Juan Luis Vives

Hoje: 23-11-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

Introdução. Juan Luís Vives é contado entre os mais completos e influentes humanistas do renascimento – intelectuais semeadores de ideias novas e ousadas, apresentadas como descobertas e utopias. Tais ideias, apesar de desprovidas do caráter contestatório e ideológico que teriam depois as correntes filosóficas do iluminismo, e em que pese a profunda espiritualidade e preocupação religiosa de seus autores, eram já ideias marcadas pela crítica iluminista ao governo e à Igreja, que desaprovavam a nova preocupação temporal com o homem, a valorização da observação sistemática da natureza, a experiência controlada, e o estudo de caráter investigativo e educativo em geral.

Um fugitivo da inquisição por ser judeu converso – cuja família fora acusada de reincidir no judaísmo –, Vives viu-se obrigado a deixar a Espanha e buscar asilo sucessivamente na França, na Bélgica, na Inglaterra e novamente na Bélgica, onde se integrou em um círculo de amizades ilustres: foi amigo de Erasmo, de Thomas More, de Budé e do Papa Adriano VI. Foi autor de cerca de 60 obras escritas em latim, sobre temas devocionais e apologéticas, obras de filologia, de política e moral; filosofia e psicologia, educação e métodos pedagógicos.

VIDA

Origem. Juan Luís Vives e March, filho de família judia, nasceu em Valência, na província do mesmo nome, na Espanha, a 6 de março de 1492 e faleceu em Bruges, província de Vlaanderen, Bélgica, a 6 de maio de 1540. Foram seus pais Luís Vives Aureliola e Blanca, ou Blanquina, March, parente do poeta Ausias March. Seu avô paterno, Abrafim Abenfacam, havia se convertido ao cristianismo ao final do século XIV. O ano do nascimento de Vives foi dramático para as famílias judias, obrigadas a escolher entre se converterem ao cristianismo ou deixarem a Espanha. Os Vives, já convertidos porém judaizantes, ficaram na Espanha, e Juan Luís recebeu sua primeira formação em Grego e Latim em sua terra natal.

Formação. A família de Vives cuidou que tivesse uma educação esmerada e severa. Teve por mestres intelectuais conhecidos em Valência como Jerónimo de Amiguet, de Tortosa, e Daniel Siroleridano. O primeiro transmitiu-lhe conhecimentos de gramática, e também seus desacordos com o intelectual humanista Élio Antônio de Nebrija, autor da primeira gramática da língua castelhana, que introduzia importantes modificações no ensino e fora adotada nas escolas, incitando Vives a criticar aquele autor em seus primeiros escritos. Influiu também em sua educação seu tio Enrique March, professor de Direito na universidade de Valência.

Devido ao perigo e aos transtornos que uma epidemia de peste trouxe a Valência em 1508, Vives foi, no ano seguinte, então com 17 anos, enviado a Paris, para continuar seus estudos. Ingressando na Sorbone, sobressaiu-se nos estudos de Teologia e Filosofia. Permaneceu em Paris até 1512, quando deixou a França e passou aos Países Baixos (Um grupo de províncias hoje divididas em Bélgica, Holanda, e nordeste da França).

Juventude. Deixando os estudos em Paris, Vives escreveu, em 1513, a biografia de seu ex-mestre, o dialético francês Jean Dilaert. Estabeleceu-se em Bruges, situada na região de Flandres que hoje incorpora a província belga de Vlaanderen mais uma parte da região nordeste da França. Em Bruges, que se transformaria em sua segunda pátria e ponto de partida para as várias viagens que faria no futuro, hospedou-se em casa dos Valladar (Valladaura, Valadares, ou Valdaura), que também eram de origem valenciana, como preceptor dos filhos da família.

Em 1514 fez uma breve viagem a Paris, e é de então a sua obra, Christi Jesus Triumphus. Dizem seus biógrafos que o tema lhe foi sugerido pelos amigos e por seus antigos mestres, e que Paris o atraia, mas o tumulto das ruas e o humor sarcástico de seus habitantes fizeram com que preferisse Flandres.

Um intelectual respeitável, Vives tornou-se amigo de pessoas influentes em Bruges, entre elas o Senhor de Chievres, que seria pouco depois primeiro ministro do imperador Carlos V, e que o tomou, em 1517, para preceptor de seu sobrinho o príncipe Guilherme de Croy então já bispo de Cambrai com apenas 17 anos de idade, e que seria brevemente cardeal arcebispo de Toledo. Em companhia do príncipe Vives viajou por Henao (Hainaut) e pelo Brabante, províncias da atual Bélgica, o que lhe valeu a oportunidade de criar novas amizades e escrever seus trabalhos, entre eles, de 1518, sua primeira obra filosófica De initiis, Sectis et Laudibus Philosophiae.

Vives publicou em Louvain, no início de 1519, seu Adversus Pseudodialecticos, uma crítica aos professores da Sorbonne, denunciando a decadência em que o “nominalismo” escolástico lançara a ciência das universidades européias. Residindo então em Louvain foi nomeado professor de humanidades (ciências naturais e letras) da Universidade em 1519, e no Colégio do Castelo (collegium castrense).

O seu tratado Pseudodialecticos não alcançara a repercussão esperada e tendo ele retornado a Paris em meados do mesmo ano, foi recebido cordialmente por aqueles que ele havia criticado naquela obra. Lá, conheceu a Guilherme Budé, embaixador, bibliotecário real e educador, autor de L’Institution du Prince (1516) que influenciou Francisco I da França para criar, em 1530, o Collège Royal como um centro intelectual humanista que seria depois a Universidade Collège de France -, e também criador da biblioteca real no palácio de Fontainebleau que se tornaria a Biblioteca Nacional da França, e com ele passou a manter correspondência.

Na universidade de Louvain teve por companheiros de magistério Adrian Florensz Boeiens, tutor do futuro imperador do Sacro Império Romano, Carlos V, e mais tarde Papa com o nome de Adriano VI, e Desiderio Erasmo, então já sexagenário, pelo qual Vives sentia grande admiração e do qual se declarou “filho e discípulo”. Ambos eram membros do movimento da reforma religiosa e educacional devotio moderna, para promover a alfabetização das massas, com o qual Vives tinha grande afinidade.

Por conselho de Erasmo, Vives iniciou a preparação de um comentário ao De civitate Dei (Cidade de Deus) de Santo Agostinho, que publicaria em Basle (Basileia) em 1522. Porém, apenas havia começado aquele trabalho quando seu discípulo e protetor o Príncipe Guilherme de Croy, ex-bispo de Cambrai, cardeal arcebispo de Toledo, morreu, vítima de um acidente,

Esgotado pelo excesso de estudos e trabalhos, Vives decidiu viajar a Ambers e de lá voltou a Bruges, onde foi acolhido em casa de um certo Pedro de Aguirre, e recebeu um modesto socorro da rainha Catarina da Inglaterra, possivelmente por obra do chanceler Thomas More, a instâncias de Erasmo, amigo de ambos.

Ainda em 1522 publicou De Corrupta Dialéctica e De Corrupta Grammatica. Desta época datam também suas Declamationes Sex (Seis declamações), Declamationes Sullanae, Pompeius Fugiens, e o diálogo Ludas chartarum entre outras obras.

Vives deteve-se em Bruges esperando que pudesse receber algum benefício do Imperador, que ali se encontrava. Porem a indicação do seu nome feita pelo amigo Juan de Vergara, para preceptor de um filho do temível Duque de Alba – que conquistaria Portugal em 1580 -, foi derrotada por outro pretendente. Também Erasmo o propôs para preceptor do infante dom Fernando, irmão de Carlos V, cargo que ele havia deixado por alegando sua precária saúde., e quando esperava que seu amigo, o papa Adriano VI, lhe dispensasse sua proteção, este morreu prematuramente em setembro de 1523. Sentindo-se ao desamparo, Vives retornou pouco depois a Louvain.

Na Corte Inglesa. A sorte de Vives veio a mudar graças a nova ajuda de Tomás More, que o chamou para a corte inglesa, como leitor da rainha Catarina de Aragão, esposa de Henrique VIII, e preceptor da sua filha Maria, princesa de Galles. Vives julgava que a Inglaterra de Henrique VIII poderia vir a representar uma pátria para o humanismo, e nesse sentido fez um elogio ao país e ao seu rei na dedicação dos seus comentários ao livro de Santo Agostinho De civitate Dei, publicado em 1522.

Na Inglaterra, foi bem recebido na corte, inclusive pelo chanceler e cardeal Wolsey, pelo estadista William Blount, Barão de Mountjoy, que fora aluno de Erasmo, e pelos notáveis humanistas ingleses, John Grocyn, vigário da igreja de St. Lawrence Jewry que, de volta da Itália alguns anos antes, começara a ensinar grego em Oxford; o médico Thomas Linacre, então ocupado com seu projeto de fundação da sociedade que depois se tornou o Royal College of Physicians; e John Colet, cônego de St. Martin Maior, o qual, depois de um período na Itália, se fez o introdutor do renascimento italiano na Inglaterra e inaugurou no país um novo método educacional. Na Páscoa de 1523 concluiu o seu conhecido De institutione feminae christianae, que dedicou à rainha, e foi publicado no ano seguinte em Anvers. O livro explicava como uma mulher deveria ser educada, qual deveria ser seu comportamento em diversas ocasiões e o seu foco principal eram as ideias de castidade e virgindade e sexo exclusivamente para a procriação.

Tomas More e seus influentes novos amigo obtiveram para Vives uma cátedra no Colégio do Cardeal, depois Christ Church, de Oxford, onde foi leitor de Latim e jurisprudência a partir de outubro de 1523. Ficou conhecido como educador com o livro De ratione studii puerilis (“Da Razão dos estudos infantis”), escrito a pedido da rainha Catarina para servir como orientação do estudo da princesa Maria Tudor. A obra, que segue a linha do De institutione foeminae christianae, foi publicada em Bruges em 1523. Ainda na mesma linha compôs em 1524 o Satellitium, um livro de máximas para a princesa Maria.

No período em que esteve na Inglaterra (1523-28) fez algumas viagens a Bruges, e numa destas se casou, em maio de 1524, com Margarida Valldaura, sua discípula quando, em seus primeiros anos em Flandres, fora hospede de sua família.

Sua obra famosa, o Introductio ad sapientiam, um guia que aponta as obrigações dos homens com respeito a Deus, a ele próprio e ao próximo, para a perfeição cristã, foi publicada em Louvain, em 1524. O Introductio teve em pouco tempo cinquenta edições.

No ano de 1525 a Universidade de Alcalá de Henares ofereceu-lhe uma cátedra que vagara por ocasião da morte de Antônio de Nebrija mas Vives recusou-se a aceitá-la porque isto o colocaria novamente ao alcance dos braços da Inquisição. No ano seguinte seu pai morreu na fogueira por condenação daquele Tribunal.

Outra importante obra de Vives foi o tratado De subventione pauperum, dedicado ao burgomestre do Senado de Bruges, em 6 de Janeiro de 1526, obra publicada em 1528 e que teve grande repercussão em seu tempo. Nele Vives propõe a assistência aos pobres, com a instituição de um salário para todo cidadão, em pagamento por trabalhos em várias especialidades das mais simples, cujo fruto seria vendido para custeio do sistema. Era uma ideia diferente da proposta por More no seu Utopia, que seria uma pensão dada gratuitamente aos pobres e desempregados, com o objetivo de evitar que praticassem crimes para sobreviver, medida que More considerava menos onerosa para o Estado que manter polícias e prisões.

Outras obras de 1526 foram De Europae dissidiis et bello turcico, cujas ideias estavam na linha do europeísmo moderno e De conditione vitae christianorum sub Turca (“Sobre a condição de vida dos cristãos submetidos aos Turcos).

Durante o período passado na Inglaterra sua atividade literária foi intensa, até que eclodiu drama da separação do rei e da rainha. Sua posição crítica ao divorcio de Henrique VIII e Catarina de Aragão o levou à prisão por breve período em 1527. Vives, no entanto, foi cauteloso, e evitou ser condenado à morte como foi o caso do amigo Thomas More que seria executado em 1535, e de outros que ficaram radicalmente contra a paixão do rei por Ana Bolena e seu divórcio de Catarina. Obrigado a deixar a Inglaterra, retornou a Bruges, para a casa da família de sua mulher, e reassumiu o ensino. Ali recebeu a visita de Inácio de Loiola, que haveria de fundar, mais tarde, a companhia de Jesus.

Vida em Flandres. A partir de seu regresso da Inglaterra, a vida de Vives é uma rotina de escrever e lecionar, sem fatos extraordinários que pudessem marcá-la, salvo algumas viagens a Paris. Escreve sucessivos trabalhos de caráter acético, a começar do De officio mariti publicado em Bruges em 1528, onde enumera os deveres dos esposos, uma complementação ao De institutione de 1524. Dedicou o De officio a Dom Juan Borja, terceiro duque de Gandia e pai de São Francisco Bórgia.

Em 1529 a peste atacou Bruges, levando-o a refugiar-se em Liles e Paris por vários meses, retornando para reassumir suas aulas na universidade Louvain.

Nesse ano os restos mortais de sua mãe Blanca, que falecera em 1508, o ano da peste em Valência, foram desenterrados para serem queimados publicamente sob a acusação de que, em vida, havia judaizado por influência da família. O processo em que foi condenada é um dos mais de 125.000 processos da Inquisição espanhola.

Do período entre 1529 e 1533 são, entre outras, as obras: Isocratis Orationes Duae e De concordia et discordia in humano genere (1529), esta dedicada ao imperador Carlos V; o De pacificatione (1529), dedicada a Alfonso Manrique, arcebispo de Sevilha; o Descripio Clipei Christi (1530) e o Oratio Virginis Dei parentis (1530).

É de 1531 a sua monumental obra prima, publicada em Antuérpia, De disciplinis libri xx (“Vinte livros sobre as Disciplinas”). Como anuncia o título, essa obra, que faz de Vives um respeitável pedagogo, compõe-se de vinte livros ou capítulos. Sete são sobre a corrupção das Artes ou disciplinas, e estão sob o título geral De Causis Corruptorum Artium. Nestes Vives ataca os aristotélicos de então, apontando as causas principais que determinaram a decadência dos estudos filosóficos. Considera negativos e prejudiciais o abuso das disputas; os textos em uso, obscuros e desconexos; o dogmatismo dos mestres, o frequente apelo à autoridade como critério de verdade, o uso comum de resumos e desconhecimento dos textos originais, a falta de método, etc. avareza, arrogância de mestres ignorantes, as frequentes guerras, a corrupção nas Universidades, falta de uma verdadeira instrução do Latim e do Grego, perversão da lógica por seu uso como instrumento de indução, ignorância das ciências naturais, declínio do estudo da Filosofia Moral, e um método degenerado de estudo das Leis.

Outros cinco, sob o título De Tradendis Disciplinis, são sobre o ensino das disciplinas, com base em pensadores antigos como Aristóteles, Plutarco, e Quintiliano, e também em mestres contemporâneos como Erasmo. Os restantes oito livros, entre eles o De prima Philosophia sive de intimo naturae opificio, o De explanatione eiusque essentiae, o De instrumento probabilitatis e o De disputatione, tratam das disciplinas do conhecimento propriamente ditas, e neles Vives advoga o uso da língua nacional nas escolas, pede a construção de academias, apoia a educação das mulheres e recomenda a restruturação dos métodos de ensino. Aqui Vives se esforça por determinar os meios e procedimentos que devem constituir um método pedagógico racional para cada uma das disciplinas integrantes da divisão do conhecimento em sua época. Ressalta a importância de dar à ciência da educação uma firme base psicológica.

No De disputatione, de modo particular, Vives dedica vários parágrafos a comentar os males que ocasionam as discussões estéreis, em que não se pretende buscar a verdade mas mostrar que se tem razão e, em que cada um dos contendores se esforça mais “em cimentar a fama do seu talento que em afirmar a verdade”. No entanto, a crítica bem intencionada é sempre proveitosa, porque não pretende destruir a um adversário mas sim ajudar o companheiro. Em reconhecimento de sua obra o imperador lhe concedeu uma pensão de 150 ducados.

É de 1532 o seu De Instrutione, um tratado sobre o ensino dedicado a D. João III de Portugal, obra que teria inspirado ao monarca a criação da Universidade de Coimbra. Do mesmo ano são seus três livros de Rethoricae sive de recte rationes dicendi, 1532), também com ideias inovadoras.

Últimos anos. Aos anos Vives padecia dolorosos ataques de gota. A inexistência de analgésicos obrigava-o à imobilidade, embora ainda pudesse escrever. Seu médico foi Amatus Lusitanus, judeu português cujo nome cristão-novo era João Rodrigues, chegado a Antuérpia em 1533, e que ali clinicava com sucesso. Além da artrite, Vives sentia-se deprimido com a péssima situação política da Europa devido às guerras religiosas.

Seu tratado a respeito da propriedade privada apareceu em 1535, em Bruges com o título De communione rerum. Foi o ano da execução na Torre de Londres, de seu amigo e protetor Thomas More.

Uma ligeira melhora de sua moléstia permitiu que viajasse a Paris em 1536. Lá permaneceu por um ano divulgando sua teoria pedagógica e também explicando o Poeticon Astronomicon de Higinio, e publicou uma edição desta obra. Publicou também em Paris, no mesmo ano de 1536, o seu De conscribendis epistolis.

Retornando à Bélgica (Flandres) passou várias temporadas em Breda, entre 1537 e 1539 em casa do príncipe Enrique de Nassau e de sua esposa a marquesa de Canhete.

É de 1537 a sua obra Interpretatio in bucolica Virgilii.

Seu grande tratado De anima et vita libri três (“Três livros sobre a alma e a vida”), publicado na Basiléia em 1538 e no qual assenta sua filosófica capital, completa a Introductio ad sapientiam que havia publicado em Louvain em 1524. Esse tratado valeu a Vives o ser considerado o precursor da concepção biológica da psicologia científica moderna. O tratado é considerado importante marco na história das ideias e métodos psicológicos.

Também de 1538 são os seus diálogos intitulados Exercitatio linguae latinae, publicados nesse ano em Basiléia; constituem a obra pedagógica mais importante de Vives e a que foi mais vezes reeditada e traduzida.

Ao tratado De anima se seguiram o Censura de Aristotelis operibus, mais o Exercitatio linguae latinae e o De veritate fidei christianae.

Durante o ano de 1539 agravou-se a sua enfermidade e retornou a Bruges.

Ao falecer, em 6 de maio de 1540, Vives preparava uma apologia geral do cristianismo De veritate fidei christianae, que ficou inacabada mas foi postumamente editada por um discípulo em 1543 com uma dedicação ao papa Paulo III. São de 1540, ano do seu falecimento, as obras Ad Catonem maiorem sive de senectute Ciceronis quae dicitur, Anima Saenis praelectio e inquisitio sapientiae dialogus, e Ad animi exercitationmen in Deum commentatiumculae.

PARTE II

Introdução. A posição filosófica de Juan Luís Vives, como já salientado, é em geral contra os aristotélicos, porém não anti-aristotélica. Ele aceita o pensamento original de Aristóteles mas condena os rumos que a Escolástica deu a esse pensamento no decorrer da Idade Média. Quanto à reforma social cristã, suas ideias não são de uma comunização, mas para uma aplicação prática dos princípios cristãos, sem se indispor com Roma. Faz uma proposta prática em favor dos pobres: que os não qualificados fossem treinados para algum trabalho e que todos recebessem um salário minimamente decente como paga de sua atividade.

Conhecimento. Vives se opõe ao superficialismo e às distorções do pensamento aristotélico pelos dialéticos medievais, como faz no seu tratado In pseudo dialecticos, de 1519, mas, quanto ao mais, é ele mesmo um aristotélico. Sua teoria do conhecimento estava de acordo com o Sensismo de Aristóteles. No De Anima, de 1538, ele não se preocupa com a essência da alma ou da mente mas limita-se à observação baseada na experiência sensível. Juntamente com outros humanistas como Agricola, que levou o renascimento ao norte da Europa, John Colet, (1466/67-1519), fundador da St. Paul’s School, de Londres, que levou o movimento renascentista italiano para a Inglaterra, e Melanchthon, o reformador das escolas alemãs, Juan Luís Vives trabalhou arduamente para mudar o autoritarismo obscurantista da pedagogia que vinha da Idade Média, propondo um ensino objetivo, realizado numa relação entre mestres e discípulos que veio a se tornar a base da pedagogia moderna.

Para Vives, a disposição ao conhecimento é uma qualidade humana, e todos os homens são aptos para aprender com um vigor espontâneo comparável ao que se manifesta na natureza. A inclinação a aprender é característica de todos os homens, sem distinção, e por isso todos devem ter a oportunidade de desenvolver essa propensão natural. Não há matéria do saber para a qual nossa inteligência não possa ter algum domínio, ainda que rudimentar. Como John Locke afirmaria mais tarde, Vives já colocava que o conhecimento chega ao ser humano, em primeiro lugar, através dos sentidos, posição diametralmente oposta a Descartes, que acreditava na existência de ideias inatas.

Educação. Segundo Vives, a educação é o crescimento da sabedoria prática e uma preparação para a perfeição moral, com a qual o homem a de conseguir seu fim último: a união com Deus. É, portanto, um mandamento a ser cumprido com zelo e competência tanto pelos mestres como pelos pais.

A obra de Vives, no que se refere à Educação, precisa ser lida em conjunto com a de Erasmo, o qual é considerado o maior dos humanistas. Isto porque eram muito amigos, comungavam as mesmas ideias, ensinaram na mesma universidade e ambos integravam a corrente humanista da Ciência Nova, reintrodutora dos valores greco-romanos da educação clássica, profundamente reformadora do ensino, e desafiante frente às posições arraigadas da Igreja romana. No entanto, Vives, mais que Erasmo, aprofundou e detalhou as questões pedagógicas, de modo que são as suas ideias sobre a educação que constituem a parte mais interessante do seu legado. Estão sumariadas abaixo as principais recomendações de Vives para a Educação.

  1. Idade para o aprendizado. A educação tanto quanto a instrução, começa na primeira etapa da vida do homem, e não acaba com o período escolar, mas prolonga se até a velhice. A infância é a idade mais adequada ao ensino, porque a criança tem a memória expedita e livre; então tudo está em desenvolvimento e com facilidade se prendem profundas raízes. Dificilmente se poderá obter depois os mesmos resultados. Por isso, os pais que deixam passar os primeiros anos do filho sem o instruírem em coisas úteis, devem saber que estão perdendo uma oportunidade que não voltará.
  2. Educação para todos. Em uma época em que a educação era elitista, Vives se preocupou em que esta fosse oferecida a todo o povo. Uma escola deveria acolher não apenas crianças, mas também adultos e velhos, para que o conhecimento pudesse retirar estes últimos da ignorância e dos vícios que dela decorrem.
  3. Educação da mulher. Vives quer que a educação das mulheres seja objeto de reflexão e se busque como lhes oferecer uma instrução de ordem prática.
  4. Línguas. Recomenda o estudo das línguas no primeiro período escolar dos sete aos 15 anos, tanto das línguas clássicas como também, das línguas nacionais. O latim devia ser conservado como língua universal, e o próprio Vives escrevia seus tratados utilizando-se dessa língua. Faltavam gramáticas para as línguas nacionais até então pouco utilizadas em obras eruditas. Excetuadas as peças de Shakespeare na Inglaterra escritas ao fim do século XVI, somente mais tarde as obras em línguas nacionais apareceram na literatura sucessivamente em Portugal com os “Lusíadas” de Luís de Camões, em 1572; na França com os “Ensaios” de Michel de Montaigne, em 1580, e na Espanha com o “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes, em 1605, entre outras.
  5. Educação física. Vives advoga uma formação integral que compreende também a educação física.
  6. Dignidade do mestre. O Mestre deve demonstrar amor por sua profissão e por seus alunos. O mestre deve inspirar respeito não com golpes e ameaças, mas com atitudes que despertem admiração pelo seu talento e por suas virtudes. Deve ser o exemplo como agente educativo de honradez e prudência. Considera fundamental e indispensável para essa dignidade que os mestres tenham um bom salário.
  7. Papel dos pais. Os preceitos das Sagradas Escrituras mostram que o Senhor pedirá aos pais conta da educação de seus filhos, e por isso, tratando-se do ensino, devem cuidar seriamente sobre este ponto decisivo; As crianças estão sempre propensas a imitar a tudo, principalmente a aqueles que consideram dignos de serem imitados, como seus pais e mestres. Os pais devem, sobretudo, dar bons exemplos, e verificar se há na família pessoa que possa influenciar nocivamente a mente delicada da criança e em tal caso afastá-la do lado desta, sendo possível, ou se não, enviá-la a educar-se fora. Assim herdamos, daqueles dos quais deveríamos receber um espírito sadio, um espírito corrompido, pelos motivos ditos. Os homens mudam pelo contacto e contágio dos amigos preferidos, e não aceitam oposição alguma; mudam devido à sua inclinação aos prazeres. O corpo domina o espírito oprimindo-o com seu peso, a menos que se apoiem nas bases sólidas de bons preceptores e das boas ações; Muito poucos maus se fazem bons, mas sim acontece o contrário, por degeneração da natureza.
  8. Escola privada. Os jovens não são devidamente disciplinados e corrigidos pelos seus mestres ou pelos dirigentes das escolas porque estes têm medo da diminuição dos lucros, principalmente quando os alunos são ricos, porque estão preocupados mais com os lucros que com a educação de seus discípulos.
  9. Internato. Não é conveniente que o aluno viva na própria escola, onde a alimentação não é tão sadia, e a educação não é tão completa como no próprio lar, a menos que tenham pais de conduta viciosa e desprezível, ou que estes sejam excessivamente condescendentes a ponto de comprometer a índole do jovem.
    Falso diploma. Jovens perversos adquirem um grau acadêmico qualquer para agirem com mais liberdade e arrogância absoluta, frequentemente com o aplauso e alegria dos pais que não percebem onde eles vão parar. Os elogios dos pais podem reforçar o mau comportamento daqueles que, já livres de toda classe de pudor e respeito a seus mestre, aos seus próprios pais, amigos e à pátria inteira, a miúdo recebem dos seus cartas de carinho e admiração, endereçadas a eles como a pessoa distinguida por seu saber.
  10. Consequência do mau resultado escolar. Havendo mal aproveitamento escolar, transcorrem sem proveito os melhores anos da vida para o aprendizado; o jovem cresce e com ele sua ignorância e ódio ao estudo; retorna ao lar em estado selvático, inculto, rodeado de todos os males, arrogante, descortês, desajustado e com ideias vis, com ânimo propenso aos prazeres e vícios, às vezes atacado de enfermidades em consequência de sua vida empestada de impurezas. Quando o pupilo se sente mais livre “recebe com aspereza toda exortação”. Vem daí o aborrecimento ao aio ou à aia, quando estes são obstáculos para seus desejos, e não faz sua obrigação mas finge fazer, por medo, e nunca age movido pela beleza da virtude nem ao menos pela aspiração ao elogio.

Métodos Pedagógicos. Como pedagogo, Vives reagiu contra os métodos escolásticos de ensino e a dialética especulativa dos professores da Sorbone, onde havia estudado de 1509 a 1512. Ele insistiu em que o ensino deve realizar-se de acordo com a personalidade e natureza do aluno. Em sua obra composta em latim, Vives critica os métodos de ensino escolásticos (Adversus pseudodialecticos, 1519, “Contra os pseudo-dialéticos”). Ele propôs uma revisão geral das fontes e dos procedimentos pedagógicos (De ratione studii puerilis, 1523; De causis corruptarum artium, 1531; dirigido contra os aristotélicos; De disciplinis, 1531).

Porém, seu interesse pela pedagogia ultrapassava o campo acadêmico; Vives aborda a educação do ponto de vista da eficácia da instrução e para essa eficácia específica considerava a psicologia fundamental, tanto para a adequação do ensino ao sujeito, quanto para a eficácia do método educativo. Vives estabelece algumas regras pedagógicas inovadoras e mesmo revolucionárias para a sua época, e que depois aparecerão como fundamento da Pedagogia de Jean-Jacques Rousseau. Seguem-se as principais:

  1. Localização das escolas. Vives defendeu que os edifícios para escolas devem ser construídos em um lugar saneado e agradável, não no centro das povoações onde o ruído impeça o sossego necessário para o estudo, mas em local não tão isolado que o transporte se torne prejudicial aos alunos. O interior deve ser bem iluminado, limpo e adornada de pinturas por todas partes. O exterior, deve ter um grande pátio para recreio e jogos; também um grande jardim que agrade a vista com árvores, flores e ervas.
  2. Método. Preconiza o ensino paulatino, partindo do conhecido para o desconhecido, do fácil ao difícil.
  3. Experimentação. A experiência do aluno deve ser direta, já que toda ciência deve fundar-se na experiência. Deve refletir sobre os dados obtidos por ele mesmo. Seu ideal pedagógico era: Considera a natureza como o melhor livro de ensino acudindo no possível à observação direta da mesma. Proclama o princípio da indução e recomenda a experiência como fonte de conhecimento
  4. Atividade escolar. O aluno deve dar pequenas conferencias sobre o aprendido, para dar causa à iniciativa infantil em todas as disciplinas –Juan Luís Vives considera a conversação como uma arte e uma forma de ensinar. Levará um caderno de notas, onde reunirá por si mesmo suas experiências de aprendizagem, formando ao final seu próprio livro de texto.
  5. Psico-pedagogia. Apesar de que todos os homens têm a capacidade para aprender, Vives não desconsidera as diferenças que há entre eles: o mestre deve ter em conta as características individuais do aluno, seu desenvolvimento natural. O aluno precisa ser avaliado em sua capacidade para aprender, Tampouco é igual a quantidade de esforço sustentado do que cada um é capaz: O aluno estudado em seus aspectos genéricos os evolutivos, se deve ter em conta seu cultura, ou sua maneira de aprender. A avaliação pode ser feita tanto mediante consulta a uma pessoa amiga que o conheça ou mediante a observação dos indícios que o próprio aluno ofereça diariamente no tocante a seus dotes individuais.
    O ensino para as crianças deve acompanhar a capacidade infantil, que não alcança de pronto as coisas abstratas. Quando o jovem amadurece em idade e inteligência, no conhecimento das coisas e em experiência, pode examinar com maior atenção a vida, as artes e inventos humanos.
  6. Planejamento escolar. Durante um ou dois meses o jovem permanecerá na escola para serem examinados seus dotes mentais, e os mestres se reunirão aparte quatro vezes cada ano para falar e consultar-se mutuamente sobre a capacidade de seus alunos e para designar qual seja a ocupação que segundo as disposições individuais convém a cada um deles. Essas medidas de planejamento das atividades didáticas constituíam uma proposta nova e original.
  7. Avaliação. Vives opina que os exames não devem consistir em provas de comparação entre os discípulos de uma classe, mas sim em exercícios que se comparam com outros anteriormente realizados pelo aluno. Cada aluno seguirá sua trajetória própria, uma vez que a comparação do aproveitamento escolar será feita com ele próprio, nas diversas etapas da programação escolar.
  8. Lazer. A fatiga e decidia são remediados respectivamente por descansos periódicos, lúdica, recreio, narrações.
  9. Disciplina. Ataque ao mestre. Alunos indisciplinados celebram com grande alegria, felicitações e aplausos entre si quando logram afastar um preceptor e a partir daí seguem ao encontro de todos os prazeres, como barcos sem leme e sem piloto.
  10. Adolescência. O jovem adolescente é inseguro, está numa idade em que ele é propenso à crueldade, a viciar-se, a seguir facilmente o incentivo de companheiros e amigos que não prestam, ou sua própria índole libidinosa, e levam de roldão tudo o que se lhes opõe sem se incomodar com repreensões e castigos, servindo-lhes de estímulo seus companheiros e o atrativo do prazer”.

Vives não aplica o castigo ao aluno como penalidade mas como estimulação. Ele assinala dois fatores que dificulta o estudo: a fatiga e a decidia. Para combater a primeira recomenda o descanso adequado; contra a decidia propõe que se estimule a vontade do bem, com argumentos baseados no respeito aos pais e mestres, ou no gosto pelo estudo e sua utilidade, ou em meditações piedosas; outros meios de mover a vontade são a aprovação e o castigo, verbal e corporal, se bem que este se há de restringir o mais possível.

Psicologia. Vai além de indicar que entre os homens existem diferenças de aptidões, e descreve também a variedade de gênios: Há os sóbrios e equilibrados, e também existem insanos, furiosos a intervalos ou permanentemente; há os duros, os veementes, outros mostram índole débil; motivam-se alguns por causas grandes e justas, têm almas viris, enquanto outros, ao contrario, por coisas insignificantes ou nulas e mudam com um sopro ligeiro”.

Educação Moral. A formação na virtude não é necessária unicamente para que os homens possam lograr seu fim último na gloria e beatitude da união com Deus . A virtude se requer também por razões de conveniência pública, pois ela se traduz em costumes honestas e é do maior interesse para toda a sociedade que os jovens se preparem como membros úteis dela. Então a educação não é simples mas fundamentalmente formação. Aquele que de todo carece de conhecimentos, mas é em troca capaz em coisas de virtude merece os maiores louvores, sendo, pelo contrario, ignominioso e desprezível aquele instruído e educado nas artes humanas que se acha carente de virtude.

Feminismo. Antes de Vives o feminismo cristão pautava-se principalmente pela obra de Tertuliano, um dos primeiros escritores cristãos, nascido em Cartago, colônia Romana no Norte da África, por volta de 155-160 d.C. Tertuliano em suas obras faz o exame dos valores da cultura greco-romana de seu tempo separando o que se podia aceitar e o que se devia rejeitar à luz dos preceitos cristãos. Segundo essa diretriz escreveu De cultu feminarum em que trata do comportamento da mulher cristã quanto ao vestir-se apropriadamente e ao uso de cosméticos. Sua visão da mulher como esposa e mãe virtuosa destinada ao lar e à obediência ao esposo, porém com a dignidade de única esposa e guardiã da virtude, é a posição cristã que irá prevalecer por toda a Idade Média.

Juan Luís Vives devotou um trabalho especial à instrução das mulheres, o De institutione feminae Christianae (1523), do qual foram feitas dezenas de edições. Embora siga o pensamento de Tertuliano, que balizou o feminismo medieval subordinando a mulher ao homem, Vives não obstante exige que a mulher não seja deixada na ignorância. Vives acreditava que as mulheres poderiam aprender Latim e Grego e alcançar um nível no qual pudessem ajudar seus filhos na sua preparação. Essa posição será um século e meio depois enfatizada pelo bispo francês Fénelon, em seu pioneiro e famoso livro Education des filles (1687). Assim, apesar de reter a posição medieval radicada no aforismo “A mulher pertence ao lar” Vives ultrapassa essa posição explicitando que a influência feminina deve estender-se ao Estado e à Igreja.

História. Em seus trabalhos retóricos e literários, especialmente no De disciplinis (1531), Vives formulou regras do estilo, insistindo especialmente na filosofia e na historia. Argumentou que a historia deve abarcar a atividade humana em sua totalidade e não se confinar aos relatos das guerras. Estava convencido de que a experiência ganha com o estudo da história pode contribuir para o desenvolvimento da prudência naquele que a estuda. Thucidides, Plutarco, and Livio foram selecionados como objeto de estudos e Vives acreditava que os estudantes por seu turno seriam esclarecidos e dedicados servidores do Estado.

Psicologia. A psicologia de Vives parte do conceito aristotélico da vida, segundo o qual nos vegetais a vida é puramente vegetativa; nos animais é vegetativa e sensível, e no homem, vegetativa, sensitiva e racional. Tampouco falta a alma, a qual para Vives é um princípio ativo essencial que habita em um corpo apto para a vida. Criado o homem para a felicidade eterna se lhe há concedido a faculdade de aspirar ao bem para que deseje unir-se a ele.

No De anima et vita libri três, de 1538, ele não se preocupa com a essência da alma ou da mente mas limita-se à observação baseada na experiência sensível. Uma obra que de certo modo antecipa as ideias dos grandes pensadores do século seguinte à sua morte, com ênfase na indução como método psicológico e instrumento para as descobertas científicas. Ele discute a associação de ideias, a natureza da memória, e até psicologia animal. Sua ideia central é que o conhecimento tem valor somente quando é posto em uso. Mas estas posições têm que ser escrutinadas em suas obras, devido a não terem sido apresentadas de modo sistemático, o que explica a injusta obscuridade de seu nome.

Um comentador moderno, assinala que as obras de Juan Luís Vives (1492-1540) tem por linha mestra desenvolvimento, virtude que significa comedimento associado à dignidade, presentes nas admoestações que faz no De Tradendis Disciplinis acima citado e nas suas demais obras que tratam da educação nas quais enfatiza a necessidade do controle das paixões.

O terceiro livro do De Anima et vita(1538) é dedicado às paixões, e por ele Vives tem sido considerado o pai da psicologia moderna.

Filosofia Política. Finalmente, em vários tratados e em especial no De subventione pauperum (em 1526) Vives mostra-se um planejador do bem estar público. Nessa obra, proíbe a mendicância, expulsa da cidade os forasteiros pobres, advoga asilos para os insanos, escolas para albergar crianças. Vives é, porém, favorável a que os pobres recebam do governo um salário, em troca de alguma forma de trabalho, recomenda o treinamento para aqueles que não têm nenhum mister, e mesmo os mais deficientes, inclusive os cegos, seriam treinados para prestar algum serviço a fim de receber seu pagamento. Com certeza Vives discutiu essa questão com Thomas More, uma vez que este defende um rendimento incondicional para os pobres no seu Utopia, de 1516. More considerava que era mais barato para o estado evitar o roubo proporcionando uma renda mínima aos pobres, que cuidar de muitos ladrões e assaltantes a serem mantidos nas cadeias. A ideia de Vives é, ao contrário, a de um salário mínimo garantido pelo Estado ao trabalhador, para os que não tivessem oportunidade e preparo para trabalhos de maior valor.

Vives não tem, no seu De communione rerum (1535), uma posição definitiva a respeito da legitimidade da propriedade. Porém Vives diz que as coisas de que temos necessidade, a natureza nos as mostra, e ensina, que são muito poucas e estão bem à mão e são facilmente alcançáveis. O homem inventa coisas dispensáveis e supérfluas em número infinito e que lhe custam muito trabalho. Seu apetite desordenado é resultado de pouco saber e de falsas opiniões. O pensamento de Vives pode ter sido apossado por Rousseau, no que diz respeito à sua fé na sabedoria da natureza em prover as necessidades humanas.

(1) A peça teatral Vives & March, de autoria de Josep Sanz, levada a público em leitura dramatizada em Valência, a 29 de janeiro de 2001, na sede valenciana da Sociedade General de Autores e Editores (SGAE), dentro do III Ciclo de Leituras Dramatizadas daquela sociedade, é uma comédia dramática em oito atos que faz a reconstrução imaginária da maquinação cruel montada no Tribunal do Santo Ofício de Valência contra a família de Vives. O pai, a sua cunhada, a sua prima e mais oito membros da família serão queimados em praça pública. E sua mãe, Blanquina March, já falecida, é julgada por haver, aos 14 anos de idade, “judaizado por indução familiar” e, vinte anos passados de sua morte, será desenterrada para cremação de seus restos em praça pública. Se diz que Vives, que viria a casar-se com uma judia conversa, nunca mencionou em seus escritos esse drama familiar.

(2) Nossos comentários relativos à “Educação” e à “Pedagogia” nas obras de Vives baseiam-se principalmente na página Juan Luís Vives, do “Departamento de Pedagogia, Andragogia, Comunicacion y Multimedios” da Universidade Francisco de Paula Santander, no endereço: http://bari.ufps.edu.co/dptos/dppedand/index.htm.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 13-01-2002.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Juan Luís Vives. Site www.cobra.pages.nom.br, INTERNET, Brasília, 2002.