Hoje: 21-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
Introdução. Filósofo, astrônomo e matemático, importante pelas suas teorias sobre o universo infinito e a multiplicidade dos sistemas siderais, no que rejeitou a teoria geocêntrica tradicional e ultrapassou a teoria heliocêntrica de Copérnico que ainda mantinha o universo finito com uma esfera de estrelas fixas. Embora tais campos não existissem ainda na ciência, pode-se dizer que Bruno está interessado na natureza das idéias e do processo associativo na mente humana. Por outro lado, está fascinado em prover com um embasamento filosófico as grandes descobertas científicas de seu tempo.
Nascido em Nola (motivo de ser chamado o Nolano) lugarejo no sul da Itália, relativamente próximo ao vulcão Vesúvio. A região constituía o Reino de Nápoles e era domínio de Carlos V (Sacro Império), depois de Felipe II da Espanha, seu filho. Essa dominação vai de 1529 a 1700. Nápoles era baluarte espanhol contra os mouros. Governada por um Vice Rei (Pedro de Toledo na época de Carlos V). Época em que, devido a descoberta de novas rotas marítimas, a importância do mediterrâneo para o comércio acaba.
Bruno é um filósofo cuja personalidade muito peculiar é um fator central no exame de suas idéias e de sua atuação. Ele desejava reformar a filosofia aristotélica e ao mesmo tempo opunha-se acerbamente a seus contemporâneos Ramus ( o lógico anti-aristotélico Pierre de la Ramée, ou Petrus Ramus – 1515-1572) e Patrizzi (Francesco Patrizzi – 1529-1597), que ele cita em Della causa principio et uno” (1584), e cujos esforços eram direcionados para o mesmo objetivo. Envolvia-se em querelas violentas mesmo sobre questões triviais; inábil para agir em seu próprio interesse, afastava aqueles que poderiam protegê-lo. Sua volta à Itália em 1591, depois de longo exílio auto-imposto, talvez não fosse saudades da pátria mas sim falta de alternativas de refúgio. Era um filósofo condenado a fugir, combatido e excomungado por três Igrejas. Os exageros, as limitações e os erros de seu sistema científico, sua intolerância mesmo com aqueles que trabalhavam pelas reformas a que ele próprio estava devotado, as analogias falsas, alegorias fantásticas, argumentos sofísticos em que seu fervor emocional justificaram, aos olhos de muitos, que Bayle o comparasse a Dom Quixote, dizendo que foi o “cavaleiro-errante da filosofia”.
No século XVI a filosofia se liberta da religião, e a ciência moderna nasce da filosofia. A ciência não mais será a busca da verdade na propriedade lógica de conceitos, mas através das lentes de microscópios e telescópios. Bruno é a figura principal nessa transição: torna-se um filósofo independente e pressente que a verdade está para além do autoritarismo lógico dos filósofos escolásticos. Embora não seja um cientista, pois não era nem matemático nem astrônomo, dá prontamente crédito a Copérnico, um observador do céu e do movimento dos astros. Copérnico ousa contrariar a cosmologia das esferas celestes perfeitas do sistema aristotélico-ptolomaico que tomava a terra, “logicamente”, como o centro do universo.
Sua idéia de que o universo era infinito, e que muitos mundos deveriam existir além daquele então conhecido foi uma das grandes idéias estimuladoras da ciência, durante o Renascimento. O seu livro “Sobre o Universo Infinito e Mundos” em que faz sua afirmação da existência de outros mundos povoados por seres inteligentes é ainda hoje um grande apelo para a imaginação de muitos. Sua técnica de classificação sistemática de objetos da observação no preenchimento de tabelas, suas tábuas combinatórias, foram o germe dos métodos empíricos que marcaram o início da ciência experimental.
Quem não compreende essa posição de Giordano Bruno vai considerá-lo apenas um vadio, um filósofo andarilho ou um poeta errante, e será incapaz de ligá-lo diretamente à linha do progresso moderno. Ele foi um pioneiro que acordou a Europa de seu sono intelectual e foi martirizado devido ao seu entusiasmo. Essa perspectiva ainda não existia à época de Bayle, que o chamou “o cavaleiro errante da Filosofia”.
Primeiros anos. Bruno nasceu em Nola, lugarejo não muito distante do Vesúvio, província de Nápoles, na Campânia, Itália Meridional, em 1548, com o nome de Filippo Bruno. Era filho de João Bruno, militar, e Flaulissa Savolino. Foi para Nápoles em 1562, e teria 13 anos, estudar humanidades, lógica e dialética. no mesmo Convento de San Domenico Majore, onde São Tomás de Aquino vivera e ensinara.
Em 1565, aos 17 anos, Bruno recebe hábito de São Domingos, ocasião em que muda o nome para Giordano. Ordenado sacerdote em 1572, continuou no convento seus estudos de teologia, que concluiu em 1575.
Estudos e influências. São muitas as influências apontadas, que Giordano Bruno teria sofrido durante o período de sua formação. É especialmente atraído pelas novas correntes de pensamento, entre as quais as obras de Platão e Hermes Trismegistus, ambos muito difundidos na Itália ao início do Renascimento.
É a época dos mais acesos debates no Concílio de Trento (1545-1563), convocado por Paulo III para discutir estratégias na contra reforma protestante. Possivelmente as discussões ousadas que ocorriam em Trento, sobre temas controversos da religião e da filosofia, das quais com certeza tinha notícias no convento, influíram no espírito de Giordano Bruno. Ficou impressionado com as aulas de G. V. de Colle, filósofo de tendência averroísta (O pensamento de alguns filósofos cristãos ocidentais inspirado na interpretação de Aristóteles feita pelo filósofo muçulmano Averroes, o qual ensinava que a filosofia é uma disciplina puramente racional, independente da religião revelada) como também com o que leu sobre métodos de memorização (Mnemotécnica).
Bruno desenvolve então um interesse especial pela Arte Combinatória do místico e poeta catalão Raimundo Lúlio (1235-1316). Lúlio buscava construir um sistema de associações de idéias por meio de tábuas giratórias com as quais se poderia chegar a todas as combinações possíveis entre sujeitos e predicados, com a possibilidade de responder a todas as indagações do intelecto.
Outra influência sobre Bruno, versando o mesmo campo, supõe-se que foi a de Giovanni Battista (ou Giambattista) Della Porta, um erudito napolitano, físico e químico, cientista e teatrólogo, que publicou um livro importante sobre mágica natural, Magia Naturalis (1558).
Nessa área, porém, talvez a influência predominante sobre Giordano Bruno tenha sido a da antiga religião egípcia do culto ao deus Toth, escriba dos deuses, inventor da escrita e patrono de todas as artes e ciências, e identificado com o deus grego Hermes Trismegisto (Três vezes grande) pelos neoplatônicos. As obras de Platão e também a Hermética, que é o conjunto dos segredos revelados por Hermes-Toth que constituem as ciências ocultas e astrologia a nível popular, e certos postulados de filosofia e teologia a nível erudito, – introduzidos em Florença por Marsilio Ficino ao final do século anterior.
Intolerante com a ignorância dos colegas de claustro; aborrecia-se com as discussões de sutilezas teológicas. Leu dois comentários proibidos de Erasmus e discutia desassombradamente a heresia de Ariano, que negava a divindade de Cristo. Suas tendências heterodoxas provocaram censuras e admoestações e por fim passou por um julgamento por heresias promovido pelo padre provincial da ordem, e então ele foi morar no Convento dominicano de Minerava, em Roma, em fevereiro 1576. La foi vítima de uma acusação improcedente de assassinato. Aparentemente não mudou suas atitudes pois, em pouco tempo, novo processo foi aberto contra ele no convento de Minerva. Deixou, então, o hábito dominicano e perambulou pelo norte da Itália por mais de um ano.
Suíça e França. Em 1578, viajou para a Suíça, onde, em Genebra, ganhava a vida fazendo revisão de textos. É tido como certo que lá ele abraçou o calvinismo, apesar de haver mais tarde negado veementemente, diante da Inquisição em Veneza, que tivesse aderido à Igreja Reformada. Talvez tenha aderido apenas por conveniência por se achar em um país calvinista, porque logo publicou um escrito em que criticava desrespeitosamente um professor calvinista. Discorda da tese calvinista da justificação por meio da fé e não das obras, o que para ele significava desvalorização e desprezo de toda caridade, misericórdia e justiça. A reação dos calvinistas foi rigorosa: foi preso e excomungado, porém retratou-se e assim lhe foi permitido deixar a cidade.
Vai para a França. Passa 2 anos (1579-1581) em Toulouse, onde consegue nomeação para uma cátedra de filosofia. Fiel as suas primeiras leituras sobre a teoria luliana, quando professor na universidade de Toulouse Bruno escreve um livro: Clavis Magna (“A grande chave”) sobre o assunto. Lá tentou, sem sucesso, ser absolvido pela Igreja Católica. A esta altura é um homem sem pátria e sem Igreja. Seguiu para Lyon onde concluiu o Clavis Magn dedicado à arte da memorização, e de lá, em 1581, para Paris.
Primeiro período em Paris. Em Paris Bruno encontrou ambiente favorável para trabalhar e lecionar. Não era incomum para os eruditos vagar de lugar para lugar, buscando alunos e protetores abastados. Ele fazia contactos facilmente e podia interessar qualquer grupo que encontrasse com o fogo de suas idéias. Leciona publicamente filosofia, sob os auspícios do Colégio de Cambrai, o precursor do Colégio de França.
A reputação de Bruno chegou ao conhecimento Henrique III, que ficou curioso de conhecer essa nova atração filosófica. O rei estava curioso de descobrir se a arte de Bruno era de um mágico ou de um bruxo. Bruno gozava a reputação de um mágico que podia dotar a pessoa de uma grande retenção de memória, mas demonstrou ao rei que seu sistema era baseado em conhecimento organizado. Bruno encontrou um verdadeiro protetor em Henrique III.
A corte era dominada por uma facção de católicos tolerantes, simpatizantes do rei de Navarra, o protestante Henrique de Bourbon, sucessor presuntivo de Henrique III. A posição religiosa de Bruno afinava com esse grupo liberal, motivo de ser bem aceito na corte e receber a proteção do rei. As artes combinatória e mnemônica são os principais objetos da curiosidade real. O rei concede-lhe uma renda especial, nomeando-o um de seus “Leitores reais”. Bruno logo desperta a inveja dos professores por ser popular e admirado, mas sustenta com habilidade sua posição.
Foi por essa ocasião que um dos primeiros trabalhos de Bruno foi publicado De Umbris Idearum, (“A sombra das idéias”) logo seguido por Ars Memoriae (“Arte da memória”). Nestes livros ele sustentava que a idéias eram somente sombras da verdade. No mesmo ano um terceiro livro surgiu: De architetura et commento artis Lulli (“Sobre a Arte de Lúlio e comentário”).
Lúlio havia tentado provar os dogmas da Igreja por meio da razão. Bruno nega o valor desse esforço mental. Ele argumenta que o Cristianismo é inteiramente irracional, que é contrário à filosofia e que contraria outras religiões. Salienta que nos o aceitamos pela fé, que a assim chamada revelação não tem base científica.
No seu quarto trabalho Bruno escolhe a feiticeira de Homero, Circi, que mudava homens em bestas e faz Circi discutir com sua criada o tipo de erro que cada besta representa. O livro Cantus Circaeus mostra Bruno trabalhando com o princípio da associação de idéias, e continuamente questionando o valor dos métodos de conhecimento tradicionais.
Em 1582, na idade de 34 anos, ele escreveu uma comédia em italiano, II Candelajo, um fabricante de velas que sai a anunciar seus produtos com gritos e estardalhaço: “… as velas que fiz nascer, as quais iluminarão certas sombras de idéias… O tempo dá tudo e tudo toma, tudo muda mas nada morre… Com esta filosofia meu espírito cresce, minha mente se expande. Por isso, apesar de quanto obscura a noite possa ser, eu espero o nascer do dia… Alegrem-se, portanto, e mantenham união, se puderem, e retribuam o amor com amor.” Nessa peça faz uma representação eloqüente da sociedade napolitana contemporânea, como um protesto contra a corrupção social e moral da época. A comédia, satiriza o amante desajeitado, o avarento sórdido e o pedante ridículo.
Na primavera de 1583, não obstante a cordial acolhida que lhe fora dispensada em Paris pelo rei e pelos espíritos desvinculados do aristotelismo, Bruno resolve sair da França. Seja porque não pudesse mais sustentar sua popularidade em Paris, ou por que a cada dia se tornava mais grave a ameaça de uma renovação da guerra civil, em abril de 1583 Bruno mudou-se para Londres, com uma carta de apresentação de Henrique III para seu embaixador para as ilhas britânicas, Michel de Castelnau.
Inglaterra. É possível que o brilho do período elisabetano tenha atraído Giordano Bruno à Inglaterra. Sob a rainha Isabel I, a Inglaterra vivia um Renascimento tardio. A rainha, filha de Henrique VIII e Ana Bolena, nasceu em 1533. Terceira na linha de sucessão de seu pai Henrique VIII, reinou de 1558 a 1603, depois de seu irmão doente Eduardo VI e de sua irmã mais velha Maria I, que foi casada com Felipe II de Espanha.
Oxford, como as demais universidades européias da época, cultivava a reverência escolástica pela autoridade de Aristóteles. Bruno pronunciou em Oxford uma série de conferências no verão de 1583, nas quais expunha a teoria de Copérnico mantendo a realidade do movimento da terra. Ao seu modo impetuoso, pregava que não se deveria acreditar no que Aristóteles havia afirmado, quando a simples observação da natureza demonstrasse o contrário.
Devido à recepção hostil dos professores oxfordianos, ele voltou para Londres onde passou dois anos, de 1583 a 1585, como hospede de Castelnau. Graças à proteção do embaixador ele pode freqüentar a corte e ligar-se a figuras influentes tais como o poeta Sir Philip Sidney e o duque de Leicester Robert Dudley. Em 1584 foi convidado por Fulke Greville, um membro do círculo de Sidney, para discutir sua teoria do movimento da Terra com alguns doutores de Oxford. A discussão degenerou em querela.
Apesar de tudo, o período em Londres foi muito produtivo. Começou a escrever seus diálogos italianos, que constituem a primeira exposição sistemática de sua filosofia. São seis diálogos, três cosmológicos – sobre a teoria do universo – e três sobre moral.
Na Cena de le Ceneri (“A Ceia da Quarta Feira de Cinzas”), vinga-se dos professores de Oxford, que ele diz entenderem mais de cerveja que de grego. É a história de um jantar de que participam convivas ingleses com local simulado em Paris e Veneza, escrito em 1584, ele não apenas reafirma a realidade da teoria heliocêntrica de Copérnico, – a qual ainda era objeto de riso e de descrença por não coincidir com os ensinamentos de Aristóteles -, mas ainda sugere que o universo é infinito, constituído de inumeráveis mundos substancialmente similares ao do sistema solar.
A Sir Philip Sidney Bruno dedicou “II spaccio della bestia trionfante“, seu mais ácido ataque à Igreja Católica, porém uma homenagem à altura, uma vez que os ingleses tinham os católicos por inimigos.
Enquanto na Inglaterra, Bruno teve uma audiência pessoal com Isabel I, a quem teria bajulado com superlativos, inclusive chamando-a “sagrada” e “divina”, o que serviu, mais tarde, para alimentar seu processo como infiel e herege. Consta porém que a rainha não o levou em grande conta, achando-o rude, radical, subversivo e perigoso, enquanto Bruno considerava os ingleses um tanto primitivos.
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Segundo Período em Paris. Sem ambiente na Inglaterra, Bruno se vê obrigado a acompanhar Castelnau quando este é chamado pelo Rei de volta à França em 1585. No caminho ambos são roubados de tudo que possuíam.
Em Paris encontrou uma atmosfera política mudada. Henrique III havia revogado o edito de pacificação com os protestantes e o Rei de Navarra havia sido excomungado. Longe de adotar uma linha de comportamento cauteloso, Bruno entrou em polêmica com um protegido do partido católico, o matemático Fabrizio Mordente, a quem ridicularizou em quatro Dialogi.
Bruno tentou, sem êxito, voltar ao catolicismo sem retomar o hábito dominicano, condição que lhe era imposta pela Igreja. Publica então “Árvore dos Filósofos”, obra hoje perdida, e em maio de 1586 ousou atacar Aristóteles publicamente em seu Cento e vinti articuli de natura et mundo adversos Peripatetiso (“120 artigos sobre a natureza e o mundo contra os peripatéticos”) proclamadas em junho por seu discípulo João Hennequin em desafio aos doutores da Universidade de Paris. O desafio audaz provoca um tumulto grande e violento. Os católicos moderados que o apoiavam contra a extremada Santa Liga Católica então o desautorizaram. Em consequência Bruno se acha ameaçado de perigos tão graves que se vê obrigado a sair logo da França.
Hungria. Bruno muda-se para Praga (Reino da Boêmia, hoje Checoslováquia), onde frequenta a corte do rei Rodolfo II, Imperador do Sacro Império de 1576 a 1612, reconhecido pelo brilho intelectual de sua corte, em que pese seus reveses políticos. Em Praga, Bruno escreve uma crítica contra a intolerância e sectarismo religioso, que diz contrariar a lei divina do amor, doutrina certamente do agrado de Rudolf II que pouco fez para reprimir os protestantes.
Mas Praga não lhe convém muito. De lá Bruno vai para a Alemanha, onde perambulando de uma cidade universitária para outra, consegue ser professor em Wittenberg, Alemanha oriental (1588). Ensinou e publicou uma variedade de trabalhos menores, incluindo o Articuli centum et sexatinta (“160 Artigos”) contra os filósofos e matemáticos contemporâneos, no qual ele expõe sua concepção de religião – uma teoria da coexistência pacífica de todas as religiões baseada no conhecimento mútuo e liberdade recíproca de discussão e faz uma reivindicação da dignidade própria da liberdade espiritual humana (sem liberdade não haveria essa dignidade).
Alemanha. Em 1587 Bruno muda-se para Helmstadt, Alemanha ocidental, onde o Duque Henrique Júlio dispensa-lhe acolhida favorável e cordial. Escreve a que considera sua maior obra: De imaginum signorum et idearum compositione (“Sobre a Associação de imagens, os signos e as idéias”) sobre mnemônica. Mas os calvinistas não toleram sua doutrina. Em Helmstadt, em Janeiro de 1589, ele foi excomungado pela Igreja Luterana local. Permaneceu em Helmstadt até a primavera, completando trabalhos em mágica natural e matemática (publicado postumamente) e trabalhou em três poemas latinos – De minimo, De monade, e De innumerabilibus sive de immenso – os quais relembrava as teorias expostas nos diálogos italianos e desenvolvia o conceito de uma base atômica da matéria e do ser.
Para publicar estas obras, ele foi em 1590 a Frankfurt sobre o Maine, onde o Senado rejeitou sua solicitação de permanencia. Não obstante, ele conseguiu residente no convento Carmelita, lecionando para doutores protestantes e adquirindo uma reputação de ser um “homem universal” mas que, na opinião do Prior, “não possuía um traço de religião” e que “estava ocupado principalmente em escrever e na quimérica e vã imaginação de novidades”.
Inquisição de Veneza. Em Frankfurt um editor veneziano que o encontra traz-lhe os chamados insistentes de um patrício João Mocenigo, que desejava aprender suas técnicas mnemônicas.
Bruno talvez estivesse saudoso da Itália, ou talvez não tivesse mais qualquer outra opção melhor. Não tinha tranquilidade em Frankfurt e não podia voltar a Paris. Aceita o convite acreditando na independência da República Veneziana. O risco não pareceu muito grande: Veneza era de longe a mais liberal dos estados italianos, a tensão européia tinha afrouxado temporariamente após a morte do intransigente papa Sixtus V em 1590. Além do mais, Bruno ainda estava procurando por um estrado acadêmico da qual pudesse expor suas teorias, e ele deve ter sabido que a cadeira de matemática da Universidade de Pádua estava então vaga.
Regressou à Itália em agosto de 1591. Ele foi imediatamente para Pádua e durante o verão de 1591 iniciou uma série de cursos privados para estudantes alemães e escreveu o Praelectiones geometricae e Ars deformationum. Em Pádua, dita a um discípulo uma obra: “Sobre as forças atrativas em geral” que é um estudo sobre a fascinação, suas causas e formas”.
No início do inverno, quando parecia que ele não iria receber a cátedra (ela foi oferecida a Galileu em 1592) ele seguiu para Veneza, como hóspede de Mocenigo, e tomou parte nas discussões dos aristocratas venezianos progressistas que, como ele, favoreciam a investigação filosófica independentemente de suas implicações teológicas.
Em maio de 1592, Bruno havia terminado um outro trabalho e preparava-se para viajar a Frankfurt para publica-lo, quando se viu trancado por Mocenigo em suas acomodações no sótão da casa. Desapontado com as lições privadas de Bruno sobre as técnicas mnemônicas que em nada ajudaram sua precária memória, além de considerar-se atraiçoado por não conseguir o milagre esperado, Mocenigo também ficou ressentido com a intenção de Bruno de voltar para Frankfurt para publicar seu novo trabalho. Depois de prendê-lo, Mocenigo denunciou-o à Inquisição Veneziana por suas teorias heréticas.
Levado pelo Santo Ofício com todos os seus papeis, Bruno defendeu-se admitindo alguns erros teológicos menores, insistindo, no entanto, nos seus postulados básicos. Pretende a dupla verdade (razão e filosofia separada da verdade revelada). Consegue esclarecer à Inquisição a sua posição e chega-se a um acordo, prometendo ele fazer a reforma de sua vida, arrependido de todos os erros em que houvesse incorrido provocando escândalo.
O palco do julgamento veneziano parecia proceder de modo favorável a Bruno, quando então a Inquisição Romana pediu sua extradição. Por solicitação insistente do Papa, curioso sobre a personalidade de Bruno e o conteúdo do processo com respeito a suas idéias, o tribunal de Veneza encaminha o prisioneiro para Roma, e no início de 1593 Bruno entrou na cadeia do palácio romano do Santo Ofício.
Inquisição de Roma. Em Roma, um frade, Celestino de Verona, junta novos testemunhos acusadores. Inicia-se um novo processo em 1593, este mais sério, acompanhado de torturas, e que haveria de prolongar-se por sete anos.
O papa Clemente VIII (1592-1605) viria a ter papel decisivo no julgamento de Bruno. O papa encarregou o cardeal Bellarmino de analisar e acompanhar o processo de Giordano Bruno.
Não se sabe com precisão os detalhes do processo, e exatamente quais as acusações lhe foram feitas porque o seu processo tem paradeiro desconhecido. Sabe-se porém que o cardeal Bellarmino extraiu das obras de Bruno 8 heresias, as quatro mais graves são duas teológicas e duas filosóficas:
Teológicas:
a) negaria a transubstanciação;
b) prioridade ideal e real do Pai e da subordinação do Filho, este originado de um ato da vontade do Pai, que lhe é preexistente.
Filosóficas:
a) pluralidade dos mundos (os atos divinos devem corresponder à potência infinita de Deus) implicaria também várias encarnações de Cristo um número infinito de vezes…(raciocínio tipicamente escolástico);
b) alma presente no corpo como o piloto no barco.
Não figura entre essas acusações alguma relativa à teoria heliocêntrica de Copérnico e portanto Bruno foi acusado puramente no campo teológico, não no campo científico. O tema do seu “Sobre o Universo Infinito e Mundos” não é um livro de astronomia mas de panteísmo, e é o mesmo tema do seu “Sobre a sombra das Idéias”. Seu panteísmo foi interpretado como puro materialismo constituindo um ataque frontal ao ensino espiritual da Igreja quanto à natureza do homem e primazia da alma. A Igreja deve tê-lo condenado por esta sua tese panteísta central, entendendo que a teoria heliocêntrica de Copérnico que ele difundia era apenas material de apoio para sua revolução. Antes de Galileu o heliocentrismo de Copérnico tinha rara aceitação e a própria Igreja havia permitido a impressão de seu livro De Revolutionibus na Itália com as alterações prescritas, ao que parece esclarecendo que se tratava de hipótese e não de verdade definitiva da teoria. A condenação formal da teoria, segundo revela R. W. Pogge, viria somente em 1664 quando o Papa Alexandre VII lançou uma bula banindo “todos os livros que afirmam o movimento da terra”.
Durante os sete anos do julgamento romano, Bruno a princípio desenvolveu sua linha defensiva previa, negando qualquer interesse particular em questões teológicas e reafirmando o caráter filosófico de suas especulações. Essa distinção não satisfez os inquisidores, que pediram uma retratação incondicional de suas teorias.
Em certa época lhe foram dados quarenta dias para reconsiderar sua posição; ele prometia retratar-se mas renovava suas “tolices”. Bruno então fez uma tentativa desesperada de demonstrar que seus pontos de vista não eram incompatíveis com a concepção cristã de Deus. Então conseguiu mais quarenta dias para deliberar mas não fez mais que confundir o papa e a inquisição.
Bruno faz sua defesa sempre tentando convencer os inquisidores,
1.) da legitimidade das suas idéias filosóficas e da possibilidade de concilia-las com a revelação religiosa, e
2.) alegando que a acusação toma peças isoladas do contexto de seu trabalho, e
3.) que não sabe sobre o que se emendar. Bruno finalmente declarou que não tinha nada de que retratar-se e que ele nem sabia de que se esperava que retratasse.
Os inquisidores rejeitaram seus argumentos e o pressionaram para uma retratação formal. A esta altura o Papa Clemente VIII ordenou que ele deveria ser sentenciado como um impenitente e herege pertinaz.
Condenação. Na primavera de 1599 teve início seu julgamento por uma comissão da Inquisição Romana. Foi condenado devido a sua doutrina teológica de que Cristo não era Deus mas sim um mágico de habilidade incomum, que o Espírito Santo era a alma do mundo, que o demônio seria salvo um dia, etc. A 20 de janeiro de 1600 Bruno é condenado. Ao final foi levado, a oito de fevereiro, ao palácio do Grande Inquisidor para ouvir sua sentença de joelhos, diante dos acólitos assistentes e do governador da cidade. Quando a sentença de morte foi lida para ele, ele dirigiu-se aos juízes dizendo: “Talvez vocês, meus juízes, pronunciem esta sentença contra mim com maior medo que o meu em recebe-la.” Foram-lhe dados mais oito dias para ver se ele se arrependia. Não adiantou. Em 17 de fevereiro ele foi trazido ao Campo di Fiori, sua boca com uma mordaça, para ser queimado vivo. Foi levado ao poste e quando estava morrendo um crucifixo lhe foi apresentado, mas ele empurrou-o para longe com marcado desdém.
Seus trabalhos foram colocados no Índex em agosto de 1603 e seus livros tornaram-se raros.
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FILOSOFIA
Perfil filosófico. Em seus escritos Bruno expõe um sistema de filosofia no qual os principais elementos são neoplatonismo, monismo materialista, misticismo racional relativo ao conhecimento e à linguagem, e o conceito naturalista de unidade do universo material, com inspiração na astronomia de Copérnico. Seu sistema filosófico inclui, portanto, posições algo contraditórias. Inimigo da Escolástica, no entanto respeitava o pensamento de Santo Alberto Magno e de São Tomás de Aquino.
Como panteísta: acredita que a terra e os homens são na verdade acidentes de uma única substância universal, que Deus está em tudo e tudo está em Deus. Já como neoplatônico, distingue Deus à parte do mundo material, coloca Deus em um extremo; e uma natureza que contem espírito e matéria, e deste modo as coisas que existem variam em perfeição, descendo desde a unidade divina, que é puro espírito, até a matéria pura e as trevas do mal. O neoplatonismo distingue, pois, os extremos do bem e do mal, e isto não existe no panteísmo. É animista, por acreditar que tudo contem o espírito.
Não obstante certa falta de clareza, antecipa-se de modo óbvio a Descartes, Espinosa e Leibniz e, em certa medida, a vários outros filósofos da Época Moderna. Em “A tripla rédea e medida das três ciências especulativas e o princípio de muitas artes práticas”, encontramos uma discussão sobre um tema que será retomado posteriormente por Descartes. O livro foi escrito cinco anos antes do nascimento de Descartes e diz: Quem tanto estiver sedento de Filosofia precisa por-se a trabalhar colocando todas as coisas em dúvida.” E em outro local diz: “No entanto, tudo que os homens possam julgar seguro e evidente, fica provado, quando trazido a discussão, ser não menos duvidoso do que são as crenças extravagantes e absurdas.”
Espinoza, desenvolveu o panteísmo de Bruno depurando-o e apresentando-o com mais clareza e detalhada argumentação. Por outro lado, ao transformar os átomos do materialismo de Demócrito, Epicuro e Lucrécio em mônadas animadas magicamente, Bruno prenunciou a monadologia de Leibniz.
A atitude de Bruno em relação à religião era a de um racionalista. Disse dele um teólogo que ele era “um homem de grande capacidade, com infinitos conhecimentos, mas sem um traço de religião”. Porém Bruno não se dizia ateu mas “filoteu” como no título de uma de suas obras: Philotheus Jordanus Brunus Nolanus de compendiosa architectura et complemento artis Lullii (Paris, 1582). Cunhou a frase “Libertas philosophica”, o direito de pensar, sonhar e filosofar, e foi martirizado devido ao seu excessivo entusiasmo. A idéia do universo infinito foi uma das mais estimulantes idéias do Renascimento.
No século XIX intelectuais italianos redescobriram Bruno, tomando-o como símbolo do filósofo de vanguarda, ousado e livre, e mártir da ciência e da filosofia. Para muitos, no entanto, ele não passou de um ocioso, um filósofo andarilho, um poeta vadio, e ficou longe de merecer ser chamado um cientista. Mas, sem dúvida, foi um pioneiro que acordou a Europa de um longo sono intelectual. Ao final do século XVI aparentemente não havia um único professor que ensinasse o universo segundo Copérnico, exceto ele, Giordano Bruno. Galileu apresenta suas provas somente mais tarde, no início do século XVII, e mesmo então é obrigado a abjurar a teoria. Galileu nunca encontrou Bruno e foi bastante esperto para não citar um herege condenado em suas obras.
Mais que qualquer outro, Bruno merece ser chamado pioneiro da ciência e da filosofia moderna pelo sentido profético de suas deduções em inteiro acordo com as teorias científicas e filosóficas provadas depois. Como um visionário ele é ousado e imaginativo, e menos preciso e cuidadoso, e seu fim trágico fez dele um mártir da liberdade do pensamento.
Cosmologia. Em sua cosmologia Bruno segue Lucrécio e Copérnico, mas ele deduziu implicações do sistema heliocêntrico muito além do pensamento do próprio Copérnico. O movimento dos astros não seria esférico como Copérnico havia apresentado. Bruno suprime a esfera das estrelas fixas conservada por Copérnico e alarga o universo ao infinito. Sua cosmologia está contida no seu diálogo Del infiniro universo e mondi (“Sobre o Infinito, Universo e Mundos”). Nesta obra ele desenvolveu sua teoria cosmológica criticando sistematicamente os físicos aristotélicos, refuta a cosmologia tradicional de Aristóteles e afirma que o universo físico não é finito e limitado como pretendia a concepção medieval, mas infinito e ilimitado e inclui um número não definido de mundos, cada um com o seu sol e seus planetas e que estes eram todos habitados por seres inteligentes. A terra se torna assim uma pequena estrela entre as outras em um universo infinito. Sendo Deus, criador do mundo, necessariamente um ser infinito; seria contraditório que a uma causa infinita não correspondesse um efeito infinito. O universo, pois, como efeito de uma causa infinita não pode conceber-se senão como infinito. O universo não contem apenas o nosso sistema (nosso mundo) mas um sistema de mundos infinitos que nascem e decaem movidos pela divina força universal. Existiriam possivelmente inumeráveis mundos habitados. Em sua doutrina encontramos algo do pensamento moderno como ä afirmação no seu livro De la Causa, Principio, et Uno: de que a extinção é impossível em qualquer parte da Natureza, ou a frase: “Não existe lado de cima ou lado de baixo”, e não havia posição absoluta no espaço, como dissera Aristóteles, pois que a posição de um corpo “era relativa à dos outros corpos. Em toda parte ocorrem mudanças relativas incessantes de posição por todo o universo, e o observador está sempre no centro das coisas”. O mundo não tem limites nem referência absoluta e, portanto, as várias imagens dele são relativas: qualquer ponto é centro – periferia. Infinidade e relatividade.
Seguindo deduções tipicamente aristotélicas, diziam os mestres escolásticos que, se a terra se movesse, as nuvens seriam deixadas para trás, as folhas mortas voariam sempre no mesmo sentido; uma pedra solta do alto de uma torre se afastaria do pé da torre. A esse pensamento juntava-se a concepção de que, excetuando-se o movimento circular uniforme, impresso por Deus aos corpos celestes, todos os demais movimentos são imperfeições, constituindo transgressões ou reparações de transgressões da ordem divina.
A refutação de Bruno a esse argumento, em O Banquete das Cinzas (1584), é que a terra e tudo que nela se encontra formam um sistema. Os objetos de um navio se movem com ele. Do mesmo modo, as nuvens, os pássaros, as pedras são levados com a terra.
No mesmo diálogo ele se antecipa ao astrônomo Galileu Galilei, sustentando que a Bíblia devia ser seguida pelos seus ensinamentos morais e não por suas implicações astronômicas. Ele também criticou fortemente os costumes da sociedade inglesa e o pedantismo dos doutores de Oxford.
São afirmações ousadas em uma época em que o pensamento teológico filosófico medieval era ainda predominante, e tinha como uma de suas peças básicas a astronomia de Ptolomeu que afirmava ser a Terra um ponto imóvel privilegiado, centro do movimento circular de todos os corpos celestes, teoria que afinava tanto com os textos bíblicos quanto com o pensamento racional aristotélico que a escolástica integrava num todo unitário.
Neoplatonismo. Os diálogos italianos escritos na Inglaterra e os poemas latinos escritos na Alemanha são importantes para sua filosofia. No De gli eroici furori, um dos diálogos italianos, Bruno segue a tradição do neoplatonismo renascentista ao louvar o amor “heróico” pelo infinito.
No livro Sigillus sigillorum, a doutrina neoplatônica torna a ser afirmada, com mais desenvoltura que na De umbris idearum. Começa a desenvolver mais a idéia da unidade universal: conclui com Parmênides que tudo é o “Uno”, e por isso devemos procurar o “Uno” em cada ser múltiplo, e o idêntico em cada ser diverso: o que nos leva a amar a tudo e nos impele por todo caminho cognitivo a voltar à união com Deus.
Animismo. Bruno é animista. Em sua filosofia o universo é um sistema em permanente transformação, um todo no qual nada existe imóvel. Não apenas um movimento mecânico e passivo, segundo as leis da física, mas um movimento anímico que o faz transformar-se permanentemente. Tudo que existe estaria reduzido a uma única essência material provida de animação espiritual. Os astros giram também sobre seu próprio eixo para perpetuar em si a vida, para expor sucessivamente todas as suas partes ao sol (como seres que tem vida, aqui o seu animismo). O globo terrestre tem uma alma; na verdade, cada e toda parte dele, mineral, vegetal ou animal, é animada, toda matéria é feita dos mesmos elementos, não havendo distinção entre matéria terrestre e celeste, e todas as almas são afins. Todos os seres quaisquer que sejam são ambos corpo e alma: todos são mônadas viventes, reproduzindo, em uma forma particular, a Monada das mônadas, ou o Deus-Universo. Essa concepção vamos encontrar novamente em Leibniz.
Panteísmo. O princípio do mundo infinito obriga Bruno a supor que o princípio do mundo não está fora dele, mas é força que está dentro dele. Bruno é contrário à ortodoxia cristã apoiada na metafísica aristotélico-tomista, que colocava Deus como primeira causa, motor imóvel e perfeição absoluta, que seria transcendente, ou seja, com existência plena e separada de suas criaturas.
Concebe Deus como imanente ao Universo e idêntico a Ele. Deus não é o criador nem o primeiro motor, mas a alma do mundo, não é causa transcendente e nem temporária com um momento de criação, mas, como Spinoza diria, a causa imanente, a causa interna e permanente das coisas, princípio material e formal das coisas. que as produz, organiza e governa de dentro para fora: numa palavra, sua substância eterna. O espaço, segundo ele, não tem limites ou barreiras intransponíveis separando nosso mundo de uma outra região reservada aos espíritos, anjos e Deus.
Deus está misturado nas coisas; mente ou alma do mundo, ordenadora e unificadora das próprias coisas. Em De la causa, principio e uno (também de 1584) ele elabora a teoria física na qual estava baseada sua concepção do universo: “forma” e “matéria” estão intimamente unidas e constituem o “Uno”. Assim o tradicional dualismo dos físicos aristotélicos foi reduzido por ele a uma concepção monística do mundo, implicando a unidade básica de todas as substancias e a coincidência dos opostos na unidade infinita do Ser.
A individualidade de cada ente singular é forma individualizada e finita que assume a essência divina infinita. Deus, como unidade além de todos os opostos, não é cognoscível na sua profunda natureza.
Spinoza (1632-1677) tem o mesmo pensamento panteísta. Deus não seria um ser que tivesse criado o Universo, mas seria o próprio mundo. Deus imutável e infinito é atividade causadora de um efeito infinito que consiste no contínuo devir da infinidade nas coisas finitas. Deus é a mente, o artífice interno, a alma do mundo. A essência íntima do mundo é harmonia; para quem o compreende, os defeitos e as imperfeições dos pormenores concorrem para a beleza do conjunto. Este pensamento afasta-o do neoplatonismo.
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O mínimo se identifica com o máximo e o iguala em valor: qualquer minúcia, por insignificante e desprezível que seja, na ordem do todo e do universo torna-se da máxima importância. Os contrários coincidindo na unidade e as oposições concorrendo na formação da ordem e perfeição do todo.
No entanto, a distinção que Bruno faz entre Deus e a natureza é ambígua. Bruno distingue entre Deus, unidade absoluta e transcendente à natureza (como se falasse da alma de Deus), e Deus, causa ou força ou alma universal imanente das coisas (como se falasse das coisas representando o corpo de Deus: panteísmo). O mundo é Deus, mas Deus transcende o mundo.
Os seres que Bruno distingue pelas palavras “universo”e “mundo”, natura naturans e natura naturata, na verdade constitui uma única e mesma coisa, ora considerada do ponto de vista de existência real, ora nominalisticamente.
O homem Um ser privilegiado que reflete em si a totalidade do Universo e é capaz, portanto, de penetrar-lhe todos os segredos. A alma humana é a evolução máxima da vida cósmica.
A mente humana seria idêntica à mente divina que compõe o cerne de todas as coisas. Exercer as faculdade de imaginação e memória (este amplo receptáculo de toda a vida espiritual) permitiria ao homem ascender a verdades ocultas do Universo. Esta era uma obrigação moral e religiosa.
A potência, a capacidade de conhecer, constitui no espírito humano aquele incentivo que o estimula a avançar sempre mais além do que possui, de maneira que o próprio progresso não produz uma satisfação em que o espírito possa se acalmar, mas que suscita sempre novas insatisfações, novas necessidades que estimulam para um movimento ulterior de conquista.
“Da maior apreensão nasce maior e mais intenso desejo” a potência intelectiva jamais se aplaca, jamais se satisfaz na compreensão já conseguida de uma verdade, mas que sempre avança cada vez mais além da verdade incompreensível. Uma tendência interior impele a intrínseca potência infinita para a própria realização.
Raiz de todo esforço de realização é a imanência da Mente divina, que se acha toda presente em todos os seres, animando-os a todos, mesmo aos que se costumam chamar inanimados.
A Cabala del cavallo Pegaseo (“Cabala do cavalo Pégaso”), de 1585, com o anexo “O asno cilênico”, inclui a discussão da relação da alma humana e a alma universal, concluindo com a negação da individualidade absoluta daquela
O Conhecimento. A habilidade de Bruno como retórico o conduz a uma preocupação com a memória e tenta criar sistemas em complexas tabelas articulando tudo o que pode ser dito, conhecido, imaginado, abrangendo todas as artes, línguas, atividades e sinais, na chamada “arte combinatória”. Trata-se de solucionar o problema da memória com fundamento nas leis da associação mental; e por isso Bruno apela para a união das idéias com imagens sensíveis; seus trabalhos neste campo contem coleções detalhadas de regras com base nos princípios da poesia, e descreve a construção de imagens da memória a partir da experiência de observação humana. Ele imagina um sistema, influenciado pelas órbitas dos corpos celestes, cuja rotação traz um conjunto de imagens em proximidade e justaposição sempre variável permitindo conexões que sugeririam desde associações criativas até a demência. Da variedade de todas as coisas emerge uma unicidade ou singularidade sob forma de intuição sensível ou senestésica.
A arte combinatória parecia oferecer possibilidades para melhorar a memória (mnemotécnica) e Bruno tenta explorar essa área. Depois tenta explorar seu uso aplicado-a à criatividade ou arte inventiva, na procura de conhecimentos novos.
A imaginação suprida pela memória facultaria ao observador, por simpatia analógica, o conhecimento de todas as variedades do ser. O ser cai em três categoria: Deus, natureza e arte, e é percebido em três modos: metafísico, físico e lógico, pelos seus efeitos divinos, naturais e artificiais. Quando vai para Londres, com o conde de Castelnau, publica A Arte de Recordar, A explicação dos trinta Selos e o Selo dos selos.
Estética. Bruno pretende, em seu sistema integrativo do saber e da linguagem, também a unidade de todas as formas de arte. A intuição sensível, que por vezes é estética, é base de convergência da poesia, da prosa e das artes visuais.
Moral. O Espaccio de la bestia trionfante (“Expulsão da besta triunfante”) o primeiro diálogo da sua trilogia moral, é uma sátira sobre os vícios e superstições de sua época, e ao o pedantismo que encontra na cultura Católica e Protestante. Faz uma forte crítica da ética Cristã – particularmente o princípio calvinista da salvação exclusivamente pela fé, à qual Bruno opunha uma visão exaltada da dignidade de todas as atividades humanas.
À medida que a consciência se ilumina e se torna mais profunda, amplia-se e eleva-se também a esfera da ação, não menos que a do conhecimento. Portanto a ética brunense acha-se dirigida para essa plenitude de consciência que a Bruno parecia contrariada e impedida pela atitude espiritual que ele chamava de santa ignorância.
No De gli eroici furori (“Dos heróicos furores”), também de 1585, Bruno, fazendo uso da simbologia neoplatônica, trata da obtenção da união com o infinito Uno pela alma humana e exorta o homem à conquista da virtude e da verdade.
A ação e a contemplação são duas formas de atividade que provêm ambas de uma necessidade e de uma insatisfação. No obra “De Monade” se glorifica o trabalho e na Ceia das cinzas o valor do esforço, e em todos os Dos heróicos furores é exaltado infinito propósito ou caçada incessante única posse e maneira de gozo reconhecida pelo espírito, o saber.
Filosofia da História. E assim no curso da história da humanidade, Bruno vê realizar-se o infinito progresso, que para ele é um incremento contínuo, quantitativo e qualitativo ao mesmo tempo do espírito humano. O industrioso labor a que esse espírito é impelido incessantemente por sua capacidade interior de desenvolvimento e pelo aguilhão da necessidade, cria a formação do mundo e da cultura, da conquista da verdade, isto é, o processo, quase divino, do progresso humano.
Religião e Liberdade do conhecimento. Filosofia para Bruno tem o sentido de religião, como um “amor intelectual de Deus”, um apelo interior à procura da verdade eterna e divina. A religião e a filosofia são formas de uma mesma religiosidade. No entanto, uma deve ser independente da outra. A religião é um conhecimento acima da natureza, em virtude da revelação; a filosofia é contemplação natural que procura a divindade dentro do mundo e no universo infinito
Em a Cabala del cavallo Pegaseo (“Cabala do cavalo Pégaso”), de 1585, com o anexo “O asno cilênico”. faz da religião uma sátira amarga, apresentando-a como “santa ignorância” que condena a curiosidade ímpia da pesquisa, preferindo fechar os olhos, reprovar qualquer pensamento humano e renegar todo sentimento natural, acusando-a de renuncia e proibição do livre exercício do pensamento e da investigação filosófica. É uma discussão irônica das pretensões da superstição. O “asno”, diz Bruno, pode ser encontrado em toda parte, não apenas na Igreja mas nas cortes de justiça e mesmo nas universidades.
Nunca deve valer como argumento a autoridade de qualquer homem, por excelente e ilustre que seja…É coisa irracional aceitar uma opinião devido ao número dos que nela crêem. A natureza deve ser lei para a razão humana e não esta para aquela…franca manifestação de todo pensamento livre como condição necessária à conquista da verdade…não se pode conquistar a verdade se não houver liberdade para todos no exercício e na manifestação do pensamento
Ele também formula sua visão averroísta da relação entre filosofia e religião, de acordo com a qual existe a religião dos ignorantes e a religião dos doutos. A primeira é considerada como um meio para instruir e governar o povo ignorante. É um conjunto de superstições contrárias à razão e a natureza, “útil para governar os povos incultos”, que é válido enquanto a humanidade não atingir um grau superior de evolução. A religião dos doutos ou dos teólogos, que o processo histórico enriquece, é esclarecida, na qual se integra a filosofia como a disciplina dos eleitos que estão aptos a se controlar e governar os outros.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 28-03-1997.
Última revisão em 01-02-2000.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Giordano Bruno. Site www.cobra.pages.nom.br, INTERNET, Brasília, 1997.