Hoje: 21-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
No universo do conto, deve haver lógica na articulação de todos os elementos da ficção, o que já comentei na página Contos: redação (personagem, cenário ou setting, conflito, trama e o tema), aos quais eu acrescento o Título. Esses elementos fundamentais do conto somente ganharão expressão se bem coordenados em uma narrativa perfeita, bem estruturada. Pode-se dizer que os elementos estruturais são as ferramentas do escritor para uma dupla finalidade: dar ao seu conto as características literárias próprias do seu gênero, e fazer que todos os episódios se apresentem com clareza e arte. Porém, se o leitor tem que, com frequência, corrigir sua imagem do cenário, ou se ele se confunde sobre os papeis dos personagens, então a estrutura é precária.
Estruturação do conto é a organização da narrativa em episódios racionalmente dispostos para o melhor entendimento, pelo leitor, da história e da mensagem que ela contém. O conto é ficção e tem uma estruturação que o diferencia dos demais gêneros literários. Com ele o seu autor visa satisfazer a natural curiosidade que a mente tem pelo oculto e pela solução de mistérios. As ferramentas estruturais são aquelas que contribuem para esse fim, e nesse sentido tornam-se inter-dependentes. As principais são: o modo de narração, o entrosamento dos papeis dos personagens, a articulação das ações, a construção do ambiente ou “cenário” e a divisão cenográfica (separação em cenas ou episódios).
Modo de narração.
Há dois modos de narração, com o narrador explícito e com o narrador oculto, cada um deles exigirá uma estrutura própria para o conto.
Narrador explícito.
O próprio narrador é um personagem. A história é escrita na primeira pessoa, o narrador falando de si mesmo, do que viu, do que fez, onde esteve, o que pensou ou sentiu em dado momento; relata suas experiências como ponto de vista pessoal. Narra os fatos como lhe aconteceram ou como ele os conhece e interpreta. Ele pode narrar os feitos do personagem principal, segundo o que sabe dele. É um estilo muito comum em livros de aventuras, diários, memórias, etc.
Escrevendo na primeira pessoa, o narrador está contando a história como se ela estivesse acontecendo com ele. Poderá dizer: “Eu Fui Testemunha desse fato” “Eu fiquei feliz em poder ajudar aquela pessoa”, etc.
Na narrativa feita na primeira pessoa, somente o narrador expressa sentimentos e pensamentos próprios, suas opiniões, etc. Ele não diz o que um personagem está pensando ou está sentindo, salvo como dedução que faz daquilo que está presenciando. No entanto, ele pode deduzir dos fatos que registrou os sentimentos e o ponto de vista do personagem, envolvido. Por exemplo: “Fiquei perplexo! Pareceu-me que Júlio pensava ser possível um retorno, um perdão.” São desta categoria os monólogos como peças de teatro, a reflexão escrita, um diário íntimo, o diário de um explorador, uma carta recebida de um missivista imaginário
Narrador oculto.
O narrador é um “Eu” oculto, que conhece a história mas dela não participa: apenas relata ao leitor o que acontece ou aconteceu. Narra os fatos, a ação dos personagens, seus sentimentos e ardis, e isto é feito de um modo impessoal. É o que se chama também escrever na “terceira pessoa”, falar de terceiros empregando pronomes da terceira pessoa do singular ou do plural “ele”, “eles”, “lhe”, “lhes”, etc. O “Eu”, o “me” pertencem personagens. O narrador não pode, no meio da história, dizer, por exemplo, “Eu fui testemunha desse fato”.
O narrador descreve o que uma pessoa está fazendo, o que ela tem em mente fazer, o que ela se recorda de ter feito ou sofrido, quem ela considera amigo ou inimigo, as ações que ela sofre da parte de outras pessoas; a história é contada como se fosse o noticiário de um jornal.
O narrador de uma história contada na terceira pessoa é onisciente, ou seja, descreve o que o personagem pensa, sabe e diz o que ele está sentido, quais planos ele alimenta, e guarda as revelações a esse respeito para o momento oportuno na narrativa. Conhece o passado – cria flashbacks. O conto terá a estrutura própria exigida por esse tipo de narrativa
O entrosamento dos papeis dos personagens e a articulação das ações
As ações são o componente fundamental da estrutura da história. As ações mais importantes são as que mostram um conflito central que polariza os personagens principais em posições antagônicas. A boa estrutura maneja as ações de modo a fazer o conflito central parecer crível e surpreendente, e faz as ações convergirem de modo consistente para um clímax – o momento na história em que a atenção do leitor se acha mais intensamente presa à narrativa. Pode ser o momento em que uma descoberta terá lugar, ou um suspeito esta na eminência de ser desmascarado, etc. Não é o mesmo que suspense porque este pode ocorrer em vários episódios da história e não se prende necessariamente ao tema.
A qualidade do conto dependerá muito da posição em que o clímax se encontra na estrutura da narrativa. Quando o clímax ocorre cedo demais, o restante da história deixará de interessar ao leitor, a estrutura se desequilibrará. Se ele vem muito tarde, o leitor se sentirá entediado com a espera pelo desfecho, a ponto de desistir da leitura.
A construção do ambiente ou “cenário”
O Cenário, interior ou exterior, dá um sentido de atmosfera ao conto. O Cenário faz a história “real”; personagens fortes e uma boa trama estariam desperdiçados se flutuassem no vazio. muitas vezes o cenário vem primeiro; praia, um bairro pobre, bairro exótico. A descrição do cenário de um episódio pode ser ajudado com uma foto ou um desenho do local.
A divisão cenográfica (separação em cenas ou episódios)
O conto se divide em cenas, que são como os capítulos de um romance. A diferença é que a cena usualmente não leva um título. As cenas podem ser separadas por espaço duplo entre linhas ou por asteriscos colocados no centro de uma linha que está duas linhas abaixo da última palavra do cenário anterior, e uma linha acima da primeira palavra da nova cena. A mudança de cena não fecha nem abre página.
Uma nova cena surge quando entra um personagem, quando muda a época em que a história se desenvolve, ou quando muda o lugar.
Seguem-se abaixo exemplos de separação entre cenas:
Separação por linha em branco
“[…] — Realmente! – exclamou o barão, como se estivesse sendo lenta e deliberadamente impressionado pela verdade excitante de uma idéia que lhe havia ocorrido.
— Realmente – concordou o vassalo.
— Que coisa mais horrível – disse o jovem calmamente, retornando em silêncio ao Château.
A partir desta data, uma visível alteração ocorreu no comportamento do jovem e dissoluto barão Frederick Von Metzengerstein. Sem dúvida, seus atos desmentiram todas as expectativas e demonstraram pouco acordo com as manobras de muitas damas da nobreza rural, cujas filhas estavam na idade de casar, embora seus hábitos e conduta não fossem em absoluto semelhantes aos de seus vizinhos aristocratas, menos ainda do que tinham sido anteriormente. Ele nunca era encontrado fora dos limites de seus próprios domínios e no amplo […]”
(Edgar Allan Poe – A Carta Roubada e outras histórias de crimee mistério. “Metzengerstein”. Trad. de William Lagos – L&PM, Porto Alegre, 2010, p. 45).
Separação por numeração romana:
“[…] homem capaz de forjar lindas provas escritas. “Parece-me que ainda o ouço, falando latim com os guardas … ”, pensou Driver, enternecido.
III
Era outono em Oxford: gente tossia nas longas filas à porta das confeitarias, e a névoa do rio infiltrava-se pelos cinemas, varando além dos guardas à espreita das pessoas que não traziam máscaras contra gases. […]
(Grahan Greene – Contos (“Twenty one stories”), quando
dois malandros medem forças. trad. de Tati Moraes e
Ruth Leão . Liv. Agir Ed., Rio de Janeiro, 1962, p. 296).
Separação por linha branca e numeração lateral:
“[….]
2 D. José odiava alguém?
Calúnia! Amava a mulher, os pássaros e as árvores. Ela, sim, detestava-o, irritava-se com os animais.
Infelicidade conjugal?
Nunca! Os esposos combinavam admiravelmente bem. Mas, entre os habitantes do lugar, não havia quem acreditasse nisso:
— Ela finge amá-lo somente pelo seu dinheiro.
Estúpidos! D. José era o homem mais pobre da cidade e tinha uma úlcera no estômago.
3 À mais leve contestação, contrapunham-se novas acusações:
– E os meninos, que choram noite adentro, famintos, espancados?
Falso! D. José perdera os filhos (cinco), vítimas da tuberculose. Agora recordava-se deles manipulando um aparelho que imitava o pranto infantil. E comovia muito mais que qualquer choro de criança.
4 D. José falava sempre de um livro que estava escrevendo.
Um livro sobre duendes.
Era um fabulista?
Não. Os duendes habitavam a sua própria casa, ao alcance de seus olhos.
Seria a mulher um deles?
5 Um dia encontraram-no enforcado. Disseram imediata mente:
— É só fingimento. O nó está pouco apertado.
— Vejam que cara matreira! Está zombando de nós.
Infâmia! D. José suicidara-se mesmo.
[…]
Murilo Rubião – Obra completa, “D. José não era”.
Comp. das Letras, São Paulo, 2010, p. 130.
Separação por subtítulo numerado
[…] Nós que aqui estamos constituímos o terceiro Conselho da entidade e, como os anteriores, jamais alimentamos a vaidade de sermos o último.
2. A ADVERTÊNCIA
A mesma orientação que recebera dos seus superiores, o engenheiro a transmitiu aos subordinados imediatos. Nem sequer omitiu a advertência que o encabulara. E vendo que suas palavras tinham impressionado bem mais a seus ouvintes do que a ele as do ancião, sentiu-se plenamente satisfeito.
3. A COMISSÃO
João Gaspar era meticuloso e detestava improvisações. Antes de encher-se a primeira fôrma de concreto, instituiu uma […]
Murilo Rubião – Obra completa, “O Edifício”.
Comp. das Letras, São Paulo, 2010, p. 61.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 21-11-2012.
Direitos reservados.
Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Contos: estruturação. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2012.