Hoje: 03-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Silvestre Pinheiro Ferreira, nasceu a 31 de dezembro de 1769, em Lisboa. A família destinou-o á vida eclesiástica, fazendo-o ingressar na Ordem do Oratório, em 1783, aos quatorze anos de idade. Permaneceu no Oratório durante cerca de dez anos e ali recebeu sua formação intelectual.
Na Ordem, a influencia de Verney – o crítico do ensino escolástico – haveria de ser muito presente, desde que até a sua morte (1792) faria divulgar sucessivos textos, dando sequência ao programa formulado no Verdadeiro Método de Estudar (1746-1747). Assim, os horizontes filosóficos deveriam ser fixados pelo empirismo mitigado (2), obra do próprio Verney e do filósofo italiano Antonio Genovesi (1713/ 1769). Silvestre Pinheiro Ferreira iria chocar-se com essa doutrina dominante, o que o levaria, primeiro, a abandonar o projeto eclesiástico, e, pouco mais tarde, segundo se mencionará, a emigrar de Portugal.
Afastando-se do seminário, ministrou aulas particulares em Lisboa, mas logo (1794) obteve por concurso, na Universidade de Coimbra lugar de lente substituto da cadeira de Filosofia Racional e Moral do Colégio das Artes.
Na nova situação, buscou aprofundar a crítica ao sistema filosófico vigente. Semelhante iniciativa não foi bem aceita pela comunidade que o denunciou às autoridades. Ameaçado de prisão, foge de Portugal, embarcando clandestinamente em Setúbal, a 31 de julho de 1797. Tinha, portanto, menos de trinta anos.
No exílio, Silvestre Pinheiro Ferreira estabeleceu relações com Antônio de Araújo, futuro Conde de Barca, ministro de Portugal em Haia, pessoa de influência ascendente e que iria introduzi-lo na carreira diplomática. Assim, foi secretário interino da Embaixada em Paris, a seguir secretário da Legação na Holanda (1798) e, depois (1802), encarregado de negócios na Corte de Berlim.
A permanência na Alemanha prolongou-se até 1810. Acompanhou de perto o movimento idealista pós-kantiano, tendo assistido a conferencias ou debates com a presença, entre outros, de Fichte e Schelling. Suas simpatias, contudo, eram todas para o sistema Wolf-Leibniz que, naquela oportunidade, ainda contaria com a adesão da maioria das universidades.
Embora estivesse destinado a se transformar no reformador do empirismo mitigado e no grande teórico do liberalismo político, Silvestre Pinheiro Ferreira circulava naquela atmosfera de verdadeiro deslumbramento pela ciência operativa, vigente em Portugal, o que o levou a cursar mineralogia, inicialmente com Karsten, um dos principais discípulos de Werner, em Berlim, nos anos de 1802 e 1803 e, em seguida, com o próprio Werner, em 1804 e 1805.
Regressou diretamente para o Brasil, em 1810, quando a Corte já se achava sedimentada. Cercava-o, então, a fama de erudito e liberal, que a posteridade comprovaria não ser imerecida mas que Ihe acarretaria inúmeros dissabores.
No Rio de Janeiro, Silvestre Pinheiro Ferreira volta à condição de professor de filosofia. Seu magistério (NA: consubstanciado nas Preleções Filosóficas, iniciadas em 1813, reeditadas recente mente pelo Instituto Brasileiro de Filosofia (Grijalbo USP, 1970,389 p.) contribuiu decisivamente para eliminar a influência do empirismo mitigado sobre parcela significativa da elite.
A experiência brasileira comprovaria que esse sistema acabou se combinando com a interpretação radical do liberalismo. Assim, sem minar seus fundamentos últimos e sem a formulação de novos elementos teóricos, não teria sido possível o ulterior predomínio dos moderados. Para semelhante desfecho a atuação de Silvestre Pinheiro Ferreira revelou-se essencial nos seguintes aspectos:
1.0) examinando cada um dos temas mais relevantes do empirismo mitigado, com o que desvendou sua fragilidade e inconsequência; 2.0) desenvolvendo de modo coerente a tradição empirista luso-brasileira e reconhecendo abertamente as dificuldades de uma fundamentação empirista da liberdade. Pode-se dizer que preparou os espíritos no sentido do passo subsequente, que correspondeu á formação de Escola Eclética.
(Examino detidamente o sistema filosófico concebido por Silvestre Pinheiro Ferreira na História das ideias Filosóficas no Brasil (o edição, Londrina, Editora da Universidade Estadual de Londrina – UEL, 1997.).
A Corte o prestigiava ou hostilizava segundo a maré montante do liberalismo. Assim, em fins de 1812, chegou a ser exilado para a ilha da Madeira punição suspensa quando já se achava a bordo de navio com aquele destino. Os sucessos da Revolução Espanhola e a aprovação da Constituição pelas Cortes de Cadiz, naquele mesmo ano, leva D. João VI a solicitar-lhe projeto de Reforma da Monarquia, tarefa de que se desincumbe em 1814 e 1815. Em vista da derrota daquele movimento, suas sugestões não foram consideradas.
Com a Revolução Constitucionalista do Porto e sua repercussão no Brasil, decide o Monarca entregar a chefia de seu governo a Silvestre Pinheiro Ferreira, em fevereiro de 1821, que nele acumula as pastas do Exterior e da Guerra. Nessa condição regressa com o monarca a Portugal, afastando-se do governo em 1823, em vista dos propósitos absolutistas que logo se configurariam.
Coube portanto ao ilustre pensador a espinhosa missão de efetuar o trânsito da monarquia absoluta para a constitucional, em meio a clima de todo desfavorável, lutando contra os que apenas ganhavam tempo e somente desejavam a volta da situação antiga e, simultaneamente, cuidando de isolar o radicalismo.
Saindo do Governo, exilou-se voluntariamente em Paris. Duas vezes foi eleito deputado (1826 e 1838), sem que se dispusesse a exercer o mandato, preferindo permanecer na capital francesa. Contudo, após uma terceira eleição (1842), decide pelo regresso a Portugal. Tinha então quase 73 anos de idade, saúde alquebrada, supondo-se que haja na verdade optado por morrer em solo pátrio. E, com efeito, menos de três anos depois viria a falecer, a 2 de julho de 1846.
Durante a longa estada parisiense, cerca de vinte anos, Silvestre Pinheiro Ferreira elaborou extensa obra de filósofo e publicista político. Comentou e criticou exaustivamente as Constituições brasileira e portuguesa, discutiu nos mínimos detalhes os problemas da doutrina liberal e, em 1834, publicou a síntese de suas ideias no Manual do Cidadão em um Governo Representativo, em três tomos, que ora se reedita.
No entender de Silvestre Pinheiro Ferreira, o direito constitucional, como então se denominava o liberalismo político, se encaixava num amplo sistema filosófico, cuja concepção seria obra do período, parte se efetiva nas Preleções Filosóficas, em Paris cuidou de fazê-lo no Essai sur la psychologie (1826) que mais tarde (1836 e 1839) resumia, em forma de cio, nas Noções elementares de filosofia geral e aplicada as ciências morais e políticas. Ontologia; Psicologia e Ideologia (1839).
No período recente, além da reedição das Preleções Filosóficas, foram publicados ideias Políticas (Rio de Janeiro, Documentário, 1976), uma antologia de seus principais textos na matéria, preparada por Vicente Barreto, e Ensaios Filosóficos (Rio de Janeiro, Documentário, 1979), compreendendo obra filosófica concluída no exílio, em Paris. O Centro de documentação do Pensamento Brasileiro, sediado em Salvador dedicou-lhe uma de suas bibliografias e estudos críticos aparecida em 1983. Essa publicação insere os principais ensaios sobre sua obra, de autores portugueses e brasileiros. Também em Portugal sua obra tem sido reeditada e estudada, especialmente por José Esteves Pereira, autor de Silvestre Pinheiro Ferreira – o seu pensamento político (Coimbra, 1974), texto que se tornou referência obrigatória.
NOTAS:
(1) Vide a parte 2 sobre a autoria desta parte 1.
(2) Essa é a denominação que o erudito português Joaquim de Carvalho (1892/1958) deu à filosofia tomada oficial sob Pombal, para enfatizar que consistia num empirismo que ignorou a problemática suscitada por sua adoção, tanto na Inglaterra como na França.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 03-02-2011.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Silvestre Pinheiro Ferreira. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2011.