Hoje: 03-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
Claude-Henri De Rouvroy, Conde de Saint-Simon (nascido a 17 de outubro de 1760 e falecido a 19 de maio 1825, em Paris), teórico social francês e um dos fundadores do chamado “socialismo cristão“. Em seu trabalho principal, Nouveau Christianisme, proclamou uma fraternidade do homem que deve acompanhar a organização científica da indústria e da sociedade. A palavra “socialismo”, no entanto, somente foi usada primeiramente por volta de 1830, na Inglaterra, para descrever sua doutrina e de outros que o antecederam como Thomas More (1516; “Utopia”) e Campanella (1623; “Cidade do sol”) e inclusive Platão (“A república”).
Vida. Saint-Simon pertenceu a uma família aristocrática empobrecida, porém já conhecida na literatura através de um primo do seu avô, duque de Saint-Simon, que havia escrito suas memórias da corte de Luís que XIV. A família descendia de Carlos Magno, segundo afirmava o próprio Claude-Henri.
Como acontecia a muitos dos jovens aristocratas da época, após uma instrução irregular por tutores particulares, Saint-Simon, aos 17 anos, entrou para o serviço militar. Estava nos regimentos enviados pela França para ajudar às colônias americanas na guerra da independência contra a Inglaterra e serviu como um capitão da artilharia em Yorktown em 1781.
Durante a Revolução Francesa (1789), permaneceu na França. Valendo-se então, de recursos emprestados por um amigo, comprou por baixo preço terras recentemente nacionalizadas pelo governo revolucionário. Esteve preso no Palais de Luxembourg mas, tendo sobrevivido ao Reinado do Terror, achou-se enormemente rico com a grande valorização de seus bens. Passou a viver uma vida de esplendor e prazeres, recebendo pessoas proeminentes de todas as áreas de atividade, em seus luxuosos salões. Os gastos desordenados o levaram, dentro de alguns anos, à beira da falência. Voltou-se para o estudo da ciência, frequentando cursos na École Polytechnique e recebendo distinguidos cientistas.
Saint-Simon vive o início de um clima intelectual que vai predominar por toda a primeira metade do século XIX e para o qual ele próprio contribui de modo importante. É um movimento de renovação do interesse na religião, com exemplos de religiosidade sentimental como é o caso do visconde de Chateaubriand (1768-1848) autor e diplomata, um dos primeiros escritores do romantismo francês, ou de retorno à teologia tradicionalista, como fazem Louis-Gabriel-Ambroise, visconde de Bonald (1754-1840) estadista e filósofo político, e o polêmico moralista, diplomata e pensador católico Joseph de Maistre (1753-1821), ambos apologistas do Legitimismo contrário aos princípios da Revolução francesa e a favor da monarquia e da autoridade eclesiástica.
Saint-Simon, continuado depois por seus seguidores, tentou desenvolver uma síntese entre o pensamento científico socialista, particularmente a análise da economia, e as crenças cristãs. Em seu primeiro trabalho publicado, Lettres d’un habitant de Genève à ses contemporains (1803) (“Cartas de um habitante de Genebra a seus contemporâneos”), Saint-Simon propôs que os cientistas tomassem o lugar dos padres na ordem social. Argumentou que os proprietários de terras que tivessem o poder político poderiam esperar se manterem de encontro aos não-proprietários somente subsidiando o avanço do conhecimento.
Por volta de 1808 Saint-Simon estava pobre, e os últimos 17 anos de sua vida foram vividos principalmente da generosidade dos amigos. Entre suas muitas publicações mais tardias estava De la réorganisation de la société européenne (1814); e o L’industrie (1816-18), escrito em colaboração com Auguste Comte.
Em 1823, em um acesso de desespero Saint-Simon tentou matar-se com uma pistola mas conseguiu somente perder um dos olhos.
Teses. Considerado um notável socialista utópico, durante toda sua vida Saint-Simon devotou-se a uma série longa de projetos e publicações com que procurou ganhar apoio para suas idéias sociais. Como um pensador, se diz que faltava a Saint-Simon sistema, clareza e coerência, mas sua influência no pensamento contemporâneo, especialmente nas ciências sociais, é reconhecida como fundamental. Aparte os detalhes de seu ensinamento socialista, suas idéias principais são simples e representaram uma reação contrária ao derramamento de sangue da revolução francesa e do militarismo de Napoleão. Propôs também que os estados da Europa formassem uma associação para suprimir a guerra. Haveria uma Europa unida, com um parlamento europeu e um desenvolvimento comum da indústria e da comunicação. Previu corretamente o industrialização do mundo, e acreditou que a ciência e a tecnologia resolveriam a maioria dos problemas da humanidade.
A contribuição grande de Saint-Simon ao pensamento socialista foi sua insistência no dever do Estado de planejar e organizar o uso dos meios de produção de modo a se manter continuamente a par das descobertas científicas, e a sua insistência na função de governo dos peritos industriais e administrativos, e não dos políticos e dos meros “homens de negócio”. Conforme à sua oposição ao feudalismo e ao militarismo, Saint-Simon advogou um esquema segundo o qual os homens de negócios e outros líderes industriais controlariam a sociedade; propunha uma ditadura benevolente dos industriais e dos cientistas para eliminar as iniquidades do sistema liberal inteiramente livre. A direção espiritual da sociedade estaria nas mãos dos cientistas e engenheiros, os quais assim tomariam o lugar ocupado pela Igreja Católica Romana na idade média européia.
O que Saint-Simon desejava, em outras palavras, era um estado industrializado dirigido pela ciência moderna, no qual a sociedade seria organizada para o trabalho produtivo pelos homens mais capazes. O alvo da sociedade seria produzir as coisas úteis à vida. Suas obras revolveram em torno da idéia de que sua época sofria de um individualismo doentio e selvagem resultante de uma quebra da ordem e da hierarquia. Mas afirmava que a época continha também as sementes de sua própria salvação, que deviam ser buscadas no nível de crescimento da ciência e da tecnologia e na colaboração dos industriais e dos técnicos que tinham começado já a construir uma ordem industrial nova. A união do conhecimento científico e tecnológico à industrialização inauguraria o governo dos peritos. A nova sociedade não poderia nunca ser igualitária, Saint-Simon sustentava, porque os homens não foram dotados igualmente pela natureza. Saint-Simon não era um “igualitário” estrito, um sentido em que parte de seus seguidores haveria de radicalizar suas idéias.
Contudo faz no seu projeto o uso máximo de habilidades potenciais, assegurando que todos teriam igual oportunidade de alcançar uma posição social proporcional com seus talentos. Erradicando as fontes da desordem pública, faria possível a eliminação virtual do estado como uma instituição coerciva. A sociedade futura funcionaria como uma oficina gigantesca, em que o governo sobre homens seria substituído pela administração das coisas.
Saint-Simon quis reorientar a Revolução Industrial para melhorar as condições da classe mais pobre. De acordo com seu projeto, isto seria conseguido não com uma revolução política, mas com um governo de banqueiros e de administradores técnicos, que substituiriam reis, aristocratas, e políticos. Ironizou dizendo que, se a França fosse privada de repente de três mil cientistas, coordenadores, banqueiros, pintores, poetas, e escritores principais, o resultado seria catastrófico; mas se todos os cortesãos e bispos e 10.000 latifundiários desaparecessem, a perda, embora deplorável, seria muito menos severa.
Apesar de que o contraste entre as classes trabalhadora e proprietária não é enfatizado por Saint-Simon, a causa dos pobres é discutida e no seu trabalho mais conhecido, Nouveau Christianisme (1825), e assume o caráter de uma religião. Antes da publicação dessa obra, Saint-Simon não havia se preocupado com teologia, mas neste trabalho, começando com uma crença em Deus, ele tenta desdobrar o Cristianismo em seus elementos essenciais. Nele propõe o preceito de que a religião “deveria guiar a comunidade no sentido do grande propósito de melhorar tão rapidamente quanto possível as condições da classe mais pobre”.
Este preceito transformou-se na palavra de ordem da escola de Saint-Simon.
Associação com Comte. As idéias de Saint-Simon tiveram uma influência profunda sobre o matemático e filósofo Auguste Comte, que trabalhou com ele até que os dois homens, mais tarde, se desentenderam. Os dois colaboraram na publicação em 1822 do “Plano das Operações Científicas Necessárias para a Reorganização da Sociedade”, que argumentava, entre outras coisas, que a política se transformaria em física social e que a finalidade da física social era descobrir leis imutáveis de progresso. A partir dessa colaboração emergiu a “lei dos três estágios” através de que o conhecimento tinha que passar — o teológico, o metafísico, e o positivo — que Comte viria a estabelecer como o tema da ciência da física social, um estudo que ele veio a chamar Sociologia.
No futuro o discípulo daria nova roupagem à doutrina do mestre, sistematizando-a e prosseguindo mais além. Em seu “Curso de Filosofia Positiva (1830-42) e Sistema Positivo” (1851-54) Comte haveria de elaborar uma “religião da humanidade,” com ritual, calendário, e um sacerdócio de cientistas, e santos seculares, incluindo Julius Caesar, Dante, e Joana d’Arc, e uma deusa, Clotilde Devaux. A Sociedade seria governada por banqueiros e tecnocratas e a Europa unida em uma República Ocidental. Esta doutrina, amparada por uma sociologia pioneira, viria a alcançar muita influência entre os intelectuais. Fundamentalmente eram as mesmas questões que Saint-Simon tentara responder: como desdobrar a potência da tecnologia moderna para o benefício de toda a humanidade; como evitar guerras entre estados soberanos; e como encher o vácuo deixado pelo arrefecimento das crenças cristãs.
Influência de seu pensamento. As origens da ciência política contemporânea acham-se no entusiasmo para a criação da ciência social, muito difundido no início do século XIX, um entusiasmo estimulado pelo crescimento rápido das ciências naturais. Portanto, pode-se dizer sem receio de erro que o marco inicial para o desenvolvimento da ciência política moderna está no trabalho de Saint-Simon, onde este sugere que a moral e a política poderiam se transformar em ciências ” positivas “; isto é, disciplinas cuja autoridade para comandar o pensamento político viria não de pressupostos subjetivos mas da evidência objetiva.
Saint-Simon morreu em 1825, e, nos anos subsequentes, seus discípulos levaram sua mensagem ao mundo e fizeram-no famoso. Por volta de 1826 um movimento apoiando suas idéias tinha começado a crescer, e para o fim de 1828 os Saint-Simonianos realizavam reuniões em Paris e em muitas cidades provinciais.
Os seguidores de Saint-Simon voltaram a doutrina do fundador em um sentido mais definitivamente socialista. Passaram a ver a propriedade privada como incompatível com o sistema industrial novo. A transmissão hereditária do poder e da propriedade, sustentavam, era inimiga do ordenamento racional da sociedade. A tentativa um tanto bizarra dos seguidores de Saint-Simon de criar uma igreja Saint-Simoniana não deve obscurecer o fato que eles estavam entre os primeiros a proclamar que a propriedade burguês-capitalista não era mais sacrossanta.
Em julho 1830 uma revolução trouxe oportunidades novas aos Saint-Simonianos em França. Emitiram um proclamação que exigia a posse dos bens em comum, a abolição do direito de herança, e a emancipação da mulher. A seita incluiu alguns dos jovens mais capazes e mais promissores da França. Nos anos seguintes, entretanto, os líderes do movimento discutiram entre se, e em consequência o movimento fragmentou e quebrou, seus líderes voltando se para questões práticas.
As idéias dos Saint-Simonianos tiveram influência para além da França, na vida intelectual do século XIX em toda a Europa.
Thomas Carlyle na Inglaterra estava entre aqueles influenciados pelas idéias de Saint-Simon ou de seus seguidores. Friedrich Engels encontrou em Saint-Simon “a largura de vista de um gênio” contendo no embrião a maior parte das idéias dos socialistas que viriam depois. As propostas de Saint-Simon do planejamento social e econômico estavam na verdade à frente de seu tempo, e os marxistas, os socialistas, e os reformadores do capitalismo que o sucederam ficaram de um modo ou de outro igualmente devedores a suas idéias. Felix Markham disse que as idéias de Saint-Simon têm uma relevância peculiar ao século XX, quando as ideologias socialistas tomaram o lugar da religião tradicional em muitos países.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 24-04-1999.
Atualizada em 10-08-2020.
Direitos reservados.
Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Saint-Simon. Site www.cobra.pages.nom.br, INTERNET, Brasília, 1999.