A Existência de Deus

Hoje: 21-11-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

1. Provas ou apenas antinomias?

Dos esforços de vários filósofos para construírem provas a favor ou contra a existência de Deus, resultaram vários argumentos lógicos com a assinatura de algumas das maiores figuras da História da Filosofia. Porém, Kant, em sua crítica à Teologia Racional, descarta a todos esses argumentos chamando-os antinomias, ou seja, o dito pelo não dito. Mas, para mim, esses argumentos abrem um caminho lógico inédito, para uma prova que não é de ordem apenas metafísica mas também prática.

2. O argumento ontológico

Talvez o mais debatido entre os filósofos medievais e modernos, o argumento ontológico procura provar a existência de Deus a partir do próprio conceito de Deus.

“Ontologia” é a Filosofia do “Ente” ou “Ser”; – discute a natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres. “Ontos” significa, em grego antigo, indivíduo ou Ser, e “logia” significa estudo. Portanto, “ontologia”, considerando-se o gênero humano, é o estudo filosófico investigativo, do indivíduo como “Ser humano”, pelo que é e em comparação com os demais seres vivos. Portanto, uma prova ontológica da existência de Deus é aquela que O toma como um “Ser” existente, e escolhe um dos Seus atributos ônticos, ou ontológicos, para dele fazer derivar uma prova lógica da Sua própria existência.

A palavra “Deus” anuncia um Ser perfeito, ela somente se aplica a um Ser que tenha o atributo de perfeição. O argumento é que a um Ser perfeito não poderá faltar a existência, logo Deus existe. Este argumento remonta a Santo Anselmo, filósofo, teólogo e arcebispo católico de Canterbury no século XI, e por isso é conhecido como “Prova de Santo Anselmo”. Ele sustenta que, uma vez que apreendemos mentalmente o conceito de Deus, podemos ver que a não-existência de Deus é impossível.

Um outro argumento ontológico parecido foi também utilizado pelo filósofo francês René Descartes, que acreditava em idéias inatas. Segundo ele, o homem tem a idéia inata do que é a perfeição, e somente um Ser perfeito poderia ter colocado essa idéia em sua mente. E a conclusão é a mesma de Santo Anselmo: a um Ser perfeito não poderia faltar a existência, logo Deus existe.

A principal objeção ao argumento ontológico é que a existência desse Ser perfeito permanece uma hipótese no mundo das ideias, sem vínculo com o mundo real. Alguma coisa no mundo real teria que corresponder a esse Ente imaginado, ou a seus predicados, como garantia de sua existência.

3. O argumento Cosmológico

O argumento cosmológico consiste na enumeração de causas dos fenômenos até se chegar a uma causa não causada, que seria Deus, um Criador que transcende o tempo, que não tem começo nem fim.

Esta é uma prova que parte do concreto, do que existe e, por essa razão é a mais popularmente aceita. Aponta Deus como causa primeira e necessária para a existência do cosmos – o universo ou mundo – que conhecemos. Remonta a Aristóteles.

A dificuldade deste argumento é que, se perguntamos pela causa da existência do universo, podemos igualmente indagar o que causou Deus existir. E se Deus não precisou de uma causa para existir, então também o universo poderia, igualmente, não precisar de uma causa para estar aí como está.

O filósofo Emmanuel Kant considera este argumento inaceitável porque, segundo ele, não há motivo algum para se suspender a aplicação da categoria de causalidade, interrompendo uma sequência de causas em uma causa sem outra causa antecedente.

4. O argumento teleológico

A terceira suposta prova da existência de Deus é o chamado “o argumento teleológico”, que procura provar a existência de Deus pelo fato de que o universo é ordenado e que todos os seres da natureza cumprem algum fim, servem para alguma coisa. O argumento é que só uma inteligência criadora poderia ter adequado as coisas à realização de certas finalidades, colocando os planetas em suas rotas em meio a gigantescas galáxias, até a organização microscópica dos menores seres vivos. Isto não teria acontecido por acaso mas sim, pensado por um Ser sapientíssimo, Deus.

Contra este argumento Kant diz que a teleologia é um método empregado para descrever a realidade, e que de um simples método de organizar o conhecimento não se pode extrair qualquer outra conseqüência. Afirma que, do conceito de fins, não podemos tirar nenhuma outra conseqüência senão que tal ou qual forma é adequada a um fim.

5. O milagre: uma falsa prova?

Há ainda o argumento do milagre, cujo debate Locke, Hume e outros filósofos trouxeram para a filosofia, criticando-o como duvidoso, falso e mesmo ridículo.

O significado de Milagre é, de acordo com a palavra latina miraculu, alguma coisa maravilhosa, que não se explica pelas leis da natureza, acontecimento admirável, espantoso. No sentido teológico, milagre tem sido empregado para qualquer manifestação da presença ativa de Deus na história humana, uma definição que ignora os modos como essa manifestação pode ocorrer, como desejo mostrar a seguir.

Usando os instrumentos da filosofia quero discutir, sem preconceitos, se milagres são possíveis, uma vez que a sua verdade haveria de fazer deles a mais convincente prova de que Deus existe.

6. Não pode faltar a Deus deixar-se provar

Se prosseguimos nos passos do Argumento Ontológico que examinamos na página anterior, eles nos levam à conclusão lógica de que a misericórdia é uma perfeição moral e não pode faltar a um Ser perfeito. Nele a misericórdia coexiste com a justiça e o poder. Infinitos. A minha tese portanto é que se Deus é perfeito e sumamente misericordioso como pede o próprio conceito de divindade, então não pode faltar à Sua perfeição e à Sua misericórdia que Ele se deixe provar cabalmente, por meio de uma evidência clara e inquestionável.

7. O milagre redefinido

Porém, há mais o que deduzir quanto à misericórdia de Deus, porque Ele pode manifestá-la de duas formas, não mais que duas. A primeira, quando Sua misericórdia se realiza atendendo a uma súplica, e a segunda, quando Ele se condói da miséria e se manifesta com uma ação espontânea de misericórdia.

Nos fatos que são indistintamente relatados como milagres, podemos distinguir aqueles que são respostas a uma prece – a estes é que reservo a designação de milagre –, daqueles outros que são graças não esperadas, de iniciativa do próprio Deus, e que, para mim, são testemunhos. Porém, tanto na visão popular como na visão filosófica, não se considerou ainda que essas duas formas distintas estão incorretamente incluídas no mesmo conceito, e precisam ser separadas. É imprescindível distinguir, na Teologia Natural, “milagre” de “testemunho”.

8. Testemunhos

Hume faz uma crítica aos fatos bíblicos como Cristo caminhar sobre as águas ou elevar-se ao céu ou, no que é dito ser o Velho Testamento, a travessia do Mar Vermelho pelos judeus, mas falta-lhe essa distinção que eu faço, entre milagres e testemunhos. Apesar de que ele se refere indistintamente às duas coisas – como ainda hoje se faz –, seu texto é dirigido mais ao que eu chamo “testemunho”, e neste caso está também São Tomás, de quem se pode ver que Hume tomou parte da sua definição de milagre.

Os fatos mencionados por Hume, que estão nos chamados Velho e Novo Testamento, em que a natureza teria sido claramente contrariada, não são milagres, como ele diz. São testemunhos. Falta-lhes, em sua origem, aquilo que considero fundamental na definição do milagre: a relação da vontade de Deus com a vontade humana – não são consequências de um pedido que desperta a misericórdia divina.

Nos testemunhos, o poder de Deus é claramente manifestado a todos, o que tornaria completamente dispensável uma fé previamente existente. São acontecimentos capazes de despertar a fé naqueles que não a tiverem. O testemunho infunde respeito e temor, e serão logicamente aceitos como provas da existência de Deus, mas não são milagres.

9. Prova do milagre redefinido

O segundo dos dois únicos modos possíveis de ação da misericórdia, como visto, é aquele em que o Ser misericordioso faz a mercê por um acordo de sua vontade com a vontade daquele que a solicita. É a resposta, no caso, dada a uma prece ou oração. E para mim, os fatos que, dentro da Teologia Natural, podem representar essa convergência das duas vontades – que é também a convergência das duas naturezas, a humana em sua aflição, e a divina em seu poder e misericórdia –, são principalmente os milagres. Deus se deixa provar numa relação de sua vontade com a vontade humana, justamente quando concede o milagre.

No entanto, para que o milagre seja uma prova válida, ele precisará ter, primeiro, o caráter de uma resposta verificável, empírica, afeta aos sentidos e, segundo, ser universalmente testado.

Faltará, evidentemente que ele seja uma resposta empírica verificável, porque participam da prova, não propriedades de corpos ou substâncias, mas faculdades que são uma vontade misericordiosa e uma vontade suplicante, e ambas são livres. A resposta poderá ser tanto um efeito físico, por exemplo uma cura, ou ser uma inspiração com nexo naquilo que foi pedido.

É de se esperar, portanto, que o milagre seja verdadeiro e inequívoco apenas para aquele que o solicitou, e permaneça para os outros sempre contestável, sempre explicável como simples fenômeno físico, ou como um fenômeno psicológico, ou simplesmente atribuível à sorte, a uma certa probabilidade estatística, como se nenhuma intervenção metafísica houvesse ocorrido. Porém, como essa experiência factual, nunca falha face á misericórdia infinita, uma resposta de alguma natureza será dada, na forma de algo externo que acontece, ou de uma inspiração. Adquire-se então, entre os que a experimentam, a certeza de que ela prova a existência de Deus.

Mas, o segundo requisito – que a experiência possa ser universal –, este será decisivo. A questão, quanto a esse item, é se qualquer pessoa que solicite um milagre haverá de recebê-lo, ainda que seja no âmbito de sua compreensão apenas, como uma resposta inacessível à compreensão das demais pessoas. Pedir e não receber invalidaria a teoria do milagre como prova.

Em tese, o milagre pode ser experimentado por todos, dentro de condições que todos podem reproduzir, adquirindo desse modo o caráter universal da prova científica verificável por qualquer pessoa, ou mesmo que falseada, se reconstruirá com provas de sua veracidade.

10. O caminho do não-crente

Para que o milagre seja uma prova universal, todo ser humano, inclusive o não crente, deve ter acesso a ele. Então, para quem já acredita, pedir por um milagre e ver que uma resposta é dada à sua prece fará apenas aumentar a sua fé. Mas o ateu precisa de um testemunho, de uma evidência clara, insofismável e incondicional, como seria, por exemplo, que Deus desse duas novas pernas a alguém que tivesse perdido as suas, ou que o sol girasse no céu, ou qualquer outra coisa que contrariasse com toda evidência as leis naturais.

Que Deus atendesse a uma imposição estaria fora daquelas duas únicas formas de ação da misericórdia. Pedir-Lhe com arrogancia um testemunho é ignorar a Sua vontade, é um ato de provocação que os teólogos dizem que é “tentar a Deus”. Portando, a misericórdia, por definição, não comporta exigências nem a arrogância. A atitude correta seria a humildade.

Então, a única saída lógica que vejo seria o ateu sanar sua falta de fé, substituindo-a pela humildade (deixando de ser crítico e arrogante ) e pedir por um milagre em uma prece íntima , de antemão abrindo sua alma à qualquer resposta que tenha nexo com o seu pedido. Se Deus existe, e como a infinita misericórdia seria um atributo necessário da Sua perfeição, essa resposta virá de modo inteligível para o suplicante.

11. A ante-prova da existência de Deus

Considerando tanto o mal moral, quanto o mal físico, o homem está sempre em risco de praticá-los ou de sofrê-los. Vendo a ocorrência do mal no mundo, muitos se perguntam se Deus existe. Esta é, efetivamente, uma questão intrigante para muitas pessoas. Se Deus criou o mundo e também o mal que nele vemos, então não é perfeito; se criou o mundo e não tem poder bastante para afastar o mal, não é infinitamente poderoso; e se colocou propositadamente o mal no mundo para nos provar na infelicidade, nesse caso, não é sumamente bom e misericordioso. E ainda, se Deus permite o bem e o mal moral para ver qual dos dois vence na alma de uma pobre criatura, isto nos confundiria ainda mais.

O mal no mundo foi visto por São Tomas e por Leibniz como necessário para que o Bem apareça, para que o Bem possa ser praticado. Sem a possibilidade de escolher entre um e outro, não seriam possíveis decisões da vontade no campo moral. Como dele podia resultar o Bem, então o Mal era bom. Portanto, segundo Leibniz, sendo o mal necessário, Deus havia criado não um mundo perfeito, mas o “Melhor dos Mundos Possíveis”.

12. Contra-prova

Mas, em meu entender, há um outro modo de encarar o mal, não como necessário, como foi considerado por aqueles filósofos, porém como acidental. O mal, físico ou moral, em hipótese alguma é bom ou pode ser tolerado.

A vida e o universo existem tal como são porque estão entranhados de movimento. E este movimento respeita uma certa ordem que é regida por Leis Naturais (o que diz respeito ao argumento teleológico, visto acima). Fosse o universo caótico, sem Leis, e os corpos e a vida – o homem, em suma –, não poderiam existir. E se de algum modo o homem fosse parte desse caos, não haveria como manifestar sua vontade livre.

Deus criou as leis que regem o universo, as quais, seguidas à risca pela natureza, surpreendem os homens a todo instante e, se não pode preveni-las ou não pode vencê-las, elas podem se tornar a causa do sofrimento humano. O homem vai aos poucos, lentamente, desvendando as leis da natureza e livrando-se do mal. E basta ver como o mal se apresenta, para sabermos que pode ser transitório, e um dia – ainda que terrivelmente remoto, infelizmente –, o homem possa bani-lo inteiramente de sua vida.

Assim, pelo conhecimento das leis morais e domínio das leis naturais, o homem segue a trilha de um aperfeiçoamento constante, na busca de uma felicidade terrena sempre maior, que parece ser o seu destino remoto, enquanto neste mundo.

NOTA: Esta página (como a anterior) desenvolve conteúdo do capítulo 16 do livro Filosofia do Espírito (1997), do mesmo autor. O tema foi explorado também no conto Diálogo com um ateu.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 06-12-2009. (R 02-01-24)

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Para citar este texto da Internet: Cobra, Rubem Q. – Provas da Existência de Deus. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2009.