Mesa de Refeições: seu Aparelhamento e o Uso dos Talheres

Hoje: 21-11-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

O aparelhamento da mesa de refeições consiste em cobri-la com um forro protetor e equipá-la com os utensílios para o tipo de serviço escolhido. Estes utensílios são basicamente travessas, pratos e talheres, copos e taças, acrescidos de outros conforme sejam necessários aos pratos a serem servidos e ao modo de servir. É o caso dos galheteiros para óleo e vinagre, da manteigueira, dos saleiros, dos talheres especiais para moluscos, dos descansos para talheres, tigelinha de lavanda, etc. A decoração da mesa pode ser considerada também parto do seu aparelhamento.

Toalha. Uma toalha de fino artesanato é usualmente reservada para refeições com menor número de convidados. Para uma recepção com várias mesas, empregam-se toalhas de boa qualidade em damasco ou outro tecido decorado de fábrica, principalmente se há que cobrir várias mesas de modo igual. Podem ser colocados sob a toalha,  um forro de plástico ou uma toalha tipo moletom para melhor proteger um tampo de madeira nobre,.

Decoração. A toalha que cobre a mesa tem função decorativa somada à de proteger o imóvel do calor dos pratos, arranhões eventualmente causados por talheres e outros acessórios de mesa. Precisa estar limpa e sem qualquer cheiro. Também a decoração floral não pode exalar perfume ou cheiros fortes, e deve ser baixa, de modo a não impedir o contacto visual entre os convidados, e disposta de modo a não dificultar o serviço. A decoração com velas acesas, somente à noite.

A louça. Constituem peças básicas de um serviço de jantar o prato de refeições e o prato pequeno de pão. Pratos para uma refeição formal nunca são inteiramente lisos, e em geral ostentam algum tipo de decoração, a qual, somada à boa qualidade da louça, muitas vezes fizeram famosos seus fabricantes ou o país ou região de origem: louça chinesa, louça da Bavária, da Índia, etc. Se o prato é decorado com um motivo central que tem topo e base (Ex.: uma pequena paisagem campestre), esse motivo deve ficar horizontal, a base voltada para o convidado. Se a decoração é um emblema (Ex.: um brasão), este fica direcionado para o centro da mesa, e se for um motivo apenas decorativo impresso em uma das bordas (um raminho de flores), fica na posição 2 horas. Deve se deixar um espaço mínimo de 80 centímetros entre os pratos.

Sous-plat. Também chamado “prato de apresentação” e “prato de serviço”, o sous-plat  [Pron. “suplá”; ­ do francês, “debaixo ou sob o prato”] funciona como uma bandeja. É um prato raso um pouco maior que o prato comum, deixado diante do comensal. No serviço à francesa, sobre ele são sucessivamente colocados o prato de sopa e, na sequência, o primeiro prato e depois o principal, e o prato de queijos, se houver. É removido junto com este último, antes da sobremesa.

Além de proteger a mesa e a toalha como um isolante do calor, principalmente no caso de sopas e caldos quentes, o sous-plat tem também uma importante função decorativa, por emprestar maior sofisticação ao arranjo da mesa. Em geral é utilizado apenas em ocasiões formais e nos bons restaurantes. Produzidos originalmente apenas em prata, hoje os seus materiais variam, desde a finíssima prata, até porcelana colorida, cristal, vidro e cerâmica, sem perderem sua característica de robustez. Normalmente o sous-plat não faz parte do jogo de jantar, e tem seu próprio motivo decorativo.

Pratos ou taças para sobremesa têm prato de serviço menor que o sous-plat. O talher da sobremesa, depois de usado, é deixado sobre esse pratinho e não dentro da taça.

Fig. 1

Copos. São colocados adiante do prato, um pouco para a direita, deixando-se espaço para os talheres de sobremesa. São no mínimo dois copos-de-pé, um maior para água e, à direita deste, outro menor para vinho. No caso de serem servidos vinhos branco e tinto, os copos estarão dispostos em escala decrescente de altura e capacidade, da esquerda para a direita: o maior para água, seguido do copo para vinho tinto (que tem tamanho médio) e do copo destinado ao vinho branco (menor). O copo de vinho tinto pode variar de formato. O menos bojudo é chamado bordalês, e o mais recurvado é o tipo borgonhês (Fig. 1). Pode ser acrescentada à direita uma taça para champanhe, mas se é do tipo “flauta”, será colocada fora da linha, um pouco para trás. Na ordem indicada os copos podem ser servidos com mais facilidade pelo garçom, pela direita do comensal, sem que, ao servir o primeiro, o corpo ou bojo da garrafa atinja a borda do copo vizinho.

Guardanapo. No aparelhamento da mesa, o guardanapo é colocado à esquerda do prato, junto aos garfos, ou no pratinho de pão se este estiver sobre o sous-plat, ou diretamente sobre o sous-plat. É dobrado em mitra, em triângulo ou retângulo (em formas simples, e não com exageros de criatividade, como se fosse um origami.

Em uma recepção para almoço, chá ou jantar sentado, guardanapos de pano como damasco ou linho são a regra, mas o guardanapo de papel que imita esses tecidos, comumente os substituem em ocasiões informais, e principalmente em coquetéis.

Fig. 2

Talheres. O Aurélio informa que a palavra vem de tailhoir, do francês, significando “prato de cortar carne”, que passou a designar os utensílios de cortar e servir. Os talheres variam em tamanho e forma segundo suas finalidades, o material de que são feitos, e quanto ao design das peças de um e outro fabricante. Antigamente feitos de prata ou de estanho, modernamente são predominantemente de aço, tanto o inoxidável como o recoberto com prata. Sua variedade de formas (Fig. 2) obedece a finalidades específicas – o garfo para espetar e carregar sólidos; a colher, para líquidos e cremes; a faca, para cortar. À mesa, são dispostos numa certa ordem, junto ao prato da refeição . A ordem é simples, apesar de que são dois sistemas.

Dois modos de uso do talher, e de servir. O manuseio do talher tem duas orientações vigentes na hotelaria, decorrentes de certos aspectos históricos definidos na Inglaterra e na França no século XVIII, correlacionados com modos de servir a refeição, que diferiam na ilha e no continente.

O serviço à inglesa pode não requerer mais que uma ou duas facas  e um ou dois garfos, pois toda a comida está resumida a um único curso, que reúne carne, massas e legumes dispostos separados no mesmo prato, precedidos de uma salada.

Os ingleses colocam sobre a toalha os garfos e as colheres com a sua concavidade e pontas voltadas para cima, e nessa mesma posição também eles estarão em descanso sobre o prato, e serão deixados ao final da refeição. As facas ficam à direita do prato e os garfos à esquerda.

No modo francês as facas ficam à direita do prato e os garfos à esquerda, como no modo inglês, porém são utilizados talheres variados, porque a refeição tem mais de um prato, podendo compreender três ou mais, e colheres e garfos ficam emborcados, dispostos sobre a mesa com as costas para cima, a concavidade e as pontas voltadas para baixo.

A diferença entre a disposição inglesa dos talheres  e a posição francesa, com as costas para cima, é explicada por vários autores como a diferença ao exibir as armas da família: os franceses faziam a gravação nas costas do garfo, enquanto os ingleses as imprimiam no lado oposto. E nessa posição também eles estarão em descanso sobre o prato, e serão deixados ao final da refeição.

No aparelhamento à inglesa são colocados talheres e louça nas cabeceiras da mesa. No modo à francesa não há assentos nos extremos.

Mas a principal diferença entre o modo inglês e o francês está no modo de segurar, e qual a mão que empunha o talher ao comer.

Os ingleses consideram que os garfos e facas ficam nos lados correspondentes às mãos que vão utilizá-los apenas para cortar, não para comer. Para cortar, o garfo, seguro na mão esquerda, retém a peça que é cortada com a faca segura com a mão direita. Utilizada a faca, ela é deixada descansando sobre a borda superior direita do prato (fig. 3) e o garfo volta para a mão direita, para levar o alimento à boca. Quando for cortar novamente uma porção, a pessoa volta o garfo para a mão esquerda e utiliza a faca com a mão direita. No decurso da refeição o garfo é seguro por pressão do dedo polegar contra os dedos indicar e médio.

Para comer ao modo francês, os europeus da Europa Continental, usam o garfo todo o tempo na mão esquerda e a faca na mão direita, não apenas quando cortam a carne ou outro alimento, mas igualmente para comer. O garfo é seguro com o envolvimento de todos os dedos da mão esquerda. Um montinho da comida é moldado elegantemente nas costas do garfo – lado convexo – com o auxílio da faca, segura pela mão direita, e assim levado à boca, com a mão esquerda.  Portanto, para imitar os franceses, não basta comer com a mão esquerda: é preciso também saber utilizar o garfo com o lado convexo para cima e dentes para baixo.

O modo francês tem a vantagem da rapidez, muito importante quando se come apressadamente, em tempo para ouvir discursos e participar de brindes sem ter que deixar a refeição inacabada.

Fig. 3

Pausas. Um talher usado nunca é deixado sobre o forro da mesa nem sobre o sous-plat. É ruim sujar a toalha da mesa, e  igualmente impróprio sujar o sous-plat ou prato de serviço com alguma partícula ou gordura dos talheres.  Quando o conviva abandona os talheres para usar o guardanapo, partir o pão, etc., ele não usa o descanso para talheres. A faca é deixada obliquamente em dois pontos de apoio sobre a borda do prato em uso, na posição da corda de um arco, a ponta para o lado mais afastado do prato, o cabo na borda direita, e o corte voltado para o centro do prato..

Se o comensal descansa também o garfo, este é deixado sobre o prato, direcionado para a frente, com o cabo voltado para ele, fazendo um triângulo com a faca que esta obliquamente na borda do prato, e com a concavidade para cima, se o manuseio é à inglesa, e com a concavidade voltada para baixo, se usado à francesa (Fig. 4-A).

A peça chamada “descanso para talheres” é usada somente durante uma troca de pratos, ou se a pessoa estende o prato para facilitar ser servida, ou se vai ao bufê servir-se uma segunda vez. Existem vários tipos de descansos para talheres, em metal e mesmo esculpidos em ágata, para serem usados nesses momentos (fig. 4-B). Alguns descansos para talheres têm metade adaptada para a faca, e metade adaptada para o garfo. São dispostos do lado direito do prato com o lado do garfo voltado para o prato. Se não houver descansos para talheres, a pessoa deve retê-los consigo, segurando-os juntos, na mão esquerda, em posição horizontal ao nível da mesa, e não na vertical.

O que nesse caso se aplica aos talheres, aplica-se também aos pauzinhos, na comida japonesa. Porém, como os pauzinhos são redondos, o descanso é côncavo, na forma de lua crescente; para os talheres ele pode ser horizontal, mas o modelo arqueado é mais seguro para evitar que as peças caiam sobre a toalha.

Ao final da refeição o garfo e a faca são deixados sobre o prato unidos em paralelo, a faca à direita do garfo, o lado cortante da faca voltado para o interior do prato, com os cabos apoiados na borda do lado direito, na posição que se convencionou chamar “dos ponteiros do relógio às quatro e vinte” (Fig. 4-C). Aqui também observa-se voltar a concavidade para cima ou para baixo de acordo com o modo inglês ou francês. É considerado reprovável deixar os talheres inclinados, do lado de fora e de cada lado do prato, com as pontas apoiadas nas bordas, como as asas abertas de uma ave.

No Brasil. O modo francês que usa a mão esquerda para comer, com a faca permanentemente na mão direita para ajudar, tem apenas seu fundamento histórico, enquanto o modo inglês que também tem seu fundamento histórico, me parece mais racional, uma vez que a grande maioria das pessoas faz o manuseio dos objetos predominantemente com a mão direita. É um modo mais lento e elegante de comer e traduz bem a proverbial fleuma dos ingleses (Fig.3).

Fig. 4

O modo inglês é próprio do nosso país desde a época colonial, pois era usado em Portugal, que teve profunda ligação histórica com a Inglaterra, à qual apoiava em suas guerras contra a França. Em 1662 Carlos II da Inglaterra se casou com Catarina de Bragança, filha de dom João IV, rei de Portugal. À época da colonização, o costume inglês adotado em Portugal se deslocou para suas colônias. O uso no Brasil do garfo na mão direita, embora tenha sido renegado ao final do Império devido ao neocolonialismo francês de nossas elites, é um traço original da cultura brasileira que ainda predomina e, pelo seu fundamento histórico importante, deveria – por que não? – ser preservado pelos brasileiros – inclusive pelos que se enamoraram incondicionalmente da França – como um valor cultural autêntico e correto de brasilidade.

 A refeição completa. Os franceses criaram a refeição em vários cursos ou etapas, em que os pratos são servidos em uma sequência orientada, dos considerados mais leves e preparatórios da digestão, aos pratos de carne, considerados mais pesados e servidos ao final, seguidos de um prato de queijos.  O hábito francês dos vários cursos de pratos e da sua ordenação fisiológica (V.p.f.a Refeição: roteiro completo) espalhou-se por todos os países mais adiantados.

Note-se porém que “comer à francesa”, ou “à inglesa”, é independente de “servir à francesa” ou “servir à inglesa”. Em um serviço à francesa com vários pratos, o comensal pode usar os talheres “a inglesa”, e vice-versa. O que deve ser observado é o modo como os anfitriões comem, e imitá-los por cortesia e respeito. No continente europeu e na roda de certos grupos francófilos, pode-se estar preparado para o modo francês; na Inglaterra, nos Estados Unidos e em outros países que tiveram a influência britânica, como o Brasil, o provável é que o modo predominante à mesa seja o inglês, mesmo que a refeição tenha vários cursos, como o serviço sentado à francesa.

O tipo e o número de talheres obedecem ao plano da refeição e esta é a razão de tantos talheres, e porque eles variarem de forma e tamanho, como mostra a Fig. 5.

Fig. 5

Ao ver o grande número de talheres colocados na mesa junto ao prato, em um serviço sentado à francesa, o comensal pode recear se confundir. Mas há uma regra geral bem simples. O talher a ser usado é o que está mais afastado do prato. Alguns talheres poderão ser retirados pelo garçom ou substituídos por outros diferentes, e isto dependerá do prato escolhido para a refeição. Porém ele os recolocará na mesma ordem em que serão usados, o primeiro mais longe do prato.

Na figura 5 estão dispostos os talheres para um almoço ou jantar informal de quatro pratos: a ostra como aperitivo, uma sopa ou caldo como entrada, o primeiro prato e o prato principal. Os copos são para água e duas qualidades de vinho. Como dito, a ordem dos talheres e dos copos é a mesma em que os pratos serão servidos: os primeiros talheres a serem usados são os mais afastados do prato. O pequeno garfo de três dentes (1) é o usado para comer ostras; a colher (2), para a sopa; a faca e o garfo mais externos (3 e 4) serão para o primeiro prato, geralmente uma carne branca como peixe ou frango. Se for peixe, esse jogo de talheres será substituído pelo que é próprio para comer peixe. A faca e o garfo mais próximos do prato (5 e 6) são para o prato principal. Os demais talheres e utensílios são a faca de manteiga (7); o guardanapo (8); o sous-plat ou prato de serviço (9); o prato de pão (10); e os copos, o de pé maior (11), para água;. o copo médio (12) para o vinho tinto que acompanha o prato principal;. e o copo de pé menor (13), para o vinho branco que acompanha o primeiro prato. Os talheres de sobremesa (14) são trazidos à mesa junto com o prato de sobremesa. Mas podem também ser deixados sobre a toalha desde o início da refeição, colocados logo acima do prato de serviço, linearmente entre o pratinho de pão (ou de manteiga) e os copos. Os cabos da colher e da faquinha de sobremesa são voltados para a direita e o cabo do garfo para a esquerda.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 00-00-2001.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Mesa de refeições: seu aparelhamento e o uso dos talheres. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2001.