Hoje: 21-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
Salvo melhor juízo das pessoas mais diretamente envolvidas com a Educação, faço a sugestão de que o Orientador Educacional seja o coordenador da Formação Comportamental em sua escola.
O ORIENTADOR EDUCACIONAL E O SEU MOMENTO
Quero, em primeiro lugar, dizer qual a razão do título e qual o propósito desta página.
Sempre pensei que o Orientador Educacional poderia fazer muito pela formação do aluno se ele pudesse reservar algum tempo para uma atividade educativa paralela.. Meu propósito aqui é sugerir o modo como essa atividade poderia se concretizar. O tom convocatório do título é por pensar que uma orientação firme no sentido moral, psicológico e cívico, nunca foi tão urgente para a juventude como nos dias atuais.
Orientação Educacional. Desde l942 as leis brasileiras fazem obrigatória a orientação educacional nas escolas. Na maior parte dos casos, os orientadores educacionais são consultores para a Direção e interlocutores entre os pais, o aluno e a escola. Disciplinam o estudante por meio do convencimento, reúnem-se e discutem problemas didáticos e disciplinares com os professores e os pais do aluno, aplicam e interpretam testes padronizados, promovem eventos que estimulam o relacionamento interpessoal, e aconselham o encaminhamento a psicólogos e psiquiatras dos casos de desvios mais complexos. A idéia é que essa atividade se estendesse um pouco mais, ou se dividisse em duas especialidades atuando conjuntamente, para que houvesse espaço para a atividade educativa aqui proposta.
Formação Comportamental. A atuação do Orientador, ou da Orientadora, consistiria no que chamo Formação Comportamental, um caminho extracurricular que não seria propriamente uma disciplina a ser ensinada, mas uma atividade incluindo palestras, teatro pedagógico, visitas a entidades de atuação social, ou que outros instrumentos o Orientador descobrisse como úteis para passar ensinamentos de Psicologia Social, Psicofisiologia, Moral, responsabilidade social, e o mais que julgasse à maturidade e felicidade pessoal do aluno, e à sua boa integração social. A atividade seria em parte paralela ao Ensino Fundamental (antigo Primeiro Grau), e ao Ensino médio (antigo Segundo Grau).
É importante que a Formação Comportamental tenha caráter de atividade aberta, sem o conteúdo programático fixo de uma disciplina. Assim se evitaria que despertasse antagonismos e contestações, ou se alegasse ser limitadora da liberdade individual, ou que representasse essa ou aquela corrente de pensamento, uma reação que seria semelhante à oposição que despertou o ensino da disciplina “Moral e Cívica” no passado, por tornar-se ideológica e não contar com instrutores comptentes. Não comportaria avaliações, pois o aluno não gostaria de ser avaliado e receber menção em uma matéria que ele entenderia ser de sua livre aceitação. Porém, a sua sistematização definiria seu caráter formativo, e evitaria que fosse tomada como simples atividade de “aconselhamento”.
*
Pedagogia Comportamental. Apresentada a proposta, quero torná-la mais clara particularizando alguns tópicos que integrariam a preparação do Orientador Educacional, dos quais alguns já estão esboçados nas páginas deste Site.
A fim de se preparar para a atividade Formação Comportamental, o Orientador teria – incluída nos estudos da sua especialização –, uma nova disciplina, que chamo tentativamente Pedagogia Comportamental. Essa disciplina reuniria postulados de Psicologia e Psicofisiologia; Higiene, Responsabilidade Ecológica, Boas Maneiras e Etiqueta, debaixo de uma orientação ética para valores humanos fundamentais, além de itens metodológicos e ferramentas pedagógicas como, por exemplo, o teatro pedagógico, e outras técnicas didáticas que fossem adequadas à atividade.
Psicologia. Desde a época em que meus cinco filhos cursaram o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, me pareceu que um curso de Psicologia na escola seria de grande proveito para a formação dos jovens. Por não existir um tal curso, tive eu próprio que me desdobrar para orientá-los no relacionamento com os colegas, em vencer a timidez, na escolha da profissão, e no lidar com todo tipo de problemas comuns à infância e à adolescência.
A minha convicção do valor do ensino da Psicologia na escola primária ou secundária cresceu ainda mais em duas oportunidades: a primeira quando, estando nos Estados Unidos, tomei conhecimento de que lá esse ensino era ministrado tão cedo quanto o final do Ensino Fundamental de nossas escolas. A segunda vez, devido às descobertas no campo da química cerebral relativa ao comportamento, ocorridas pouco depois.
Os Estados Unidos têm mais de um século e meio de experiência no ensino de Psicologia aos jovens como uma disciplina curricular. Na tese de doutorado de Bob Thornton (A national survey of the teaching of psychology in the High School. Department of Education, Duke University, 1965, 114 p.), encontramos que o ensino de psicologia na escola de Ensino Fundamental e Ensino Médio já não era novidade naquele país desde a segunda metade do século XIX. Com o título de “Filosofia da Mente”, um curso de psicologia filosófica era oferecido nas escolas em Saint Louis, Missouri, desde 1857. O manual Elementary Psychology or The First Principles of Mental and Moral Science For High, Normal, and Other Secondary Schools and For Private Reading (“Psicologia Elementar ou Primeiros Princípios de Ciência Mental e Moral para o Segundo Grau, o Normal e Outras Escolas Secundárias e para Leitura Privada”), por Daniel Putman, professor na Escola Normal Estadual de Michigan, data de 1889. Este livro foi seguido por outros, inclusive o Lessons in Psychology Designed Especially for Private Students and as a Textbook in Secondary Schoools (“Lições de Psicologia Destinadas Especialmente para Estudantes Particulares e como um Manual para Escolas Secundárias”), de J. P. Gordy, publicado em l890.
Em 1988, atendendo gentilmente a um pedido meu, a American Psychological Association enviou-me alguns dados que então eram recentes. A A.P.A. tinha como afiliados seus, em 1986, um total de 929 professores de psicologia de escolas secundárias. Juntamente com esta informação, recebi também uma cópia de um relatório apresentado por Rachel G. Ragland, da Universidade de Columbia, na convenção daquela Associação realizada em agosto de l987, em Nova York. A autora ressalta o rápido crescimento da psicologia como parte do ensino de segundo grau nos vinte anos precedentes. Informa que os professores são, em sua maioria, formados em Estudos Sociais com mestrado em Educação ou Orientação mais que em Psicologia, e que seu ensino coloca o auto-conhecimento e a auto-compreensão tão importantes quanto o desenvolvimento da capacidade para o relacionamento interpessoal.
Geralmente o Orientador educacional no Brasil é formado em Pedagogia, com disciplinas de Psicologia. Orientadores que conheci seguiam em geral a abordagem “rogeriana”, baseada em Carl Ransom Rogers, então um psicólogo influente, para quem era importante a qualidade do relacionamento pessoal entre o aluno, o professor e o Orientador, que deveria ser caloroso, genuíno e cheio de simpatia. Alguns, porém, preferiam uma densa abordagem psicanalítica, seguindo ortodoxamente a Freud, enquanto outros seguiam a linha adleriana (baseada em Alfred Adler), e outros ainda eram comportamentalistas (o behaviorismo de Burrhus Skinner). Posteriormente a Análise Transacional tornou-se também objeto de interesse, porém com menos proeminência que as linhas clássicas citadas. Clique por favor nos links em letras azuis para ver as páginas.
*
Família. Parece-me merecedora de destaque, por ser de grande influência sobre a personalidade do aluno, a problemática do relacionamento familiar, hoje considerada um campo específico da psicologia social. Em meu Site esse destaque é dado através da página Política da Família, e de dois pequenos contos de caráter pedagógico: “A infância dos três porquinhos” e “O bom da droga”, e em uma publicação intitulada As Filhas Adotivas que constitui um livro com outros contos. Talvez o Teatro pedagógico possa ser muito útil na análise e crítica dos ambientes e dos relacionamentos familiares, pois seria relativamente fácil criar enredos educativos para peças que mostrassem as distorções que infelicitam as famílias e gravar na mente das crianças e dos jovens paradigmas de uma vida familiar feliz.
*
Psicofisiologia. Além de concluir do exemplo de ensino da psicologia nos Estados Unidos a viabilidade de um projeto semelhante para o Brasil, outra influência para mim foi o súbito desenvolvimento da Psicofisiologia, da Psicofarmacologia e da Neurologia em geral. Hoje aí está um conhecimento sempre crescente da mente humana, que além de haver dado novos rumos à psicoterapia, é também bastante capaz de dar a uma pessoa a compreensão e até uma independência em relação a certas forças radicadas na química e nas estruturas cerebrais, que atuam sobre a vontade e podem levar o seu comportamento a contrariar suas aspirações e seus ideais. Esse conhecimento, ainda que superficial, será útil na compreensão de certos quadros muito comuns como o da ansiedade, depressão, hipocondria, irritabilidade, e outros que resultam de condições neurofisiológicas hoje melhor conhecidas e medicadas.
Com respeito a esse item, me parece importante negar, com base nos achados da própria Psicofisiologia, o determinismo aparentemente implícito nas revelações científicas. É o que procuro demonstrar na página “A ilusão das fórmulas comportamentais”, onde abordo também a não menos importante questão da objetivação de valores.
*
Civilidade. Atentar para os valores éticos não pode, em meu entender, resumir-se à preocupação moral. A Ética é mais abrangente que a Moral, e por isso existem na Ética valores outros, além dos valores propriamente morais. O respeito aos sentimentos alheios e a busca de criar bem-estar e felicidade no relacionamento interpessoal estão entre eles (*). Portanto, a este campo ético que está fora da Moral considero que pertençam Boas Maneiras – ou Civilidade –, e Etiqueta, cujas noções precisam integrar, também, a Formação Comportamental. Nas páginas do Site sobre esses itens o Orientador Educacional encontrará ainda importante matéria sobre higiene pessoal e ambiental. Tenho ao seu dispor, também, a apostila Etiqueta e Comportamento Social, cuja sinopse pode ser vista em Livros do Autor.
Em relação a Boas Maneiras e Etiqueta, um instrumento educativo importante pode ser o Baile-de-debutantes. Muitos resumos da história do Baile-de-debutantes salientam suas origens nas cortes europeias, e colocam a finalidade original do baile na necessidade vulgar da jovem encontrar um marido rico. È duvidoso que um baile fosse suficiente para isto. Os autores desses resumos ignoram que as moças eram observadas pela nobreza quanto ao seu desembaraço social, a correção de suas maneiras e seu conhecimento de etiqueta, e sua inteligência e argúcia na conversação. Põem de lado a real finalidade da apresentação na corte, que era demonstrar que se achavam preparadas e aptas ao convívio com a elite social. E ignoram também quanto as jovens tinham que se esforçar para atingirem esse patamar de conhecimento e de maturidade.
O Baile-de-debutantes é precedido por uma etapa educativa, de modo que a realização do projeto do Baile em sua inteireza implica em várias atividades práticas das quais as jovens adolescentes tiram lições para sua vida adulta. Uma delas é o trabalho social, que as coloca em contacto e interação com pessoas, famílias e comunidades, através do trabalho caritativo junto a uma creche, hospital, asilo de idosos, etc. Outra é a formação da sua consciência de cidadania, através de explanações sobre a organização política e social, marcadas por visitas às sedes dos poderes executivo e legislativo de seu Município, do seu Estado ou do País, a museus e locais históricos. E, finalmente, o curso de Boas-maneiras e Etiqueta integrado a esse programa preparatório para o sua apresentação à sociedade, que se dá através do baile, que é o coroamento do projeto. Esta pode, portanto, ser uma promoção de interesse para a Formação Comportamental digna de consideração da parte dos Orientadores Educacionais, em que pese não ser um empreendimento fácil e depender de recursos para o seu custeio.
*
Noção de valores. Finalmente, que valores norteariam a atividade educativa da Formação Comportamental e o preparo do Orientador Educacional que caberia à Pedagogia Comportamental? Em minha proposta, que divulguei em conferências e artigos de jornal ao final dos anos 70 e início dos anos 80, era um pressuposto que os valores morais estariam dados pela educação doméstica e religiosa, e o curso seria de noções puramente de Psicologia Social. Na época me pareceu que interferir nas noções de valores do estudante poderia ser considerado uma intromissão indesejável. A formação individual para o bem e o correto viria do lar e da Igreja, e apenas precisaria ser complementada com os elementos de psicologia, na escola.
Porém, as dificuldades dos estudantes são radicadas, na sua maior parte, em seu ambiente doméstico, onde a criança e o jovem estão sujeitos a sofrer em conseqüência de toda sorte de problemas, que podem proceder da condição de pobreza, da má alimentação, do despreparo dos pais, da necessidade de trabalhar ainda com pouca idade, da exploração que sofrem, da influência de companheiros de rua, etc. Falhando a educação doméstica, é certo que dificilmente freqüentará uma igreja e receberá uma formação moral religiosa. Sua última esperança e derradeira oportunidade pode ser algum socorro que receba de sua escola.
Esse cuidado em não ultrapassar domínios da responsabilidade da família não pode ser um empecilho. Também o ensino religioso não pode ser visto como insubstituível, porque não é a única fonte de conhecimento de valores morais: existe também a Filosofia. Se, através desta última, sacarmos da própria condição humana os valores nela reconhecíveis, poderemos honrar esses valores como um ideal ético básico para todas as pessoas.
Rubem Queiroz Cobra
(*) Vide: Cobra, Rubem Q. – Boas-maneiras, Etiqueta e Cerimonial: suas definições e seu lugar na Filosofia. Editora Valci Ltda., Brasília, 2002.
Página lançada em 19-02-2003 e revisada em 21-03-2005.
Direitos reservados.
Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Orientador Educacional e a Atividade Formação Comportamental. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2011.