Cesare Beccaria

Hoje: 22-12-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Criminalista e economista italiano, cujo livro “Dos Delitos e das Penas” foi um marco na história da justiça penal. Sustentava, como Bentham depois, o princípio da maior felicidade possível para o maior número possível de pessoas como o objetivo último de toda legislação. Orientado por esse princípio Beccaria criticou a legislação penal de seu tempo.

Infância e Juventude. Nome completo: Cesare Bonesana-Beccaria, Marquês de Gualdrasco e Villareggio, nasceu a 15 de março de 1738 em Milão, onde faleceu a 28 de novembro de 1794.

Beccaria era o filho de um aristocrata milanês de modestos recursos. Desde criança ele mostrou os traços essenciais de seu caráter. De temperamento altamente variável, alternava períodos de entusiasmo com períodos de depressão e inatividade. Era reservado e um tanto taciturno em seus contatos sociais mas valorizava seus relacionamentos pessoais e de família. Na idade de oito anos foi enviado à escola dos jesuítas em Parma. Mais tarde ele descreveu a instrução que recebeu lá como “fanática” e sufocante “para o desenvolvimento de sentimentos humanos”. Embora revelasse uma aptidão para a matemática, pouca indicação deu em seus dias de estudante das realizações intelectuais notáveis que viriam depois. Em 1758 recebeu grau em Leis na universidade de Pavia.

Em 1760 Beccaria enfrentou a oposição obstinada de seu pai ao seu noivado com Teresa Blasco, uma jovem de 16 anos de idade. O casamento ocorreu no ano seguinte, sem o consentimento paterno, e o jovem casal começou sua vida na pobreza. A ruptura entre o pai e o filho foi reparada mais tarde, e Beccaria e sua esposa foram recebidos no seio da família. Em 1762 nasceu uma filha, a primeira de seus três filhos. Viúvo em 1974, ele se casou novamente no mesmo ano com Anna Barbò; dos dois casamentos teve quatro filhos: a mais velha, Giulia Beccaria, foi a mãe de Alessandro Francesco Tommaso Manzoni, um dos mais importantes nomes da literatura italiana.

Após a conclusão de seu aprendizado formal, Beccaria retornou a Milão e foi logo contaminado pelo fermento intelectual do Iluminismo. Juntou-se a Pietro Verri na organização de uma sociedade literária de cujas atividades participou intensamente. Em 1762 apareceu sua primeira obra escrita, um panfleto sobre reforma monetária. Mais tarde associou-se com o periódico O Caffè, um jornal modelado no periódico inglês The Spectator, contribuindo com diversos ensaios anônimos para suas páginas.

Estudo de leis criminais. Em 1763 Verri sugeriu a Beccaria que a seguir empreendesse um estudo crítico das leis penais. Apesar de que não tinha experiência na prática da justiça criminal, ele aceitou a sugestão e, em 1764, foi publicada sua grande obra Dei delitti e delle pene (“Dos Delitos e das Penas”). Quase instantaneamente, então com apenas 26 anos, tornou-se uma celebridade internacional. A obra teve grande sucesso na França, onde foi traduzida em 1766 e teve sete edições em apenas seis meses. Seguiram-se traduções para o inglês, alemão, polonês, espanhol e holandês e várias outras línguas. Em 1777 foi publicada nos Estados Unidos.

O tratado de Beccaria é a primeira apresentação sucinta e sistemática dos princípios que governam a punição criminal. Embora muitas das idéias nele expressadas sejam familiares, e o débito de Beccaria a escritores como o filósofo francês Montesquieu (que ele reconheceu francamente) é claro, o trabalho, não obstante, representa um grande avanço no pensamento jurídico criminal. O argumento do livro é fundado no princípio utilitarista de que a política governamental deve procurar o maior bem para o maior número. Condenou as práticas bárbaras de seu tempo: o uso comum da tortura e da instrução processual secreta, o capricho e a corrupção dos juízes, as punições brutais e degradantes. O objetivo do sistema penal, argumentou, deve ser encontrar penalidades severas o bastante somente para conseguir as finalidades específicas de segurança e ordem; qualquer coisa além disso é tirania. A eficácia da justiça criminal depende principalmente da certeza da punição, mais que de sua severidade. As penas devem ser proporcionais à importância da ofensa.

Beccaria foi o primeiro escritor moderno a advogar a abolição completa da pena capital e pode, portanto, ser olhado como o fundador dos movimentos abolicionistas que persistiram na maior parte das nações civilizadas desde a sua época.

Obra sobre economia. O tratado de Beccaria exerceu influência significativa na reforma das leis criminais por toda a Europa ocidental. Na Inglaterra, o filósofo e o reformador utilitarista Jeremy Bentham advogou os princípios de Beccaria, e seu discípulo Samuel Romilly devotou sua carreira parlamentar a reduzir o âmbito de aplicação da pena de morte. As reformas legislativas na Rússia, na Suécia, e no império dos Habsburg foram influenciadas pelo tratado assim como a legislação dos novos estados americanos.

Embora nada do que Beccaria depois conseguiu em sua vida se aproximasse da importância do tratado, sua carreira subsequente foi frutífera e construtiva. Em 1768 ele aceitou a cátedra em Economia e Comércio Públicos na escola Palatina em Milão, onde lecionou por dois anos. Sua reputação como um pioneiro na análise econômica é baseada principalmente em suas aulas, publicadas postumamente em 1804 sob o título Elementi di Economia Pubblica (“Elementos de Economia Pública”). Aparentemente ele antecipou algumas das idéias de Adam Smith e Thomas Malthus, tais como o conceito da divisão de trabalho e das relações entre as fontes de alimento e a população.

Em 1771 Beccaria foi indicado para o conselho econômico supremo de Milão e continuou um funcionário o restante de sua vida. Nessa atividade pública Beccaria tornou-se interessado em uma grande variedade de medidas, inclusive reforma monetária, relações de trabalho, e instrução pública. Um relatório escrito por ele influenciou o adoção subsequente do sistema métrico na França.

Últimos anos. Os anos finais da vida de Beccaria foram cheios de dificuldades de família e problemas da saúde. Ele aparentemente não apreciava o papel de celebridade. Em 1766 foi a Paris, onde foi cumprimentado calorosamente por ilustres figuras da época, mas encurtou sua visita por causa de aguda nostalgia do lar. Sua esposa morreu em 1774 após um período de saúde declinante. Três meses mais tarde ele casou novamente.

As disputas de propriedade iniciadas por seus dois irmãos e a irmã resultaram em um litígio que o absorveu por muitos anos. Os últimos meses de Beccaria foram entristecidos pelos acontecimentos na França: embora tivesse inicialmente aclamado entusiasticamente a Revolução Francesa, ficou depois chocado com os excessos do Terror.

A racionalidade, a versatilidade, e a insistência de Beccaria na unidade do conhecimento eram típicos da vida intelectual de seu tempo. Seu tratado, o volume mais importante jamais escrito sobre justiça criminal, é ainda consultado com proveito dois séculos após seu aparecimento.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 11-03-2000.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Cesare Beccaria. Site www.cobra.pages.nom.br, INTERNET, Brasília, 2000.