Hoje: 22-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
O roteiro de um jantar segue prescrições práticas, e por isso é mais um bom exemplo de como as regras da Etiqueta têm fundamentos que se pode dizer são “técnicos”, como sustento no meu livrinho de Definições (*).
Efetivamente, nosso corpo precisa de uma variedade de nutrientes, nosso paladar é exigente, e nosso sistema digestivo tem lá suas peculiaridades. Para harmonizar tudo isto são necessárias certas regras como as que se aplicam a uma refeição completa: ela é variada, e essa variedade é consumida numa ordem segundo a natureza do alimento e em consonância com os estágios fisiológicos sucessivos que se desenvolvem no organismo ao longo da refeição.
Os pratos são escolhidos conforme o ensejo, sendo um cardápio mais adequado a um jantar a dois, outro próprio para uma celebração como uma recepção de casamento, dependendo ainda de que seja um almoço ou jantar. Quanto ao que se bebe, tem que haver uma combinação correta, por exemplo, entre pratos e vinhos, ou que outra bebida for a preferida.
Salgadinhos e aperitivos. A refeição completa tem início e tem fim com uma etapa de descontração, e nesta fase inicial, em que os convivas se reúnem e se conhecem, são servidos os petiscos que chamamos “salgadinhos”, os amuse-gueule dos franceses, como os canapés, pequenos sanduíches, biscoitinhos salgados ou pão de queijo revestidos com algum patê, e que são acompanhados de whisky, champagne, vinhos aperitivos, coquetéis como o Martini, suco de laranja, etc.Os vinhos brancos têm a vantagem de começarem como aperitivo e bebidos com o primeiro prato, seguirem pela tarde ou mesmo toda a noite, evitando arriscadas misturas de bebida.
Hors-d’oeuvre. É o estágio preparatório; em português ou italiano: o antepasto. Do antepasto não se espera que seja particularmente nutritivo, mas que excite o aparelho digestivo, que o torne exigente, e que aguce o apetite. Por isso no antepasto servem-se alimentos de aspecto atraente, que excitam o apetite, que estimulam as glândulas salivares e gástricas: folhas de alface, tomates, limões fatias de ovos, escargots, pãezinhos, que são precedidos ou acompanhados de pequena dose de aperitivos: caipirinha, Campari com suco de laranja (se vão além de uma pequeninísssima dose, os aperitivos fazem efeito contrário: anestesiam e paralisam as glândulas digestivas, embotam o paladar, matam o apetite, e causam dor de cabeça!…).
A sopa. – A refeição propriamente começa com uma pequena quantidade de sopa que continua o trabalho de preparação iniciado com o hors d’oeuvre: destina-se a dilatar, com seu calor, os vasos sanguíneos da boca e estômago, e a estimular as glândulas e, principalmente, fornecer o volume de líquido que o processo digestivo irá consumir. Um caldo quente, o consommé, tem o mesmo papel e finalidade da sopa, mas requer utensílio próprio para ser servido: uma chávena larga de fundo plano e provida de duas alças. Nela se toma o consommé (essencialmente caldo de carne fervido com alguns ingredientes depois filtrados que podem lhe emprestar diferentes sabores) com uma colher ou simplesmente levando a chávena à boca com as duas mãos, segura pelas duas alças. Nas regiões mais quentes do Brasil não se tem lá grande necessidade de um caldo quente para as finalidades acima indicadas, e esta é uma etapa do menu que geralmente é saltada sem que isto signifique que a refeição não foi completa.
Entrée: Etapa da refeição entre o hors d’oeuvre e o prato principal. Tudo preparado para a degustação e a digestão do alimento, é apresentado o “primeiro prato” ou entrée, que consiste de alimento um pouco mais leve que o do prato principal, que se lhe haverá de seguir. Carnes mais leves como soufflé, peixes e aves, ostras, siris, servidos com alcachofras, aspargos, etc. Este prato é acompanhado de um vinho mais leve que o vinho que depois acompanhará o prato principal. Geralmente é servido vinho branco seco, nunca vinho doce, nem mesmo os suaves. Há mesmo quem prefira o vinho verde, para aguçar ainda mais o apetite para o prato principal. Pão branco e manteiga pode ser parte do acompanhamento. Em longos jantares de cerimônia podem ser servidas duas ou três entradas.
NOTA: Há duas observações que precisam ser feitas a respeito da Entrada. A primeira é o emprego da palavra entremets. Em seu livro de 1940, Der Mensch gesund und krank (“O corpo humano”, Cia Ed. Nacional, S. Paulo, 1949) muito popular na década de 50, Fritz Kahn, ao explicar detalhadamente as propriedades dos alimentos refere-se a “entremets” como a etapa na série salgada entre a sopa e o prato principal. Até então o termo correspondia ao que hoje é a “Entrée“. O emprego mudou, principalmente na França: entremets passou a constituir a etapa de frutas e doces após o prato de queijos, ou seja, a sobremesa.
A segunda observação é que, curiosamente, os restaurantes americanos servem a Entrée já como o prato principal e dele passam diretamente à sobremesa.
O prato principal. – O prato principal (le plat de résistance ou plat principal, para os franceses e “entrée” para os americanos) é o que representa realmente a refeição, ou seja, contem o alimento que irá ocupar de modo integral todas as funções digestivas do organismo e do qual este irá obter os principais nutrientes de que necessita: carbo-hidratos, proteínas e gorduras (As vitaminas já adquiriu com a alimentação mais leve e estimulante dos pratos precedentes). O prato principal é em geral à base de carne vermelha (carne de gado) ou carne de porco e de animais de caça, que fornecem proteínas completas. Podem ter por base carnes de aves mais densas, como a de pato, ganso e peru. As carnes são acompanhadas de legumes como arroz, batata e feijão, e verduras mais consistentes como a couve: farofa com passas e castanhas ou pasteis de carne são outros tantos acessórios. O prato principal é acompanhado de um vinho mais denso (encorpado), geralmente vinho tinto, que alguns preferem que seja bastante rascante.
Queijos. Após o prato principal vem o prato de queijos (le plateau de fromages). Os cheiros e sabores fortes do prato principal precisam ser dissipados e os queijos se prestam para isso. Duas ou três variedades podem ser oferecidas para atender as preferências de cada um. As variedades mais consistentes são preferíveis porque precisam ser mastigados fortemente e formam um bolo um pouco áspero que limpa a língua e também a garganta ao ser deglutido. Ainda de quebra, seu poder nutritivo não deixa de enriquecer a alimentação. Para quem não aprecia queijos ou está proibidos de comê-los, algumas frutas podem substituí-lo muito bem na sua função. Três a quatro uvas, ameixas ou morangos, meia maçã ou pera, e nozes, têm bom efeito.
A sobremesa. Removidos os vestígios da fase salgada da alimentação, esta prossegue com a fase doce, que tem lugar ainda à mesa da refeição: a sobremesa (le dessert). Compotas, sorvetes, mousses, etc.
Café, licores e cognac. Fora da mesa de refeições, no living, são servidos o café, os licores(em geral são oferecidas pelo menos duas variedades), e o cognac, cuja função ajudar a digestão das gorduras e cortar a sonolência uma refeição tende a causar. Podem ser servidos ainda à mesa da refeição, quando se deseja abreviar o encontro social ensejado pela refeição, o que geralmente acontece quando se trata de um almoço. No caso do jantar, porém, é mais frequente o propósito de prolongar o encontro, estimular a conversação e por esta razão o living ou uma biblioteca ampla será o local mais próprio para o café, os licores e o cognac exercerem seu poder de estimular a conversação e excitar a imaginação.
Saber se servir adequadamente quando uma refeição completa é servida é importante questão em Boas maneiras à mesa.
Um exemplo de menu completo servido à francesa
e outro servido em bufê.
MENU DE UMA RECEPÇÃO (Almoço sentado com bufê)
- COQUETEL:
Pot-pourri – patês – terrines – torradas - SALADAS:
- Salada de frutos do mar (camarão laguna, lula, polvo, marisco, alface americana, agrião, óleo, vinagre, sal, pimenta e açúcar).
- Salada verde com morangos (mastúrcio, rúcula, escarola, alface, cebolinha verde, endro, hortelã, molho de iogurte, sal e pimentas).
- Salada de cogumelo shutake com presunto de Parma (presunto, shutake, panquecas de ervas, sal e pimenta).
- Salada de frango e gruyère (peito de franco, gruyère, alface lisa, agrião, salsão, maças verdes, noz-moscada).
- QUENTES:
- Peito de frango com ervas finas e molho de nata com champignons (arroz com amêndoas e togliateli com o molho).
- Filet mignon ao vinho tinto com batatas hassbak, mousse de salsão e cebolas caramelizadas (batata assada com manteiga com fatias de avelãs ou amêndoas – mousse de salsão com nata e sementes de papoula, cebola caramelada com vinagre, açúcar e caldo de carne, tomilho, sal e pimenta).
- Filé de linguado (molho de Madeira e laranja, molho de laranja, fumet de peixe, manteiga, cebola, alho-poró, louro, vinho branco seco).
- Camarões ao molho curry, com couscous marroquino (molho: óleo, cebolas, passas, trigo, caldo de galinha leite de coco. Creme: leite (nata), óleo, tomate, cenoura, vagem, couscous, manteiga e sal).
- SOBREMESAS:
- Suflê de tangerina (queijo ricota, mandarineto).
- Creme de mascarpone com calda de framboesa.
- Sorvete à italiana (creme de caramelo – creme de chocolate – creme de café).
- Me dá mais (suflê de damasco – caramelo de amêndoas).
- Licores e café.
(*) R.Q. Cobra – Boas-maneiras, Etiqueta e Cerimonial: suas definições e seu lugar na Filosofia. Cobra Pages, Brasília, 2002.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 30-08-2003.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Roteiro de um jantar completo. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2003.