Hoje: 21-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
É bastante simples em suas linhas gerais a fabricação do vinho. Consiste no esmagamento das uvas, fermentação da pasta, decantação, nova fermentação do líquido, filtragem e engarrafamento. Eu pude acompanhar uma experiência de fabricação doméstica, feita por um conhecedor do processo, o agrônomo – e em outra época viticultor – Dr. Alvacir Fedalto. A bebida produzida dessa forma rudimentar dificilmente é alguma coisa de bom paladar, porque há muitos fatores que não podem ser controlados nessas condições. Mas a experiência valeu-me para a compreensão de muitas questões que se prendem à qualidade dos e que até então eram para mim apenas de conhecimento teórico. O fabrico compreende seis etapas:
1. As uvas, cerca de dois quilos, são esmagadas em um balde com as mãos. A massa de miolo e casca é deixada passar por uma decantação e uma primeira fermentação de uns 15 dias. Se o clima estiver frio, é necessário enrolar um cobertor no balde, para conservar a temperatura da fermentação.
NOTA: Na indústria, o esmagamento da uva é feito em cilindros metálicos perfurados, onde pás giratórias criam uma pasta de suco, cascas e sementes. Na fabricação de vinhos tintos as cascas das uvas vermelhas (roxas ou azuladas) são mantidas por algum tempo no processo e assim emprestam sua cor ao líquido. Além dos pigmentos da cor, as cascas cedem também o seu tanino, que dá ao vinho tinto um paladar adstringente. O vinho branco pode ser feito de uvas brancas ou, mais raramente, de uvas vermelhas, desde que separadas as cascas no início do processo. Após alguns dias, o suco é separado. Os vinicultores aproveitam o bagaço (cascas e sementes) para produzir a graspa ou bagaceira. O processo consiste em adicionar ao bagaço água fervida e açúcar, e deixar fermentar novamente, para depois destilar. Mas isto nada tem a ver com o fabrico do vinho propriamente.
2. Na experiência artesanal, após a primeira fermentação no balde, o líquido estará separado, ficando as cascas em cima, e os caroços da uva em baixo. Inclina-se o balde, segurando o bagaço das cascas e deixando vazar lentamente o líquido através de um funil para um garrafão.
A rolha do garrafão tem um furo no qual é fixada a ponta de uma mangueira fina. O ajuste tanto da mangueirinha na rolha como da rolha no gargalo do garrafão tem que ser perfeito, bem apertado. A outra ponta é metida em um copo com água. Os gazes que se formarem durante a segunda fermentação escaparão pela mangueirinha e farão a água do copo borbulhar. Este processo simples permite o gás escapar sem que entre ar no interior do garrafão.
Começa no garrafão uma segunda fermentação, agora protegida de contacto com o ar (fermentação anaeróbica). O líquido tem aspecto sujo, amarelado se a uva é branca, avermelhado se a uva é roxa.
NOTA. A levedura (cultura de fungos unicelulares) intervém de modo fundamental na elaboração do vinho: sem leveduras não existe fermentação, sem fermentação não há vinho. As leveduras se incorporam na massa do mosto no momento do prensado, transformando o açúcar do mosto, principalmente em álcool etílico e gás carbônico. O fungo responsável pela fermentação mais comum é o Saccharomyces cerevisae.
3. Após outros 15 a 20 dias de fermentação, é necessário remover o precipitado que o líquido impuro deixou no fundo do garrafão. A borra é uma papa grossa da mesma cor leitosa a marrom clara. O líquido é sifonado para um outro recipiente e o garrafão limpado da borra.
Para sifonar, prende-se a ponta de uma mangueirinha a uma vareta, de modo que a abertura por onde entrará o líquido, fique uns três cm. cima da ponta da vareta. Retira-se a rolha mergulha-se a mangueirinha no líquido, encostando a ponta da vareta no fundo do garrafão. A entrada da mangueirinha ficará mais alta, e não irá aspirar a borra que está no fundo do recipiente.
4. A fim de tornar o vinho mais suave, uma porção do líquido é aquecida em uma vasilha na chama do fogão, adicionando-se a ele um certo percentual de açúcar. Se a uva é muito doce, bastam 2% de açúcar (90 g para um garrafão de 4 litros e meio), caso contrário, adicionar um pouco mais. de açúcar. Essa calda é posta a ferver e dá muita espuma que sobe na vasilha, sendo necessário por esse motivo estar atento e controlar o fogo.
5. Misturada a calda ao vinho, este volta para o garrafão para a 3ª fase de fermentação do mesmo modo que foi a segunda. Esta fase, porém, será muito mais longa, e vai durar enquanto os gazes da fermentação formarem bolhas na água do copo. Ao final, o vinho é sifonado como da primeira vez, usando-se a vareta que tem uns três centímetros mais que a mangueirinha, de modo que o sifonamento não atinge a nova borra que se formou.
Um vinho muito rústico está pronto e pode ser provado. Se for necessário torná-lo mais suave, pode ser adoçado uma segunda vez, e passará por nova fermentação igual à da 3.ª fase. Se estiver no ponto, também poderá ser usado como vinho seco.
NOTA. O vinho deve ser homogêneo e translúcido. Para que tenha essas qualidades, ao sair da fermentação precisa ser filtrado. Partículas em suspensão, moléculas de proteínas e complexos metálicos o deixam turvo e opaco. Entre as formas atuais de clarificação industrial, encontram-se em uso a celulose, a sílica (diatomito, rocha constituída de restos silicosos fósseis da alga unicelular diatomácea), e o PVP (polivinil) e a caseína (phosphoproteina isolada do leite).
6. Feita a filtragem, o vinho ficará límpido e poderá ser colocado nas garrafas.
Os microorganismos sensíveis ao vinho tendem a morrer quando o teor alcoólico aumenta na fermentação. Mas alguns sobrevivem, e serão eliminados na pasteurização, que consiste em aquecer o vinho até cerca de 80oC por algum tempo. A pasteurização acaba com a fermentação.
Envelhecimento. Mesmo após a pasteurização, o vinho pode beneficiar-se do envelhecimento. Deixá-lo descansar por algum tempo em barris de madeira pode melhorar o seu sabor. Deles passam para o vinho componentes que influenciam no bouquet ou no aroma final. A acidez diminui, e várias substâncias pouco solúveis, e que estão em finíssima suspensão, são precipitadas. Ocorrem reações químicas que afetam o sabor e odor. A isto se chama “envelhecer o vinho”. Entretanto, nem todos os vinhos podem beneficiar-se do envelhecimento, o que depende do tipo da uva que foi utilizada na sua fabricação.
Fabricação de vinhos especiais. Os Martines, o vinho do Porto, os champagnes ou espumantes, o xerez, o Campari e outros, são vinhos e aperitivos produzidos através de processos especiais de fermentação ou com utilização de misturas.
O vinho do Porto é um Vinho Fortificado, o que significa que recebe a adição de um vinho velho ou de cognac. Esses aditivos desequilibram a fermentação normal, fazendo que boa parte do açúcar da uva deixe de fermentar. Apesar de parar a fermentação, o teor alcoólico será aumentado por esses mesmos aditivos. O resultado será um vinho doce (devido ao açúcar residual) e de alto teor alcoólico (devido aos aditivos alcoólicos).
Os vinhos espumantes, entre eles o Champagne, são produzidos principalmente pelo método denominado Champenoise que consiste, grosso modo, em adicionar ao vinho açúcar, vinho velho ou conhaque (mistura chamada “licor de expedição”) e fechar a garrafa com rolha de cortiça amarrada com arame.
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As principais qualidades do vinho provêm do tipo da uva, do clima e do terreno em que ela é cultivada. A uva precisa ser doce, para dar um bom vinho. Quando é pouco doce, é necessário acrescentar açúcar ao mosto (uvas amassadas e postas a fermentar), a fim de fomentar a fermentação e ter um vinho de bom paladar.
O chamado “honesto” é o vinho corretamente fabricado, e cuja qualidade corresponde ao que é informado em seu rótulo. Comerciantes que aceitam o desafio de vender qualquer produto com grandes lucros são denunciados por algumas expressões vazias e absurdas que usam na propaganda de seus vinhos, inventadas para enganar o comprador despreparado, afirmando que seus vinhos possuem “ótimo custo x beneficio”, “notas de chocolate”, “taninos elegantes” “toques minerais” “sabores de frutos secos”, “sabor de um aroma”, “é elegante e fresco”, “maduro e vibrante”, “taninos envolventes”, “bem vivaz”, “estrutura limpa”, “Vinho descontraído”, “sofisticados e frutados” “seus aromas são críticos”, e outras expressões do gênero.
Escolher o vinho de um fabricante tradicional e respeitado é uma garantia de que o vinho não fará mal à saúde, ainda que, em uma determinada partida ou safra, venha a ser menos saboroso. Portanto, vinho honesto não quer dizer que ele seja bom, mas que provavelmente o será, porque seu fabricante tem reputação de honestidade.
Adquirir vinho importado requer muita confiança no importador. Este traz para o Brasil o que as vinícolas não conseguem colocar nos Estados Unidos e no Canadá e em geral vende aqui pelo equivalente a 5 a 10 Euros a garrafa, um produto que lá não se venderia nem por uns poucos dólares. Acrescente a isso até 140 % de impostos (importação e outros), e o comprador estará pagando uma exorbitância por um vinho ordinário, apenas por que ele é importado.
Se uma vinícola estrangeira tem qualquer dificuldade (equipamento danificado ou reformado, uma safra ruim, etc.), as primeiras partidas de vinho da produção seguinte terão por destino, com certeza, os supermercados de um país considerado “menos exigente” e mais fácil de enganar.
Vinho-nacional. Quando os brasileiros adquirirem os conhecimentos necessários para serem consumidores exigentes, as empresas nacionais sem dúvida estarão à altura da demanda.
Podemos nos orgulhar da nossa indústria vinícola e da competência dos técnicos da EMBRAPA e de outros organismos de pesquisa e controle do vinho no Brasil. Por esse motivo a pessoa de menos posses não precisa se preocupar com os altos preços dos vinhos estrangeiros que vê nas prateleiras dos supermercados.
O vinho, durante muito tempo produzido apenas no Sul do país por imigrantes europeus, ganhou produção moderna em grande escala, hoje inclusive no Nordeste e com produtos de qualidade crescentemente melhor e preços baixos. Contribuiu para que o vinho se tornasse acessível ao brasileiro o desenvolvimento relativamente rápido da indústria vinícola no Brasil durante o governo militar, na onda da grande expansão da agricultura, da agroindústria e da pesquisa agropecuária que ocorreu naquele período.
A pesquisa agropecuária no Brasil adaptou ao nosso clima e condições do solo muitas variedades europeias que deram certo, e conservam seus nomes europeus. Para escolher um vinho com chances de acertar é fundamental conhecer pelo menos as principais variedades de uvas. O conhecimento sobre a qualidade das safras (ano em que os vinhos de uma certa região tiveram melhor qualidade por influência de fatores favoráveis do tempo) e o terroir (relação entre qualidade dos solos das regiões vinícolas e os tipos das uvas que lá são produzidas) geralmente é para consultores e especialistas (sommeliers e enólogos). As principais variedades de uvas tintas e brancas que entram na produção dos vinhos nacionais são: Barbera; Bonarda; Cabernet Franc; Cabernet Sauvignon; Canaiolo; Concord; Couderc; Gamay; Herbemont; Isabel; Malbec; Merlot; Periquita; Pinot Noir; Sangiovese; Sauvignon; Seibel; Syrah; Chardonnay; Couderc; Gewürztraminer; Malvasia; Moscato; Niágara Branca; Niágara Rosada; Perevella; Pinot Blanc; Riesling Itálica; Riesling; Sauvignon Blanc ; Semillon; Trebbiano.
Vinho-frutado. Diz-se do vinho que tem aroma lembrando o cheiro de alguma fruta ou o perfume de alguma flor que é familiar para a pessoa que o degusta.
Vinho foxado. Originalmente expressão pejorativa indicando um cheiro de raposa (Foxy em inglês) semelhante à expressão popular no Brasil “cheira a gambá”. Usado para qualificar desfavoravelmente o vinho americano que exalava o forte aroma de uva nativa Concord, uma variedade da Vitis labrusca. Vinho com cheiro de suco de uva.
Vinho-jovem. Diz-se do vinho de fabricação recente. Alguns vinhos devem ser bebidos jovens, altura em que apresentam suas melhores qualidades. A grande maioria dos vinhos brancos e uma parte considerável dos tintos deve-se beber com menos de cinco anos de idade.
Efervescência. Os vinhos chamados Vin mousseux (pron. van mussê) são efervescentes, devido a sua fermentação se completar na garrafa lacrada.O mais famoso deles é o Champagne produzido primeiro na França e hoje, sob licença, em vários outros países.
Vinho-do-Porto. Vinho originário do Porto, Portugal. É um “vinho fortificado”, o que significa que recebe a adição de um vinho velho ou de cognac. Esses aditivos desequilibram a fermentação normal, fazendo que boa parte do açúcar da uva permaneça sem fermentar. Apesar de parar a fermentação, o teor alcoólico será aumentado por esses mesmos aditivos. O resultado é um vinho doce e meio doce, até muito doce (devido ao açúcar residual) e de alto teor alcoólico (devido aos aditivos alcoólicos).
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 26-11-2003.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Fabricação do vinho. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2008.