Hoje: 23-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
A teoria comportamentalista (Behaviorismo) do estímulo resposta “S – R” diz que um estímulo externo, atuando sobre a mente, induz o indivíduo a um comportamento como resposta. Porém, Piaget, quanto ao conhecimento, e Lorenz, – citado por ele, – quanto ao comportamento, já endossavam a ideia de uma fórmula diversa, que desse relevância à condição fisiológica interna que os comportamentalistas até então não haviam considerado.
Piaget encontrou nos estudos de Konrad Lorenz muito em apoio de sua teoria de um substrato biológico para o conhecimento mas encontrou também um argumento objetivo no próprio esquema “S-R”. Com efeito, para que o estímulo desencadeie certa resposta, é necessário que o sujeito e seu organismo sejam capazes de a fornecer, daí a questão prévia ser quanto a esta capacidade.
O fato fundamental de partida é, portanto, a capacidade de fornecer certas respostas. O esquema deve ser, então, escrito, não “S-R”, mas, segundo Piaget, “S(A)R” em que “A” representa a assimilação do estímulo a certo esquema de reação orgânica – diríamos, o sistema associativo – que é fonte da resposta. Ele justifica: “Esta modificação do esquema S-R não decorre também de simples questão de rigor ou de conceptualização teórica. Parece-nos ser o problema central da evolução cognitiva” (op. cit, p. 159).
O que distingue os padrões de comportamento, para Lorenz é o fato de que eles não precisam sempre de um estímulo externo para se manifestarem, mas acontecem espontaneamente como que provocados por causas internas ao próprio animal. A partir de suas observações e citando Craig (1918), Lorenz (op. cit., p. 50) nega que o comportamento seja condicionado pelo meio-ambiente e se dedica ao estudo de padrões de comportamento instintivo e suas causas internas.
Essas causas internas às quais se pode recorrer como explicação do comportamento seriam de ordem estrutural e hormonal ou química. Porém, limitado aos conhecimentos de sua época, Lorenz não invoca uma estrutura associativa matricial nem as condições da química interna dessa estrutura, para explicar os comportamentos instintivos; ele apenas fala vagamente de “coordenações hereditárias” e “movimentos instintivos” e “impulsos” que provocam o surgimento espontâneo do comportamento (op. cit., p. 82-83). Houvesse Lorenz proposto uma fórmula, ele talvez a escrevesse assim: “C – O”, em que “C” é a condição interna e “O” é o objeto procurado pelo animal, induzido pela causa interna.
No entanto, nem a formula “S-R” dos comportamentalistas nem a fórmula “S(A)R” de Piaget, nem a nossa hipotética fórmula de Lorenz, para quem a condição interna viria em primeiro lugar, realmente satisfazem. Efetivamente, ilustrando o problema com um exemplo, se pode dizer, que, embora uma jarra de água casualmente encontrada possa despertar o desejo de beber, como um estímulo tipicamente “S – R”, normalmente apenas uma sensação de falta de algo, uma carência específica, nos levaria a desejar e buscar, ou aceitar, um copo de água, o que seria a fórmula C-O.
Mas é necessário considerar que, para um certo indivíduo, com certeza um copo de vinho ou cerveja fosse recebido com mais entusiasmo, e isto mostra que antes da hidratação propriamente dita, o que se busca é uma condição de bem estar, algo de excelência pessoal que ficou perdido devido à falha fisiológica de hidratação.
O processo associativo que determina a busca ou aceitação não envolve conhecimento explícito ou mecanismo consciente de inferência até o ponto em que o indivíduo chega à intuição conceitual de sede. Mas é evidente que sua intuição conceitual de “necessidade de água” não é uma tradução correta de sua intuição sensível. O que foi traduzido como ideia de sede foi, na verdade, um mal estar que ele sente e que poderá ser resolvido bebendo água. Porém, algo que possa, além de restaurar, também aumentar esse bem estar perdido será preferível, será um ganho maior. Trata-se portanto de viabilizar, de tornar possível, o bem estar, a satisfação, o prazer, para o que, no caso deste indivíduo em particular, o vinho e a cerveja são ainda melhores viabilizadores que a água.
No entanto, em situação adversa em que não tivesse o que beber, o indivíduo poderia ir ao extremo de iludir-se e ter visões de um lago onde somente existisse areia. Talvez uma água apenas um pouco salobra fosse investida com o gosto de água dulcíssima naquela contingência, mas a areia definitivamente nada conteria como infra-estímulo para receber um tal investimento de valor. Somente a alucinação a nível de loucura minimizaria os requisitos de infra-estimulação ao ponto de que a tomasse sem que sua ilusão se desfizesse.
O objeto do desejo é o “viabilizador”; o que ele contem como “infra-estímulo” é aquilo que lhe empresta condição como agente fisiológico, e o que ele contem como “objetivação” é o que o indivíduo projeta nele como sentimento de valor em função da sua maior ou menor necessidade dele, que o faz mais desejado mas que também explica o preconceito.
Então, talvez se aceitasse como fórmula geral do comportamento “C – V – E”, que expressa a condição interna “C”, o viabilizador para um comportamento de supressão da carência “V”, e a supressão da carência, ou estado de excelência “E”, este buscado através do comportamento em relação ao objeto “V”.
O viabilizador é primeiro um infra-estímulo que, recebendo uma valorização como algo que vai trazer um bem estar, prazer, sentimento de excelência pessoal, felicidade, está objetivado idealmente para uma função para a qual pode servir bem ou mal em diferentes graus de eficácia, ou não servir absolutamente e ser causa de uma frustração. Como infra-estímulo, foi apossado como objeto natural para o fim de fechamento satisfatório de uma configuração associativa em desequilíbrio fisiológico. É, no entanto, algo complexo e tem suas características sensíveis externas e suas características contextuais pela forma como se envolve em diversas configurações associativas do indivíduo, o que pode ser chamado, no conjunto, o seu “desaine” (design). E é justamente isto que permite que seja enriquecido através da objetivação ideal.
Como impressão sensível, seu desaine (design) confronta a configuração associativa gravada na matriz a fim de encontrar sua adequação. Desse confronto, se favorável, resulta a condição fisiológica do prazer e, no homem, do sentimento geral de felicidade. As suas características contextuais criam seu nicho associativo onde satisfaz ou não a fisiologia do sistema, de tudo resultando o valor maior ou menor que lhe será projetado.
Um elemento contextual do viabilizador é, por exemplo, seu “alcance”. Comportamento não é em um sentido só, mas ação e reação. É buscar e evitar perder. Ora é controle, ora é reação. Então o objeto de interesse é um viabilizador também por que foi avaliado para o êxito do comportamento. Sem que haja perspectivas de o indivíduo atingi-lo, de consumar sua posse, automaticamente o objeto perde seu valor. Na exposição de seu terceiro preceito moral, na III Parte do Discurso, Descartes faz essa observação, de que nossa vontade naturalmente “busca somente aqueles objetos que o entendimento representa como de algum modo possível de serem alcançados”.
O risco cresce inversamente com o alcance. Numa certa medida o valor depende de uma disposição de enfrentar riscos. A carência maior de uma configuração aumenta a tolerância às desfigurações do desenho que vai satisfazê-la. Do balanço carência-versus-alcance resulta o sentimento de valor. É o móvel do homem na ligação de engate que tem com seus diversos projetos. Estabelecido o alcance a ligação do sujeito ao objeto “V” é uma paixão irremovível. Não é possível remover o vínculo, senão pela alteração das configurações associativas envolvidas, o que pode ser conseguido mediante o que os psicanalistas chamam “racionalização”.
Como ressalta em toda a sua obra Piaget, o comportamento do homem depende de matrizes inatas, mas essas matrizes também incorporam dados da experiência. Pode-se então supor duas categorias de motivação do homem. Uma categoria que se poderia dizer mais primitiva, voltada para viabilizadores e alvos claramente de interesse biológico, que deflagram comportamentos cujo movimento já está pre-gravado nos núcleos primitivos das matrizes genéticas, e outra que se poderia dizer cultural, em que os alvos e viabilizadores dependem de uma região associativa maior e desenvolvida pela experiência, portanto das configurações associativas acrescidas às matrizes.
Porém o que é mais importante com respeito ao motivo do comportamento é a própria condição mobilizadora do sistema, e não o objeto do comportamento. Por isso que, salvo as carências mais intensas e que são tornadas óbvias, não se compreende facilmente o móvel do comportamento humano.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 06-12-2009.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – A Motivação. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2009.