmo necessário que a mulher participasse também das decisões políticas tomadas no controle da economia e do bem estar social. Surgiu o movimento sufragista feminino (pelo direito do voto).
Sendo de fundo econômico, era natural que o movimento sufragista tivesse origem simultânea nos dois países economicamente mais desenvolvidos: Inglaterra e Estados Unidos. Na França, apesar da significativa participação das mulheres na Revolução Francesa – episódio que foi um marco histórico para os Direitos Humanos – foram isoladas as vozes femininas reivindicadoras do direito ao voto. Na época, o problema que preocupava eram os maus tratos que os homens embrutecidos davam às suas mulheres e filhos. As feministas, e inclusive os intelectuais que se condoíam com a situação, escreviam contra a estupidez masculina, e prescreviam como remédio melhor educação para homens e mulheres.
A importância da revisão do status feminino não escapou ao filósofo John Stuart Mill (1806-1873), que publicou, em co-autoria com sua esposa Harriet Taylor Mill (1807-1856) o livro Submition of the woman, em 1869. Eles não enfocaram a educação, mas o direito de voto.
Grandemente traduzido e divulgado em diversos países, o livro dos Mill, pela sua oportunidade e pelo seu novo enfoque, causou grande impacto: era necessário revogar as leis originárias do poder absoluto dos reis e do domínio das consciências pela Religião oficial do Estado, e vencer a inércia das próprias mulheres pois, na opinião do filósofo, sem a contribuição feminina o progresso do país ficaria comprometido. Em 1867 nasceu a primeira associação feminista em prol do direito de voto, a National Society for Woman’s Suffrage, liderada por Lydia Becker. Em 1919, com o apoio do presidente democrata Wodrow Wilson, foi aprovada nos Estados Unidos a XIX Emenda Constitucional que concedia o direito de voto às mulheres.
Na Inglaterra, no entanto, as próprias mulheres se organizaram contra o voto feminino, reconhecendo o perigo que era para a família tradicional a alteração do status feminino na sociedade. Uma forte reação foi desencadeada pela Women’s National Anti-Suffrage League (Liga Nacional ante-sufragista) contra o voto feminino, liderada por uma escritora muito lida, Mary Ward. Porém a premência econômica, sobretudo pelo esforço demandado dos britânicos na sustentação da primeira guerra mundial (1914-1918) e a demanda de mão de obra na recuperação econômica do pós-guerra, terminariam por derrubar quaisquer barreiras à mudança do status feminino. Dez anos depois, em 1928, o direito de voto foi concedido às mulheres britânicas.
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A situação econômica onde o desenvolvimento exigiu a incorporação da mulher ao trabalho e à política não acontecia nos países não desenvolvidos como o Brasil. Com uma economia de caráter colonial, o catolicismo como religião oficial do Estado, prevalecia sólido o status tradicional já referido – que remontava aos gregos – do homem ocupado com as guerras e revoluções, o sustento do lar e a discussão política nas praças e nos cafés, e da mulher encarregada da educação dos filhos e dos cuidados domésticos. Essa sociedade decadente alimentava o ócio, a boemia, a imoralidade, e a crueldade masculina sobre a mulher e os filhos. Mudanças só aconteceriam a muitas penas.
É nesse quadro de atraso que se realiza, em São Paulo, em 1922, a Semana de Arte Moderna, com o objetivo de sacudir a opinião pública e incentivar o progresso no campo cultural em favor de uma mudança de hábitos e de valores sociais. A Semana serviu para maior projeção de figuras femininas admiráveis na época, e que contavam já com o respeito do público, sem que, no entanto, fosse reivindicado objetivamente pelo movimento um novo status para a mulher. À mesma época, uma voz modernista – isolada do grupo de artistas que proporcionava ao público os shows realizados no Teatro Municipal – Ercília Nogueira Cobra vituperava, em linguagem radical, contra a hipocrisia religiosa e a estupidez masculina que vitimavam a mulher brasileira, obrigando-a a reprimir sua libido, atentado capaz de comprometer seu equilíbrio mental. O título de seu livro, Virgindade anti higiênica, refere-se à “higiene mental”, uma expressão cunhada por uma corrente da psiquiatria no primeiro quarto do século XX.
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Os movimentos feministas prosseguiram com energia ao longo de todo o restante do século XX. A campanha pelo direito de votar fora uma causa legitimamente feminista, respectiva ao status social da mulher, porém o movimento assumiu várias campanhas que diziam respeito à mulher, mas que não tinham objetos legitimamente feministas, por não afetarem apenas – nem principalmente – os interesses femininos.
A campanha pelo direito de abortar, por exemplo, não é legitimamente feminista porque a questão maior é o direito à vida do indivíduo uterino, a começar da questão de a partir de quando no feto existe, de fato, um indivíduo. É o mesmo direito que terá, ou não, um laboratório de inseminação in vitro de descartar embriões não aproveitados.
A campanha contra a mutilação sexual de meninas através da remoção do clitóris, e também a mutilação dos meninos pela circuncisão, práticas adotadas por certas religiões do Oriente, dizem respeito ao sacrifício humano consumado em um certo grau, e deveriam ser tratadas como questão jurídica, antes de, no caso da mulher, ser assumida como uma questão feminista.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 02-05-2003
Texto revisado em 02-07-2005
Direitos reservados.
Para citar este texto: Cobra, Rubem Queiroz. – Feminismo. COBRA PAGES: www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2005.