Hoje: 03-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Immanuel Kant, filósofo alemão, em geral considerado o pensador mais influente dos tempos modernos, nasceu em Königsberg, atual Kaliningrado, em 22 de abril de 1724. Não casou nem teve filhos, falecendo em 1804 aos 80 anos.
Kaliningrado, situa-se onde foi a Prússia Oriental, um território no litoral sul do Báltico, parte da Rússia desde 1946.
O território da Prússia foi adquirido à Polônia por Frederico Guilherme o Grande Eleitor de Brandenburgo de 1640 a 1688. Em 1701, Frederico III de Brandemburgo teve permissão de Leopoldo I, Imperador do Sacro Império Romano, para usar o título de Frederico I, rei da Prússia. Seu filho, Frederico Guilherme I (1713-1740), formou um exército bem equipado (o terceiro da Europa, depois da Rússia e da França) e levantou a economia do reino principalmente com a indústria de lã com que vestia o exército. Casou com Sofia Dorotéa, filha de George Luís, eleitor de Hanôver (O último dos três patronos a que Leibniz serviu em Hanôver), que veio a ser George I da Inglaterra. Frederico II, O Grande (1740-1786), sucessor de Frederico Guilherme, usou o poderoso exército da Prússia para tomar a grande e próspera província da Silésia à Áustria dos Habsburgo (1740), e sob seu reinado o filósofo viveu a maior parte de sua vida, toda ela vivida em Königsberg..
Kant era filho de um artesão que trabalhava couro e fabricava selas. Sua mãe, de origem alemã, embora não tivesse estudo, foi mulher admirada pelo seu caráter e pela sua inteligência natural. Ambos seus pais eram do ramo pietista da Igreja Luterana, uma subdenominação que requeria dos fieis vida simples e integral obediência à lei moral.
Estudos primários. A influência de seu pastor permitiu a Kant, o 4o. de 11 crianças, porém o mais velho sobrevivente, entrar na escola pietista onde estudou por oito anos e meio principalmente os clássicos latinos. Ele confessou a sua preferência de então pelo naturista Lucrécio, e talvez o tenha impressionado o livro IV do poema De rerum natura, onde Lucrécio descreve a mecânica dos sentidos e do pensamento.
Em 1740, aos dezesseis anos, Kant entrou para a universidade de Königsberg onde estudou até aos 21 anos. Apesar de ter assistido a cursos de teologia e até pregado alguns sermões, ele foi atraído mais pela matemática e a física. Ajudado por um jovem professor, Martin Knutzen, que havia estudado com Christian Wolff, um sistematizador da filosofia racionalista, e que também era um entusiasta da ciência de Sir Isaac Newton, ele começou a ler os trabalhos deste físico inglês e, em 1744, iniciou seu primeiro livro, o qual tratava de um problema relativo a forças cinéticas: “Ideias sobre a Maneira Verdadeira de Calcular as Forças Vivas”.
Aos 21 anos – apesar de que a esta altura tivesse decidido a seguir uma carreira acadêmica –, com a morte de seu pai em 1746 e o seu fracasso em obter o posto de sub-tutor em uma das escolas ligadas à universidade, Kant se viu obrigado a desistir temporariamente de seu projeto e a buscar meios imediatos de se manter. Foi compelido a suspender os estudos universitários e ganhar a vida como tutor particular. Durante nove anos manteve essa ocupação, atividade em que foi bem sucedido e que lhe permitiu conviver com a sociedade mais influente e refinada de seu tempo. Serviu a três famílias diferentes, tendo nesse período viajado à cidade próxima de Arnsdorf. Em 1755 ele retornou a Königsberg e lá passou o restante de sua vida.
Retorno à universidade. Em 1755, ajudado pela bondade de um amigo, Kant pode completar seus estudos na universidade. Obteve seu doutorado e assumiu a posição de livre docente (Privatdozent, professor sem salário). Três dissertações que ele apresentou na habilitação a esse posto indicam o interesse e rumo de seu pensamento nessa época. Em uma, “Sobre o fogo”, ele argumenta, muito ao jeito aristotélico, que os corpos agem uns sobre os outros através de uma matéria sutil e elástica uniformemente difusa que é a substância básica de ambos calor e luz.
A seguir, por 15 anos, ele ensinou na universidade, primeiro dando aulas de ciência e matemática, mas gradualmente ampliando seu campo de interesse a quase todos os ramos da filosofia. A Física newtoniana o impressionou, não apenas pelas suas implicações filosóficas quanto pelo seu conteúdo científico. Impressionou-o igualmente as asserções leibnizianas, as quais criticaria no futuro.
Sua fama como professor e escritor aumentou constantemente durante seus 15 anos como livre-docente. Cedo ele já lecionava sobre muitos assuntos além de física e matemática, incluindo lógica, metafísica, e filosofia moral. Até mesmo ensinou sobre fogos de artifício e fortificações e cada verão, por 30 anos, deu um curso popular sobre geografia física. Seu estilo, que diferia grandemente daquele de seus livros, era humorístico e vivo, vivificados por muitos exemplos de suas leituras em literatura inglesa e francesa, viagem e geografia, ciência e filosofia.
Apesar de que as aulas e os trabalhos escritos nesses 15 anos como livre-docente estabeleceram sua reputação como um filósofo original, ele não recebeu uma cadeira na universidade até 1770, quando foi feito professor de lógica e metafísica, uma posição que manteve até 1797, continuando nesses 27 anos a atrair grande número de estudantes para Königsberg.
Conflito com o governo. O ensino não ortodoxo de religião de Kant, que era baseado no racionalismo mais que na revelação, o colocaram em conflito com o governo da Prússia, e em 1792 ele foi proibido pelo rei Frederico Guilherme II de ensinar ou escrever sobre temas religiosos. Ele obedeceu essa ordem por cinco anos, até a morte do Rei e então sentiu-se liberado dessa proibição. Em 1798, o ano que se seguiu a sua aposentadoria da universidade, publicou um resumo de seus pontos de vista religiosos.
Sedentarismo. Apesar de que ele falhou duas vezes em obter uma cátedra em Konigsberg, Kant recusou aceitar ofertas que o teriam levado para fora, inclusive o professorado de literatura em Berlim, que lhe teria dado grande prestígio. Preferiu a paz de sua cidade natal para trabalhar e desenvolver seu pensamento. Sua filosofia crítica brevemente estava sendo ensinada em cada universidade de língua alemã importante, e os jovens afluíam a Königsberg como à Meca da Filosofia. Em alguns casos o governo prussiano até pagava- lhes as despesas. Kant passou a ser consultado como um oráculo em todo tipo de questão, inclusive em assuntos como a legalidade da vacinação.
Vida sistemática. As muitas homenagens não interromperam os hábitos regulares de Kant, que seguiu sempre sua rotina de trabalho e investigação filosófica sobre a vasta gama de tópicos que se pode ver da lista de seus trabalhos. Com pouco mais de 1,50 m de altura, com o peito deformado e sofrendo de saúde precária, Kant manteve através da sua vida um severo regime. Era um sistema cumprido com tal regularidade que as pessoas diziam poder acertar os relógios de acordo com sua caminhada diária ao longo da rua que depois recebeu o nome, em sua homenagem, de “Caminhada do Filósofo”. Até que a idade o impediu, sabe-se que ele somente perdeu sua aparição regular na ocasião em que o “Emile”, de Rousseau, o fascinou tanto que, por vários dias, ele ficou em casa ocupado com sua leitura.
Morte. Após um declínio gradual que foi muito doloroso para seus amigos tanto quanto para ele próprio, Kant morreu em Königsberg em 12 de fevereiro de 1804. Suas últimas palavras foram “isto é bom”.
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Filosofia:
Durante o período de sua carreira acadêmica, estendendo de 1747 a 1781, Kant, como professor, seguiu a filosofia então prevalecente na Alemanha, que era a forma modificada do racionalismo dogmático de Wolff com fundamento em Leibniz. Porém, as aparentes contradições que ele descobriu nas ciências físicas, e as conclusões a que Hume havia chegado na sua análise do princípio de causa, dizendo que a relação de causa e efeito é uma questão de hábito e não uma “verdade de razão” como supunha Leibniz, acordaram-no para a necessidade de revisão ou criticismo de toda experiência humana do conhecimento, com o propósito de permitir um grau de certeza para as ciências físicas, e também para o propósito de colocar sobre uma fundação sólida as verdades metafísicas que o ceticismo fenomenalista de Hume tinha destruído.
Kant achou que o velho racionalismo dogmático havia dado muita ênfase aos elementos a priori do conhecimento e que, por outro lado, a filosofia empírica de Hume tinha ido muito longe quando reduziu todo conhecimento a elementos empíricos ou a posteriori. Portanto, ele se propõe passar o conhecimento em revista em ordem a determinar quanto dele deve ser consignado aos fatores a priori ou estritamente racionais, e quanto aos fatores posterior resultantes da experiência. Ele mesmo afirmava que o negócio da filosofia é responder a três questões: O que eu sei? O que devo fazer? O que devo esperar? No entanto, as respostas para a segunda e terceira perguntas dependem da resposta para a primeira: nosso dever e nosso destino podem ser determinados somente depois de um profundo estudo do conhecimento humano.
Metafísica:
O problema fundamental de toda a metafísica é a questão “que é que existe?” E quanto a essa questão fundamental, as principais correntes que, no final do século XVIII Kant se propõe a conciliar, são o realismo, o seu oposto o idealismo, o racionalismo e seu oposto o empirismo.
O realismo sustenta que, no conhecimento humano, os objetos do conhecimento são intuídos, apreendidos e vistos como eles realmente são em sua existência fora e independente da mente. Então, conhecer uma coisa significa encontrar entre os conceitos possíveis aquele que está adequado a essa coisa (a essência). Se a isso acrescentamos os caracteres acidentais individuais da substância, então chegamos ao conhecimento pleno da realidade.
O idealismo, ao contrário, sustenta que as coisas existem conforme a mente pode construí-las; tudo que existe é conhecido para o homem nas dimensões que são mentais, como idéias ou através de idéias. O idealismo metafísico sustenta a idealidade da realidade, e o idealismo epistemológico sustenta que, no processo do conhecimento, os objetos da mente estão condicionados pela sua perceptibilidade.
O racionalismo tem a razão como suprema fonte e teste do conhecimento, sustentando que a realidade, ela mesma, tem uma estrutura lógica inerente; para o racionalismo existe uma classe de verdades que o intelecto pode intuir diretamente, além do alcance da percepção sensível.
Ao racionalismo opõe-se o empirismo, que sustenta que todo conhecimento vem, e precisa ser testado, pela experiência sensível.
Já se vê que essa última corrente, a do empirismo, tende a negar a Metafísica, porque esta trata das possibilidades de intuição, do conhecimento para além das coisas apreendidas pelos sentidos, para além da experiência, e testa se uma proposição à qual se chega assim, pelo raciocínio, pela razão, e que não expressa apenas a simples soma de dados da realidade concreta, pode ser verdadeira, e, neste caso, que princípios se pode tomar para verificar e garantir que tal proposição seja, de fato, verdadeira.
A filosofia de Kant vai tocar em todas essas correntes, como veremos abaixo. E para tentar compreendê-la vamos necessitar primeiro aclarar uma complicada nomenclatura que classifica as proposições, ou juízos; de outro modo não será possível compreender o pensamento do filósofo, porque o que ele faz de importante é precisamente renomear e reclassificar certos conceitos relativos às proposições metafísicas, mediante uma visão e uma teoria, inteiramente novas, do conhecimento.
Proposições ou juízos. Toda proposição ou juízo consiste num sujeito lógico do qual se diz algo, e um predicado, que é aquilo que se diz desse sujeito. Kant, como os filósofos aristotélicos, diferenciava modos de pensar –, ou seja, as proposições ou juízos – em analíticos e sintéticos.
Os juízos analíticos, são o resultado de se tomar parte do sujeito como predicado, sem referência imediata à experiência. Leibniz os chamou “Verdades de razão”; todos os juízos analíticos são a priori, porque a ligação, o nexo, neles, é percebido sem apelo à experiência.
Os juízos analíticos são sempre verdadeiros, visto que não dizem mais como predicado que aquilo que já está no sujeito mesmo, de tal forma que os juízos em questão consistem apenas em um processo de análise. Assim, nos juízos analíticos, dentro do conceito do sujeito tem que estar os seus próprios predicados. Uma proposição analítica é uma na qual o predicado está contido no sujeito como na afirmação: “A casa verde é casa”. São universais, porque o que dizem é independente de tempo e lugar, e são necessários porque não podem ser de outro modo; distinguem-se do conhecimento empírico pela universalidade e necessidade.. São, pois, como dito acima, a priori, “sem apelo à experiência”, razão pura, que não tem sua origem na experiência. Conforme o exemplo, uma casa é uma casa, mesmo que não exista nenhuma casa no mundo.
Kant usa indiferentemente o termo “a priori” e o termo “puro”. Razão pura é razão a priori; intuição pura é intuição a priori. Puro e a priori, ou independente da experiência, são expressões que ele utiliza como sinônimos. A verdade, neste tipo de proposição, é evidente, porque afirmar o inverso seria fazer a proposição contraditória. Tais proposições são chamadas analíticas porque a verdade é descoberta pela análise do próprio conceito.
A filosofia de Leibniz, que Kant conhece através de Christian Wolff, estava baseada no princípio supremo da não-contradição.
Os juízos sintéticos, diferentemente, são aqueles em que não se pode chegar à verdade por pura análise de suas proposições. Os juízos sintéticos, as proposições sintéticas, são resultado de se “juntar” (síntese) os fatos, ou dados, da experiência. Ainda de acordo com os aristotélicos, todos os juízos sintéticos são a posteriori, porque eles são dependentes da experiência.
As proposições ou juízos sintéticos unem o conceito expresso pelo predicado ao conceito do sujeito, e nos informam alguma coisa de novo. Na proposição “A casa é verde”, preciso ver a casa para confirmar que é, de fato, verde (No caso “A casa verde é verde”, um juízo analítico, eu não precisaria da experiência para saber que a casa é verde porque isto já está expresso no próprio sujeito “casa verde”). Os juízos sintéticos são feitos com fundamento na experiência, na percepção sensível. Nos juízos sintéticos, o conceito do predicado não está contido no conceito do sujeito. Como, por exemplo, quando dizemos que as ondas eletromagnéticas produzem em nós a sensação do calor e igualmente dilatam os corpos. Todas as proposições resultantes da experiência do mundo são sintéticas.
Leibniz e Hume. Esclarecida essa nomenclatura, precisamos tocar de leve o pensamento de Leibniz e Hume, os dois filósofos envolvidos na questão que Kant queria elucidar, que era a natureza da verdade científica, se ela podia ser garantida pela Metafísica como verdade de razão.
Leibniz deu à Metafísica um par de primeiros princípios que garantiriam os juízos analíticos que, como visto, são a priori, são “verdades de razão”, absolutamente incontestáveis. Leibniz os chamava o “princípio de contradição” e o “princípio de razão” ou “causa suficiente”.
Leibniz construiu esses princípios para estabelecer o que é possível e o que é impossível. Leibniz sustentava que esses princípios são sabidos se sustentarem, eles próprios, a priori (independas diferentes formas de juízo, na lógica formal da experiência) e Wolff, seu discípulo, até mesmo tentou fazer derivar o princípio de razão suficiente do princípio de não contradição.
Conquanto o princípio de não contradição seja de aceitação fácil, já o princípio de causa suficiente logo suscitou dúvidas, e principalmente a David Hume. Esse princípio estabelece que cada fato existente ou verdadeiro tem uma causa, uma razão que o constitui e impede as coisas de serem de outro modo. E Hume vem a contestar que uma proposição pudesse ser analítica, – a priori, absolutamente incontestável -, simplesmente por via de uma razão ou causa suficiente. Isto porque a relação de causa e efeito para ele representava experiência, hábito em ver causa e efeito em tudo o que acontece, e não seria “razão”, ligação inconteste entre um sujeito e um predicado como requerem as proposições analíticas.
Diz Hume “Quando observamos os objetos ao nosso redor, e consideramos a operação de causa, nunca podemos, em um único caso, descobrir qualquer poder ou conexão necessária; qualquer qualidade que ligue o efeito a causa, e torne uma a consequência infalível da outra. Nós apenas verificamos que uma, na verdade, de fato, segue-se à outra” (Enquiry, Section VII, Part I). A conexão é feita por um ato da mente “Quando dizemos, portanto, que um objeto está ligado a outro, queremos apenas dizer que ele adquiriu uma conexão em nosso pensamento, e isto parece fundado em evidencia suficiente” (Idem, Part II).
Então, segundo Hume, esse princípio da causa eficiente não podia dar proposições analíticas como deveriam ser os princípios metafísicos, quer dizer, não se podia inferir diretamente de um fato a sua causa, de modo a priori, com o uso exclusivo da razão, como nas proposições analíticas, nas quais o predicado já está contido no sujeito, – como no exemplo acima “A casa verde é casa”- , extraindo-a do próprio enunciado. Era preciso juntar, sintetizar fatos da experiência, o que transformava a proposição em sintética, em verdade a posteriori, o que quer dizer que ela incorporava outros fatos para formar o predicado, e então não podia ser um princípio metafísico, uma verdade validada pela razão. A proposição sintética por si não garante verdade.
Kant, professor de Metafísica, estava diante de um problema. Era evidente que as verdades da experiência não eram menos verdade só porque derivavam da experiência. Elas eram a posteriori a primeira vez, mas de algum modo se tornavam a priori no sentido de que, independentemente de novas experiências, a razão já lhes dava um tratamento a priori como verdades. Apesar de sintéticas, eram a priori, como se houvessem se tornado, de sintéticas, em analíticas. Por isso era necessário achar um modo para que tais proposições pudessem ser parte da metafísica.
Juízos sintéticos a priori. Ao mesmo tempo que os juízos sintéticos são tomados como base do conhecimento científico, o qual se baseia na observação, eles se tornam leis que pretendem ser verdadeiras todo o tempo, e universais. Portanto, tais juízos teriam que ser conhecimento sintético a priori, porque, uma vez suas leis estabelecidas pela observação, passam a ser universais e independentes da experiência. Efetivamente, Newton havia demonstrado, na Física, a possibilidade de reduzir a fórmulas matematicamente exatas as leis fundamentais da natureza. A ciência está, portanto, constituída por juízos a priori que são sintéticos, e não juízos analíticos.
Intuição sensível. A arrojada tese de Kant na “Crítica da Razão Pura” é que é possível fazer juízos sintéticos a priori. Essa posição filosófica é usualmente conhecida como transcendentalismo. Mas para isso ele introduz um conceito novo na metafísica: o de intuição sensível.
A intuição sensível é a condição para que o ato do conhecimento se faça segundo juízos sintéticos que são também a priori, apesar de obtidos fora da análise conceitual própria da razão pura, uma vez que resultam da intuição exercida sobre a observação e a experiência, e somente poderiam ser particulares e momentâneos. Mas, abrindo na razão esse comportamento da intuição sensível, Kant podia agora fazer importantes correções.
O que era preciso corrigir na metafísica: A metafísica vinha considerando intuição de racionalidade apenas a intuição de causa e efeito, de causa suficiente, para validar as verdades de razão, quando existiam outras formas de intuição que podiam garantir também verdades de razão. A correção indispensável é que era preciso admitir todas as formas de intuição racionais, não apenas a de relação de causa e efeito, mas também a de quantidade, a de qualidade, e a de modalidade, e por meio de todas elas, é claro, o espírito intuía verdades de razão.
Em geral, Kant acredita que a tarefa de mostrar como juízos sintéticos podem ser feitos a priori é a primeira tarefa da Metafísica. Ele sustentou que os grandes metafísicos do passado falharam em fazer isto. Intuição intelectual é uma ficção. Nenhuma inferência além da experiência, na intuição intelectual, se justifica. Análises de conceitos não irão produzir verdades além de puras tautologias, quando o que, de fato, conduz a um conhecimento novo são as verdades sintéticas, por via da intuição sensível.
O que era preciso corrigir em Leibniz: Leibniz corretamente construiu o princípio da “causa suficiente” como a priori, mas classificou-o erradamente como analítico. Se estava numa relação causal, o juízo era sintético, não podia ser analítico. Mas, ressalvado que era sintético, continuaria a ser a priori como queria Leibniz, pois o princípio de “causa suficiente” referia-se a uma forma de intuição e toda intuição é um conhecimento a priori.
O que era preciso corrigir em Hume: Hume corretamente construiu o juízo causal como sintético mas, incorretamente, concluiu que ele era por isso exclusivamente empírico, a posteriori, não correspondia a verdades de razão, como queria Leibniz (que o havia tomado erradamente como analítico). Ora, corrigido que o juízo causal não era analítico, como havia pretendido Leibniz, mas sintético, intuído da experiência, era também verdade de razão, era intuição, por isso gerava conhecimento a priori, necessário, do mesmo modo que os conhecimentos a priori intuídos das proposições analíticas.
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O espaço e o tempo. Revirando na mente a questão das intuições Kant foi descobrindo mais coisas. O espaço e o tempo eram duas formas fundamentais de sensibilidade, formas indispensáveis à intuição sensível. E disse o que chocaria muita gente não fosse dito por ele, Kant, que as proposições ou juízos matemáticos eram sintéticos, porque dependiam dessas formas fundamentais, e, no entanto, estava convencido de que eram verdades necessárias.
A solução de Kant então é essa, que o conhecimento sintético depende de formas de sensibilidade e intelecção previamente existentes na qual as impressões são colocadas. É porque possui o espaço como uma estrutura inerente à sua sensibilidade que o sujeito cognoscente pode perceber os objetos como relacionados espacialmente. Pode-se pensar o espaço sem coisas, mas não as coisas sem o espaço.
Para a geometria, o espaço puro é o primeiro suposto. A geometria supõe o espaço sob os seus conceitos de polígonos. Ex: “A linha reta é a distância mais curta entre dois pontos” (qualquer linha reta = universalidade; em quaisquer condições = necessidade). Embora não tenha em si o princípio de não contradição, e dependa da intuição de espaço e portanto é sintética, essa afirmação é conhecimento puro ou a priori porque a intuição do espaço está na mente. Uma vez concebida, não depende mais da experiência sensível. É verdade de razão, distinguindo-se do empírico pela universalidade e necessidade.
O que foi esquecido, contesta Kant (em um rodapé no Apêndice de seu livro “Prolegomena a qualquer futura Metafísica”), é que há um tipo de conhecimento a priori associado com os sentidos. Em particular, as verdades matemáticas são conhecidas porque espaço e tempo são “formas de intuição sensível”. Eles são pré-requisitos absolutos para a representação de objetos sensíveis; qualquer objeto da experiência precisa ser representado em espaço e tempo. A Geometria é a ciência do espaço e a aritmética a ciência do tempo, e suas proposições são verdades necessárias relativas aos objetos no espaço e no tempo. Em fim, nós raciocinamos sobre as condições de representação, e a intuição intelectual torna-se dispensável.
No entanto, fora do espaço e do tempo elas não são absolutamente necessárias. Para que fossem, seu oposto precisava implicar a contradição. Mas Kant reconhece a consistência de geometrias alternativas, que podem implicar proposições contrárias. Assim, uma proposição pode ser verdade em uma e falsa em outra (p. ex. a soma dos ângulos de um triângulo é 180 graus, o que é verdade na geometria euclidiana mas falsa nas geometrias não euclidianas).
De outro lado, Kant reconheceu o princípio da razão suficiente (para coisas no tempo: cada alteração de uma coisa tem uma causa) como uma verdade necessária. Kant alegou que os princípios da matemática são necessários enquanto forem condições da representação sensível. Podemos agora dizer que eles são sintéticos, quanto a que seu oposto não implica uma contradição. Princípios de “ciência natural pura” tal como o princípio causal acabado de ser mencionado, são também sintéticos e conhecidos a priori. Eles são condições para a coerência ou “unidade” da experiência. São necessários para que nós sejamos capazes de representar um mundo de objetos como pertencentes a uma única experiência.
O espaço é intuição pura, a priori. É um subposto que o homem coloca à sua experiência com os objetos, mas é absolutamente independente da experiência; não podemos ter experiência de nada senão no espaço. O espaço não deriva da experiência e também não é um conceito. O conceito compreende uma multiplicidade. O conceito de homem, por exemplo, é a unidade mental sintética daqueles caracteres que definem todos os homens. Ao contrário do conceito, a intuição toma conhecimento diretamente de uma individualidade: o espaço é único; é intuição pura.
Igualmente, é porque a representação do tempo lhes serve de fundamento que a simultaneidade ou sucessão das coisas podem ser percebidas; as coisas e os fatos não existem sem o tempo, mas o tempo existe sem as coisas. Também o tempo é a priori, ou seja, independente da experiência. Algo acontece porque no decurso do tempo esse algo vem a ser. Podemos conceber o tempo sem acontecimentos, mas não um acontecimento sem o tempo.
O tempo também não é conceito, porque não existem muitos tempos: o tempo, como o espaço, é intuição.
Em sua filosofia, Kant reformula o racionalismo, ao demonstrar que o conhecimento a priori, próprio da razão pura, pode originar-se também da experiência, e isto porque a experiência envolve elementos que são intuições puras, a priori, e estas são principalmente as intuições de espaço e tempo.
Dá um golpe mortal no realismo ao olhar o mundo material como fruto da intuição sensível. Os objetos do mundo material são fundamentalmente incognocíveis: do ponto de vista da razão eles servem meramente como a matéria prima da qual as sensações são formadas. Os objetos eles mesmos não tem existência, e o espaço e o tempo existem somente como partes da mente, como “intuições” pelas quais as percepções são medidas e julgadas.
Importância relativa entre espaço e tempo. O Espaço e tempo são “subpostos” como condições de conhecimento, condições que, partindo do sujeito, precisam realizar-se para que o objeto seja efetivamente objeto do conhecimento. Esses subpostos Kant chama “condições transcendentais da objetividade”. Espaço e tempo seriam, assim, duas condições sem as quais é impossível conhecer, mas são formas de sensibilidade, por isso Kant os trata na Estética Transcendental.
O espaço é a forma da experiência ou percepções externas; o tempo é a forma das vivências ou percepções internas. Porém, ao mesmo tempo que eu percebo a coisa sensível, tenho, além de sua percepção como coisa externa, a sua “apercepção” interna, dando-me conta de que a percebo. Por conseguinte, o tempo tem uma posição privilegiada em relação ao espaço, porque é forma da sensibilidade externa e interna, com referência a objetos exteriores e a acontecimentos interiores, abrangendo assim a totalidade das vivências possíveis.
Após elucidar exaustivamente essas intuições básicas, fundamentais, de espaço e tempo, aquilo que o sujeito põe para a cognoscibilidade das coisas, dos fenômenos, Kant busca elucidar também as leis efetivas que regem os fenômenos. As coisas tem seu ser, sua essência, sua natureza; existem e se relacionam segundo leis fixas de efeito e causa, ou ação e reação, e estas leis são universais.
Portanto, além das duas formas fundamentais da sensibilidade, espaço e tempo, existem outros elementos apriorísticos próprios do entendimento, da razão. Estes pertencem à lógica tradicional, desde Aristóteles (384- 322). Kant trata deles na “Analítica Transcendental”. Esses a priori da lógica Kant diz que correspondem, na verdade, às formas pelas quais a mente está limitada no seu conhecimento das coisas, ou seja, não pode conhecer nada senão desse modo.
Aquilo que a lógica dizia que a realidade tem que conter é o que, segundo Kant, nós temos capacidade para ver na realidade. A realidade mesma nós desconhecemos. A realidade é o noumenon, a coisa em si mesma. O que nós podemos conhecer dela, dentro de nossas formas possíveis de conhecimento, é o fenômeno.
Este conhecimento a respeito das coisas é a priori, não se constitui de impressões. Nenhuma coisa nos envia “a causa” como impressão. Extraímos o conhecimento de causa não do real, mas de nosso próprio pensamento. Fazemos um “juízo” a respeito da causa.
Algo é real quando é objeto possível de juízos, de afirmações ou de negações. Então não basta que revistamos de espaço e tempo a determinado algo para que seja real, mas é necessário que possamos fazer dele juízos, dizer que “é” isto ou “é” aquilo.
Se a realidade se apresenta nos juízos, então às diferentes formas dos juízos corresponderão diferentes variedades em que se pode apresentar a realidade. O homem formou, assim, um conjunto de juízos ou teses, que expressam aquilo que as coisas reais são.
As diferentes formas de juízo, na lógica formal, são: juízos de quantidade, de qualidade, de relação e de modalidade. À aquelas diferentes variedades em que se pode apresentar a realidade em correspondência aos juízos Kant chama “categorias”. Como o espaço e o tempo são as condições da possibilidade dos juízos sintéticos a priori na matemática, as categorias são as condições da possibilidade dos juízos sintéticos a priori na Física. São categorias de sintetização dos dados da experiência, são também formas de intuição. Ele dividiu as categorias em quatro grupos: aqueles referentes aos juízos lógicos, segundo a quantidade, qualidade, relação e modalidade:
Quantidade: juízos singulares, particulares e universais – são juízos individuais: João é espanhol; alguns homens são brancos; universais: todo homem é mortal. Desta maneira, quanto à quantidade, os juízos individuais (Este A é B) que afirmam de uma coisa única, contêm no seu seio a unidade; os juízos particulares (Alguns A são B), que afirmam de várias coisas algo, contêm implícita a pluralidade; os juízos universais (Todo A é B) contêm a totalidade. De modo que as três formas de juízos, segundo a quantidade, dão lugar a estas três categorias: unidade, pluralidade e totalidade.
Qualidade: juízos afirmativos, negativos e infinitos – são juízos afirmativos: João é espanhol; negativos: o átomo não é simples; infinitos: os pássaros não são mamíferos (podem ser infinitas coisas). Do ponto de vista da qualidade, os juízos são: afirmativos (A é B), negativos (Entre B e C, A não é B), e infinitos (A não é B). Deles Kant extrai as três categorias de essência (que ele chama realidade), de negação e de limitação (o juízo infinito contem limitações, diz aquilo que algo não é, mas deixa aberto um campo infinito para o que possa ser). As categorias desse grupo são as de essência, negação e limitação
Relação: juízos categóricos, hipotéticos e disjuntivos – são juízos categóricos: o ar é pesado; hipotético: se João é espanhol, então é europeu; disjuntivo: Antônio é espanhol, ou português, ou italiano. Assim, os juízos segundo a relação são categóricos (A é B), hipotéticos (Se A é B, é também C) e disjuntivos (A é B, ou C, ou D). Resultam as três categorias seguintes: dos juízos categóricos (A é B), a categoria de substância com o seu complemento natural de “propriedade’ porque quando afirmo categoricamente que uma coisa “é isto”, considero esta coisa como uma substância; “é isto” que dela afirmo como uma propriedade dessa substância. Dos juízos hipotéticos resultam a categoria de causalidade (de causa e efeito), porque, quando formulamos um juízo como “Se A é B, é também C”, já assentamos o esquema lógico da causalidade (Se faz calor, se dilatam os corpos). Dos juízos disjuntivos extrai Kant a categoria de ação recíproca. Neste grupo estão as categorias de propriedade, causalidade, e ação recíproca.
Modalidade: juízos problemáticos, assertórios e apoditicos – são juízos problemáticos: A pode ser B; assertórios: A é B (mas não haveria contradição se A fosse C como “O calor dilata os corpos”, pois é assim, mas poderia ser diferente; apodíticos: A é necessariamente B como a soma dos ângulos de um triângulo tem que ser dois retos”. Desta quarta maneira de dividir os juízos procedem então as seguintes categorias: dos juízos problemáticos (A pode ser B) Kant extrai a categoria de possibilidade; dos juízos assertórios (A é efetivamente B), faz derivar a categoria de existência; dos juízos apodíticos (A tem que ser B), tira a categoria de necessidade. Aqui são as categorias de possibilidade, existência e necessidade. Temos então completa a tabela das categorias. São doze as categorias de Kant.
Se tudo aquilo que há na ciência, se todas as condições do conhecimento tivessem que nos ser proporcionadas pelas impressões sensíveis que as coisas nos enviam, então Hume teria razão: esperaríamos que o sol saísse amanhã pelo simples costume de tê-lo visto sair até agora, mas não por um fundamento real. Não teríamos intuição de nenhuma ilação, nenhuma vinculação entre as impressões.
Tudo aquilo que as categorias nos dizem (que os objetos são únicos, múltiplos, que podem agrupar-se em totalidades, que os objetos são substâncias com propriedades, causas com efeitos, efeitos com causas, que têm entre si ações e reações) todas essas categorias são condições sem as quais não haveria conhecimento. É nossa possibilidade de raciocínio lógico conforme a essas formas categóricas a priori que procedem de nós que possibilita para nós o conhecimento e a certeza. As condições do conhecimento, as categorias, são, por conseguinte, conceitos puros, a priori, que o sujeito cognoscente dá ao objeto.
Fenômeno. Falamos de coisas extensas no espaço e sucessivas no tempo: o espaço e o tempo não são propriedades absolutas das coisas; o observador as coloca nas coisas como ele as conhece. Resulta que não tem sentido, então, falar de conhecer as coisas “em si mesmas”. Kant chama “fenômenos” às coisas providas das formas de espaço e tempo, vistas na correlação objeto-sujeito, por via da intuição de tempo e espaço.
A sua posição ou concepção do processo de conhecimento Kant chama “estética transcendental”. A palavra estética não tem no caso o sentido de teoria do belo, mas sim o seu sentido etimológico que é sensação, percepção. A palavra transcendental é usada por Kant no sentido de condição para que algo seja objeto do conhecimento.
Kant recusou ser idealista e a associação de sua filosofia com a de George Berkeley. É importante apontar aqui qual parece ser a diferença. No “Prolegomena a qualquer futura Metafísica” Kant argumenta que todos aceitavam o ponto de vista antigo de que cores, sons, etc., eram qualidades que não estão nos corpos, mas são apenas os modos como os representamos através dos sentidos. Se essa consideração com respeito a qualidades secundárias não impugna a existência dos corpos, porque deveria faze-lo um tratamento semelhante das qualidades primárias? Em outras palavras, mesmo que também as qualidades primárias sejam irreais com respeito aos corpos, os corpos existem. Realmente, Kant nunca negou a existência dos corpos, como Berkeley. Apenas nega que eles tenham, neles mesmos, à parte de toda representação humana, propriedades espaciais e temporais.
Berkeley nega que fique alguma coisa, se tiramos do objeto todas as suas qualidades, tanto as primárias como as secundárias, considerando-as produto de nossos sentidos. Para Berkeley, se também as qualidades primárias dependem da mente, então não podemos atribuir aos corpos mesmos a atividade de causar sensações em nós. Então, para Berkeley, é Deus que causa em nós as impressões.
Mas Kant sustenta que algum material é causa da intuição sensível. Acredita inteiramente que os corpos existem sem nós, ou seja, existem coisas as quais, apesar de inteiramente desconhecidas para nós quanto ao que sejam em si mesmas, sabemos, no entanto, que existem, pela representação que sua influencia em nossa sensibilidade obtêm em nós, e às quais chamamos corpos (“Prolegomena”, Primeira Parte, II).
Porque “revolução copernicana”. Com este trabalho Kant orgulhosamente afirmou que ele havia conseguido realizar a revolução copernicana na filosofia. Como já referido, Kant disse que, assim como o fundador da astronomia moderna, Nicolau Copérnico, havia explicado o movimento aparente das estrelas, por vinculá-lo parcialmente ao movimento do observador, assim ele tinha percebido as aplicações dos princípios a priori da mente aos objetos, pela demonstração de que os objetos se conformam à mente: no conhecimento não é a mente que se conforma às coisas, mas as coisas que se conformam à mente.
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As almas, o universo e Deus. A mais séria questão “que é que existe?”, problema fundamental de toda a metafísica, é com respeito ao próprio espírito, ao universo e Deus; se as almas e Deus existem, e o que podemos nós saber do universo.
A Psicologia racional. A disciplina metafísica que tem como objeto a alma e sua imortalidade é a Psicologia racional. Kant diz que essa disciplina repousa, desde Descartes, na proposição “eu penso”, cuja verdade é incontestável. Não se pode, contudo, tirar dela a consequência de que o eu exista como um “objeto real” como uma coisa, uma substância, uma figura. Isto apenas seria possível se passasse pelo crivo das categorias, ou modo de conhecimento do real. O tempo é, juntamente com o espaço, a primeira das condições de todo conhecimento possível. Em outras palavras, não há coisa alguma no espaço e no tempo que possa ser considerado alma, não havendo, portanto, nenhuma intuição sensível, e esta é uma das condições fundamentais do conhecimento das coisas.
Conclusão: a experiência que temos de ser (experiência que se realiza enquanto pensamos), é de fato uma experiência sui generis. Se quisermos “imaginar” a alma, podemos perfeitamente imaginá-la, pensá-la, dentro da intuição de espaço e tempo, como uma coisa, e então verificamos que desse modo a alma não existe. Então temos a experiência de ser (ao modo de Descartes), sem poder fazer idéia do que somos (ao modo de Kant).
Cosmologia racional. A parte da metafísica que se ocupa da totalidade do universo é a Cosmologia racional.
O que se aplica às almas, aplica-se também à idéia do universo. As intuições e as categorias podem ser aplicadas para fazer julgamentos acerca de experiências e percepções, mas não podem, de acordo com Kant, ser aplicadas a idéias abstratas, – e universo é uma idéia abstrata, – sem levar a inconsistências sob forma de pares de proposições contraditórias, impasses que ele chama “antinomias”, raciocínios sem saída, inconclusivos.
A primeira antinomia é aquela que tem a tese: “O universo tem um princípio no tempo e limites no espaço”. Antítese: “O universo é infinito no tempo e no espaço”. A razão tanto pode concluir que “o universo tem um princípio no tempo e limites no espaço, quanto pode afirmar exatamente o contrário: o universo é infinito no tempo e no espaço.” A razão pede que tudo que existe tenha um começo. Mas, se o universo teve um começo no tempo, o que existia antes dele, obviamente também faz parte do universo, porque o universo é a totalidade das coisas.
Na segunda antinomia, a tese diz: “Tudo quanto existe no universo está composto de elementos simples, indivisíveis”. A antítese diz: “Aquilo que existe no universo não está composto de elementos simples, mas de elementos infinitamente divisíveis”.
A terceira antinomia refere-se a uma primeira causa do universo. Afirma, como tese: “O universo deve ter tido uma causa que não foi por sua vez causada”. Sua antítese é: “O universo não pode ter tido uma causa que por sua vez não tenha sido causada”
A quarta e última antinomia refere-se à existência ou não existência de um ser necessário, dentro ou fora do universo, e diz, na tese: “Nem no universo nem fora dele pode haver um ser necessário”; sua antítese: “No universo ou fora dele há de haver um ser que seja necessário”.
Os erros das antinomias. As teses e antíteses são igualmente plausíveis aos olhos da pura razão, mas não quanto às leis do conhecimento. Nas duas primeiras antinomias, que Kant chama matemáticas, o erro consiste em que o tempo e o espaço foram tomados como coisas em si mesmas, e isto é contrário às leis e condições do conhecimento. O espaço e o tempo não são coisas em si mesmas, independentes do ato de conhecer.
Nas duas últimas antinomias, a solução para Kant é a contrária. As teses e as antíteses são tomadas conforme as leis do conhecimento. Quanto às teses, as leis do conhecimento de fato pedem que, para todo ser, para toda realidade, exista uma causa determinante e esta, por sua vez, tenha uma causa; as teses são válidas no mundo dos fenômenos. Quanto às antíteses, as antíteses seriam válidas no mundo dos noumenos. Suponhamos que exista uma via para se chegar às coisas metafísicas que não seja aquela do conhecimento científico: então elas seriam válidas. As teses são válidas para a ciência físico-matemática, e as antíteses seriam válidas para uma atividade não cognoscitiva que nos pudesse conduzir às realidades metafísicas.
Teologia racional. Em sua crítica à teologia racional, Kant analisa as provas da existência de Deus mais conhecidas. Estas são o argumento ontológico; o argumento cosmológico – que vem da Antiguidade –, e o argumento físico-teleológico.
O argumento ontológico, encontrado em Santo Anselmo (1033-1109) e em Descartes, afirma que o homem tem idéia de um ser perfeito, que necessariamente deve existir porque se não existisse não seria perfeito. “Eu tenho a idéia de um ser, de um ente perfeito; este ente perfeito tem que existir, porque se não existisse, faltar-lhe-ia a perfeição da existência e não seria perfeito”. Kant mostra que a “existência” é uma das categorias a priori do conhecimento. A existência é uma categoria aplicável às percepções sensíveis e portanto só é valida quando aplicada a objetos do conhecimento: o que é conhecido primeiro existe, a coisa é conhecida como existente, e não o contrário, isto é, existe porque imaginado. Aplicar as categorias de existência, de substância, de causa, é o ato pelo qual estabelecemos os objetos a conhecer, os fenômenos. Não é suficiente ter a idéia de algo, há de se ter a percepção sensível correspondente, tê-la ou poder tê-la, e é isso justamente o que falta à idéia de Deus, a coisa à qual se aplique a categoria da existência.
O argumento cosmológico consiste na enumeração de causas dos fenômenos até se chegar a uma causa não causada, que seria Deus. Kant contra argumenta que não há motivo algum para se cessar a aplicação da categoria de causalidade. O argumento cosmológico é inaceitável porque consiste em ir enumerando séries de causas até deter-se, sem motivo algum, em uma causa “incausada”.
O argumento físico-teleológico é de que todos os seres da natureza cumprem algum fim, servem para alguma coisa, logo deve haver um “fim último”: Deus. O argumento físico-teleológico é o argumento da finalidade: só uma inteligência criadora poderia ter adequado as coisas à realização de certas finalidades. Kant diz que a teleologia é um método empregado para descrever a realidade, e de que de um simples método de organizar o conhecimento não se pode extrair qualquer outra consequência. Argumenta que, do conceito de fins, não podemos tirar nenhuma outra consequência senão que tal ou qual forma é adequada a um fim.
Mas Deus deve existir. Kant afirma que deve haver um mundo no qual a virtude traz seguramente a felicidade. “A existência de Deus…é necessária enquanto afirma um ser cuja vontade e cujo intelecto criam um mundo no qual não há abismo algum entre o real e o ideal, entre o que é e o que deve ser”.
Há pois um abismo entre a consciência moral, que tem exigências ideais, e a realidade fenomênica, a qual cega para essas exigências ideais, segue seu curso natural de causas e efeitos, sem se preocupar em nada com a realização desses valores morais. Portanto, é absolutamente necessário que, após este mundo, num lugar metafísico além da presente realidade, esteja realizada esta plena conformidade entre aquilo que é no sentido de realidade e aquilo que deve ser no sentido da consciência moral.
Esse acordo entre aquilo que é e aquilo que deve ser, que não se dá na nossa vida fenomênica, porque nela predomina a causalidade física e natural, é um postulado que exige uma unidade sintética superior. A unidade sintetizadora desse “ser” com o “dever ser”, representando a união do mais real que pode haver com o mais ideal que pode existir, Kant chama Deus.
A Razão prática tem a primazia sobre a razão pura, no sentido de que a razão prática, a consciência moral, pode lograr aquilo que a razão teórica não logra, conduzindo-nos às verdades da metafísica.
A razão teórica está, de certo modo, ao serviço da razão prática, porque a razão teórica não tem por função mais que o conhecimento deste mundo real, subordinado, dos fenômenos, que é como um trânsito ou passagem ao mundo essencial das coisas em si mesmas que são Deus, o reino das almas livres e as vontades puras.
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Ética
O que Kant chama “razão prática” não se trata da razão encaminhada a determinar a essência das coisas, aquilo que as coisas são, mas da razão aplicada à ação, à prática, à moral. “Fundamentos da Metafísica dos Costumes” (1785) e a “Crítica da Razão Prática” (1788), são suas obras mais importantes nesse terreno.
A “Crítica da Razão Prática” não fala de uma intuição sensível, de formas de sensibilidade, nem tem, – na terminologia de Kant, – uma “Estética Transcendental”, porque, enquanto as funções de conhecimento têm como fundamento a sensibilidade espaço-temporal, a faculdade prática e a atividade moral opõem-se a toda determinação sensível. O tempo é uma forma aplicável a fenômenos, aplicável a objetos a conhecer. A alma humana, a consciência humana moral, a vontade livre, são alheias ao espaço e ao tempo. O elemento sensível no comportamento moral não pode ser pressuposto mas, ao contrário, deve ser deduzido da racionalidade pura.
Dever racional: Na “Metafísica da Ética” (1797) Kant descreveu seu sistema ético, o qual está baseado em uma crença de que a razão é a autoridade final para a moralidade. A moral não poderia ter fundamento em observação dos costumes, ou em qualquer fórmula empírica. Não sendo conhecimento, despida, portanto, de tudo que seja empírico, “a moral é concebida como independente de todos os impulsos e tendências naturais ou sensíveis”… a moral “seria estabelecida pela razão” como reguladora da ação. Ações de qualquer tipo, ele acreditava, precisam partir de um sentido de dever ditado pela razão, e nenhuma ação realizada por interesse ou somente por obediência a lei ou costume pode ser considerada como moral.
Mandamentos. Kant descreveu duas classes de mandamentos dados pela razão. Todo ato, no momento de iniciar-se aparece à consciência moral sob a forma de uma dessas duas classes, ou de um desses dois tipos, de mandamentos que ele chama “imperativos hipotéticos” e “imperativos categóricos”. Ele distingue os imperativos categóricos dos imperativos hipotéticos do seguinte modo. O imperativo hipotético dita um dado curso de ação para se chegar a um fim específico; o imperativo categórico dita o curso da ação que precisa ser seguida devido a sua correção e necessidade.
Imperativo hipotético. Os imperativos hipotéticos estão subordinados a uma condição: correspondem a ações como meio de evitar tal ou qual castigo, ou para obter tal ou qual recompensa. Enunciam um mandamento subordinado a determinadas condições (se queres sarar, toma o remédio), enquanto o imperativo categórico é inteiramente desvinculado de qualquer condição.
Imperativo categórico. Como é formulado o imperativo categórico? O imperativo categórico é a base da moralidade e foi colocado por Kant nessas palavras: “Aja como se a máxima de sua ação fosse para tornar-se pela sua vontade uma lei natural geral” o que é o mesmo que: “Age de tal maneira que o motivo que te levou a agir possa ser convertido em lei universal” ou ainda “Age de maneira que possas querer que o motivo que te levou a agir seja uma lei universal”.
Com respeito aos juízos morais, as coisas não são nem boas nem más, são indiferentes ao bem e ao mal. Os qualificativos morais não correspondem, igualmente, àquilo que o homem faz efetivamente, mas sim, estritamente, àquilo que ele quer fazer. Esta postulação com respeito aos juízos morais conduz à conclusão de que a única coisa que verdadeiramente pode ser boa ou má é a vontade humana.
É importante aqui a noção de uma vontade santa a que se refere Kant. Para uma vontade desse tipo não haveria distinção entre razão e inclinação. Um ser possuído de uma vontade santa sempre agiria da forma que devia agir. Não teria, no entanto, o conceito de dever e de obrigação moral, os quais somente entram quando a razão e o desejo se encontram em oposição. Então a vida moral é uma luta contínua na qual a moralidade aparece para o delinquente potencial na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma, uma lei cujos comandos não são lançados por uma autoridade alheia mas representa a voz da razão, que o sujeito moral pode reconhecer como sua própria.
Então, para que cumpra integralmente a lei moral, é preciso que o domínio da vontade livre sobre a vontade psicológica determinada seja cada vez mais íntegro e completo. Kant chama santo a um homem que dominou por completo, aqui, na experiência, toda determinação moral oriunda dos fenômenos concretos, físicos, fisiológicos, psicológicos, para sujeita-la à lei moral.
Liberdade: A condição preliminar para que seja possível apenas a razão determinar a ação é a liberdade, o que leva a conceber a liberdade como postulado necessário da vida moral, ou seja, o seu a priori. O eu se põe como sujeito cognoscente, ao qual está afeto o processo do conhecimento, e esse mesmo eu é também consciência moral e refere-se a si mesmo, não como sujeito cognoscente, mas como eu ativo, que tem vontade, como “agente”. A vida moral somente é possível, para Kant, na medida em que a razão estabeleça, por si só, aquilo que se deva obedecer no terreno da conduta.
As idéias éticas de Kant são um resultado lógico de sua crença na liberdade fundamental do indivíduo como afirmada na sua “Crítica da Razão Prática” (1788). Esta liberdade ele não olhava como a liberdade sem leis da anarquia, mas mais como a liberdade de autogoverno, a liberdade para obedecer conscientemente as leis do universo como reveladas pela razão.
A vontade é autônoma quando dá a si mesma sua própria lei; é heterônoma se recebe passivamente a lei. Se a vontade é autônoma, isto implica no postulado da liberdade da vontade. Como poderia ser a vontade meritória, boa ou má, se estivesse sujeita à lei de causas e efeitos, à determinação natural dos fenômenos?
De outra parte, Kant concebe a liberdade da vontade de duas maneiras. Considerada como um fenômeno que se efetua no mundo sensível dos fenômenos, onde cada uma de nossas ações tem suas causas e está integralmente determinada (Vontade psicológica) a vontade não é absolutamente livre. No mundo inteligível manifesta-se a vontade livre, que não está sob aspectos de causa, de determinação, mas sob o aspecto do dever. Visa a prática do bem. Este é o efeito possível da liberdade, do ponto de vista moral, segundo Kant.
Kant faz distinção entre as máximas e as leis morais. As primeiras, as máximas, seriam subjetivas, contendo uma condição considerada pelo sujeito como válida somente para sua vontade, condição de alcançar sua felicidade pessoal, e portanto sua vontade está condicionada. As leis morais, ao contrário, seriam objetivas, contendo uma condição válida para a vontade de qualquer ser racional. Ambas derivam puramente da razão, mas apenas a vontade determinada apenas pela forma da lei e, por consequência independente de todo estímulo empírico é livre.
Imortalidade. O primeiro postulado com que Kant inaugura sua metafísica, extraindo-a da ética, é esse postulado da liberdade. O segundo é o da imortalidade. De onde deduz a imortalidade?
Se a vontade humana é livre, existe um mundo inteligível, não sujeito às formas de espaço, ao tempo nem às categorias. Se nosso eu, como pessoa moral, não está sujeito a espaço, tempo e categorias, não tem sentido para ele falar de uma vida mais ou menos longa, mais ou menos curta. O limite de tempo deixa de interessar.
Essa conclusão simples pela imortalidade vai abrir caminho para o fundamento da moral. Pois, que motivo teria alguém para seguir uma lei moral? A resposta só pode ser encontrada admitindo-se a primazia da razão prática, mediante a fé moral na imortalidade da alma e a existência de Deus, que ressurgem, assim, no sistema kantiano, como postulados da “razão pura prática”. A fé moral na imortalidade da alma é necessária para que se conceba uma vida supra-sensível na qual a virtude possa receber seu prêmio.
Prêmio? Neste ponto existe um impasse, uma antinomia: por uma lado o desejo de felicidade deve ser a causa motora para a máxima da virtude (“sede virtuosos para que possais alcançar a felicidade”) mas isto é contrário à pureza exigida pela lei moral (que não admite qualquer interesse); por outro lado, a virtude deveria ser garantia de felicidade, o que, neste mundo, não acontece. Então não haveria motivo algum para a moralidade. Teria que ser um gosto por obedecer a lei em si mesma, sem qualquer proveito. Poder-se-ia dizer que o respeito pela lei não é apenas um motor da vontade, mas a própria moralidade, considerada subjetivamente como motivo.
Kant faz distinção entre o bem e o agradável. O bem independe de todo conteúdo empírico. O bem é função da lei moral, não deve, pois, ser determinado antes da lei moral, mas só depois dela e mediante ela.
Política
Utopia: Em seu tratado “Paz perpétua” (1795) Kant advogava o estabelecimento de uma federação mundial de estados republicanos. Acreditava que a felicidade de cada indivíduo deveria ser, com propriedade, olhada como um fim em si mesma e que o mundo progredia na direção de uma sociedade ideal na qual a razão haveria de “levar cada legislador a fazer suas leis de tal modo que elas poderiam ter emergido da vontade unida do povo inteiro, e olhar cada assunto, tanto quanto ele quisesse ser um cidadão, na base de se ele estava de acordo com essa vontade”.
6
A Estética é reconhecida como uma disciplina dentro da filosofia. O termo foi usado por Baumgartem em “Reflexões sobre a Poesia” (1735) e de então tornou-se parte permanente do vocabulário filosófico.
Além de conhecer, e da liberdade de agir conforme o bem ou o mal, Kant reconhece ainda no homem a faculdade de julgar. Ele indaga se essa faculdade também possui princípios a priori, ou seja, formas universais e necessárias de subordinação do mundo natural à razão ou espírito humano. Constituem a faculdade de julgar dois tipos de juízos: o determinante e o reflexionante.
O sentimento de prazer e desprazer constitui a fonte do juízo reflexionante, que concilia a faculdade de conhecer com a faculdade de desejar, na medida em que subordina um conteúdo representativo (algo conhecido) a um fim desejado. Os juízos reflexionantes são de dois tipos: os estéticos e os teleológicos.
A “Crítica do juízo” (1790) Kant dividiu-a em duas partes: A “Crítica do juízo estético” e a “Crítica do juízo teleológico”. Nessa obra, considerada um de seus trabalhos mais originais e instrutivos, ele analisa, na primeira parte, uma teoria do belo, compreendendo a faculdade de julgar a finalidade formal, que chama também finalidade subjetiva, por meio do sentimento de prazer ou desprazer, e na segunda, a aparência de finalidade na natureza, a faculdade de julgar a finalidade real, objetiva, da natureza mediante o intelecto e a razão. Na primeira parte, após uma introdução em que discute “finalidade lógica”, ele analisa os juízos que atribuem beleza a alguma coisa.
O juízo estético tem por objeto o sentimento do belo e do sublime. Nos juízos estéticos, o objeto é relacionado com um fim subjetivo, ou seja, com o sentimento de eficácia sentido pelo homem diante desse objeto.
O belo. Do agradável e do útil Kant diz que tem como condição “uma correspondência entre o objeto e um interesse meramente individual e contingente, ou puramente racional. Ao contrário, no sentimento do belo, não ocorre esse tipo de condicionamento. O que importa no sentimento do belo é apenas a forma da representação, na qual se realiza a plena harmonia entre as funções cognoscitiva, sensível e intelectual.
A explicação está no fato de que, quando uma pessoa contempla um objeto e o acha belo, há uma certa harmonia entre sua imaginação e seu entendimento, do qual ela fica consciente devido ao imediato deleite que ela tem no objeto.
Segundo Kant, a harmonia entre as funções cognoscitiva, sensível e intelectual é inteiramente independente do conteúdo empírico da representação e dos condicionamentos individuais, e portanto o sentimento do belo resultante é apriorístico e, como tal, fundamenta a validez universal e necessária dos juízos estéticos.
Tais juízos, de acordo com ele, diferentemente de mera expressão de gosto, pretendem uma validade geral, mas não podem nem por isso ser considerados cognitivos porque fundam-se na sensibilidade, não sobre argumentos. A imaginação se apodera do objeto e no entanto não está restrita a nenhum conceito definido; ao mesmo tempo a pessoa pode imputar o deleite que sente também aos outros porque ele salta do jogo livre de suas faculdades cognitivas, que são as mesma em todos os homens. Por isso Kant estava particularmente preocupado com a exigência que as pessoas fazem pela universalidade do juízo do belo para explicar e sustentar o alto prestígio da artes. É uma exigência comparável à que é feita pela moralidade que, sem essa exigência de universalidade, parece que estaria ameaçada de desintegração.
O sublime. Como sublime Kant entende “um estado subjetivo determinado por um objeto cuja infinidade se alcança com o pensamento, mas não se pode captar pela intuição sensível. “O sublime, tanto quanto o belo, é fonte de sentimento de prazer e é universal”.
Juízos teleológicos. Nos juízos teleológicos, o objeto é considerado segundo as exigências da razão, como correspondendo a uma finalidade objetiva (se serve para isto ou aquilo); adaptando-se aquelas exigências, suscita um sentimento de prazer. Na segunda parte da sua “Crítica do Juízo”, Kant voltou a considerar a finalidade na natureza como ela é colocada pela existência nos corpos orgânicos de coisas das quais as partes são reciprocamente meios e fins umas para as outras. Ao tratar com esses corpos, alguém não pode contentar-se meramente com princípios mecânicos.
No entanto, se o mecanismo é abandonado e a noção de finalidade ou fim da natureza é tomado literalmente, isto parece implicar que as coisas às quais se aplica precisam ser o trabalho de um arquiteto sobrenatural, mas isto significariam uma passagem do sensível para o supra-sensível, um passo que na sua primeira “Crítica” ele considerou ser impossível.
Kant responde a essa objeção admitindo que a linguagem teleológica não pode ser evitada na descrição dos fenômenos naturais mas ela precisa ser entendida como significando apenas que os organismos precisam ser considerados “como se” eles tivessem sido o produto de um projeto, de um designe, o que de modo algum é a mesma coisa que dizer que eles foram assim deliberadamente produzidos.
Obras
É comum distinguirem-se dois períodos da atividade literária de Kant. O primeiro, o período pré-crítico, se estende de 1747 a 1781, a data do marco Kritik der reinen Vernunft; o segundo, o período crítico, se estende de 1781 a 1784.
O Período Pré-crítico. O primeiro livro de Kant, publicado em 1747, intitulava-se Gedanken von der wahren Schatzung der lebendigen Kräfte (Pensamentos sobre a verdadeira avaliação das forças vivas). Em 1775 ele publicou sua dissertação de doutorado, De Igne (Sobre o fogo), e o trabalho Principiorum Primorum Cognitionis Metaphysicae Nova Dilucidatio (Nova explanação sobre os primeiros princípios do conhecimento metafísico), com o qual ele qualificou-se para a posição de “Privatdozent“. Além desses, nos quais ele expôs e defendeu a filosofia corrente de Wolff, discípulo de Leibniz, ele publicou outros tratados nos quais ele aplicou aquela filosofia a problemas de matemática e física. Em 1770 apareceu o trabalho De Mundi Sensibilis adque Intelligibilis Formis et Principiis (sobre as formas e princípios do Mundo sensível e inteligível) no qual ele mostra pela primeira vez uma tendência a adotar um sistema independente de filosofia. Os anos de 1770 a 1780 foram gastos, como o próprio Kant nos diz, na preparação do “Crítica da Razão Pura”.
Período Crítico. Neste período entre a nomeação e sua aposentadoria pouco antes de sua morte, – geralmente chamado seu período das críticas, porque foi quando escreveu suas duas grandes críticas, – ele publicou uma surpreendente série de trabalhos originais sobre uma grande variedade de tópicos, nos quais ele elaborou e ampliou sua filosofia.
Apesar de ter escrito sobre inúmeros tópicos, filosóficos ou não, a fama de Kant repousa grandemente com seu tratamento da metafísica em seu monumental Kritik der reinen Vernunft (Crítica da Razão Pura), sobre o conhecimento, o qual aparece em 1781, quando contava 57 anos. Uma segunda edição foi publicada em 1787. A “Crítica da Razão Pura” foi o resultado de 10 anos de pensamento e meditação. Ainda assim, no entanto, Kant publicou a 1a. edição bastante relutantemente, após muitos adiamentos, porque ainda que convencido da verdade da sua doutrina, ele estava inseguro sobre a forma da exposição.
Em 1785 apareceu o Grundlegung zur Metaphysik der Sitten (Fundamentos para a Metafísica da Ética). Então veio uma sucessão de trabalhos críticos, o mais importante dos quais são Kritik der praktischen Vernunft (Crítica da Razão Prática), sobre a moral; Kritik der Urtheilskraft (Crítica do Juízo), sobre a estética, 1790, e Religion innerhalb der Grenzen der blossen Vernunft (A religião dentro dos limites da simples razão), 1793.
Outras obras: Além de seus trabalho em filosofia, Kant escreveu alguns tratados em vários assuntos científicos, muitos no campo da geografia física. Seu trabalho científico mais importante foi uma “História Natural Geral e Teoria dos Céus” (1755), no qual ele postula a hipótese da formação do universo a partir do giro de uma nébula, uma hipótese que depois foi desenvolvida independentemente por Pierre de la Place.
Estilo literário. Seu estilo copiava muito o dos manuais que ele era obrigado a seguir em suas aulas, por força dos regulamentos universitários, e esses textos, no caso os de Wolff e Baumgartem, eram massantes, cheios de jargão técnico, divisões artificiais e esquemáticas com grandes pretensões de serem completos. Seguindo tais modelos, o estilo de Kant tornou-se também artificial, rígido e de difícil leitura. Veio depois a lamentar que seus interpretes e críticos de seus trabalhos o estivessem interpretando mal.
Influências
Immanuel Kant foi o mais eminente pensador do Iluminismo e um dos grandes filósofos de todos os tempos. Em sua filosofia se somaram os novos rumos que haviam começado com o Racionalismo de René Descartes, que vai até Leibniz, e o Empirismo, de Francis Bacon, que vai até Hume. Ele iniciou uma nova era no desenvolvimento do pensamento filosófico. Seu trabalho abrangente e sistemático em teoria do conhecimento, ética e estética influenciou toda a filosofia subsequente, especialmente as várias escolas alemãs do Kantismo e Idealismo.
Kant e o Marxismo: Kant teve uma influencia maior que a de qualquer outro filósofo dos tempos modernos. A filosofia de Kant, particularmente como desenvolvida pelo filósofo alemão G.W.F. Hegel, foi a base na qual a estrutura do Marxismo foi construída: o método dialético, usado por ambos Hegel e Karl Marx, foi uma expansão do método de raciocínio por “antinomias” que Kant usou.
Outras influências: O filósofo alemão Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), aluno de Kant, rejeitou a divisão do mundo em partes objetiva e subjetiva do seu mestre e desenvolveu uma filosofia idealista que também teve grande influência nos socialistas do século XIX. Um dos sucessores de Kant na Universidade de Königsberg, J. F. Herbart, incorporou algumas das idéias de Kant no seu sistema de pedagogia.
Com sua teoria do conhecimento, Kant encerra um período que tinha começado com Descartes e abre um novo período para a filosofia, que é o período do desenvolvimento do Idealismo Transcendental, nome com que ficou conhecida sua filosofia.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 02-06-1997.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Immanuel Kant. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 1997.