Hoje: 21-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
Mandam os cânones da literatura que o autor de uma história indique com precisão onde ela aconteceu. Mas, no caso presente isto não é possível porque trata-se de um relato que encontrei, escrito em letra miúda, em um papel de maço de cigarros. Estava entre as folhas de um livro de contos do imortal José Pereira, se não me engano. Examinei o verso do papel. Estavam impressas algumas informações: a marca dos cigarros, “Liberty”; havia uma minúscula Estátua da Liberdade abaixo da marca, ladeada pelos dizeres em letra miúda: “tipo americano” e “qualidade extra”. Havia ainda os restos de um selo no alto com a identificação “Cia. de Cigarros Souza Cruz”. O preço do masso era de 1 cruzeiro, moeda dos anos 40, o que fazia supor que o escritor, se fosse ele mesmo o fumante, era um homem pobre.
Não é raro que alguém devolva um livro esquecendo dentro algum papel. Embora, com sua letra miúda ali tivesse anotado muita coisa, tive que me fazer de coautor da história para dar-lhe inteligibilidade, começo e fim, de modo que só a narrativa do crime é, na verdade, original.
A história começava no dia em que uma adolescente, de nome Raquel, se torna mulher, dizendo o autor da nota que tal fato causou grande excitação na família. Os pais, piedosos evangélicos, ficaram preocupados pois precisavam encarar aquela mudança, a sua menina agora era uma mocinha. Ela precisaria ser matriculada em um bom colégio, e na cidade em que moravam não havia esse nível de estudos. E mesmo que houvesse, seria uma escola católica que possivelmente se recusaria aceitá-la, devido ao chauvinismo da população local, toda dominada pelo rigoroso bispo católico local. Foram com ela para a Capital procurar pelo colégio feminino das irmãs dominicanas, indicado pelo prefeito, que nele educara uma de suas filhas igualmente evangélica.
Não tiveram problemas com a matrícula, mas o internato não tinha vaga e não poderiam hospedá-la. Teria que ser aluna externa. A madre francesa ponderou: “Ela poderá residir em um pensionato e vir ao colégio todos os dias, para as aulas. Temos um bonde especial ‘sob a fiscalização de uma Irmã’ para buscar e levar as alunas externas” e, segundo ela, havia alguns pensionatos para moças no seu trajeto. Recomendou um, e assim a questão ficou resolvida.
Nas cartas que a adolescente enviou aos pais, esforçou-se para tranquilizá-los, e logo pode lhes enviar também as primeiras notas que obteve no renomado colégio. O pai sentiu-se orgulhoso da filha, mas a mãe preocupou-se, receosa de que a vida dela no internato não estivesse tão segura como estaria se tivessem conseguido hospedá-la no próprio colégio dominicano. A mocinha, porém, estava muito satisfeita com o pensionato, pela tranquilidade para estudar quando voltava das aulas, pela boa alimentação e pela camaradagem que havia entre as hóspedes e entre aquelas e os funcionários. Havia duas freiras na administração da casa, Madre Adelina e a noviça Frida, e várias empregadas que chegavam pela manhã e faziam a limpeza e a arrumação dos quartos, e um supervisor financeiro que cuidava dos gastos, das doações recebidas, e das mensalidades pagas pelas famílias das alunas. Em um barracão no quintal, dormiam um jardineiro e “seu” Raimundo, o chofer encarregado das compras e do transporte das freiras. Eram frequentes as visitas ao internato feitas por irmãs da mesma ordem da irmã diretora. Vinham também padres fazer prédicas para as moças, que Raquel lamentava perder por não voltar do colégio em tempo.
Raquel se tornara amiga da diretora e ajudava no que podia. Ganhou a confiança da freira e a permissão para ir aos sábados com “seu” Raimundo ao mercado para ajudá-lo, valendo-se da sua experiencia da fazenda na escolha das frutas e grãos. Sua companhia e sua seriedade evitavam que o homem, sempre muito amável, se engajasse em conversas e perdessem tempo. O filho do dono do mercado passou a aparecer para ajudar o pai exatamente nos dias que Raquel vinha fazer as compras com o chofer. Avistá-lo entre as gondolas aquecia o coração da mocinha, embora ela fingisse indiferença por não se arriscar a prejudicar sua total dedicação aos estudos. As compras se tornaram mais rápidas e os produtos comprados eram melhor escolhidos. Finalmente, escreveu para a mãe relatando como era a vida no pensionato e quanto ela amava aqueles dias de estudo e de colaboração nos serviços da casa.
Ela fora recomendada pelo pai a não ir à casa de um primo que morava com os pais na capital, um rapaz considerado a ovelha negra da família. Mas um encontro aconteceu à revelia de sua vontade. Foi acordada à noite por batidas dadas em surdina na porta do seu quarto.
Era provavelmente alguma outra residente, pensou. E de fato foi uma das hóspedes, Natália, que ela viu pelo visor, com a camisola obrigatória das internas. Mas foi um choque para ela que a interna lhe informasse que havia instruído seu primo, com quem não deveria se avistar por recomendação de seu pai, para subir por uma escada de pintor deixada no pátio, até a janela de seu quarto. Mal balbuciou um protesto, e o primo já saltava o parapeito da janela.
—-Prima, me desculpe vir incomodá-la, disse ele segredando as palavras pelo receio de ser escutado do corredor.
—-Temos que falar baixo, disse a interna, para a diretora não nos ouvir. Vamos logo ao assunto porque não podemos demorar ou alguém nos ouvirá.
—-Eu estou ameaçado de ser morto, se não pagar um débito com uns amigos… – gaguejou o primo.
—-Do tráfego de drogas, disse Natália. – É gente muito perigosa. O que seu primo quer é que você ofereça droga às suas colegas no Colégio Santa Maria onde você estuda, explicou. Ele fará a entrega dos cigarrinhos e receberá o dinheiro no terminal dos bondes que transportam as internas, à tarde.
Confusa, Raquel cedeu passagem aos dois visitantes que a forçavam a recebê-los. Eles foram sentar-se no sofá com que o pai a havia presenteado, como parte do enxoval da matrícula. Ela trancou a porta e sentou-se na cama.
—-Isto que vocês querem é impossível – ela disse, assumindo que a interna era também interessada no negócio. —-E eu não faria isso porque tenho temor de Deus.
O primo fez um muxoxo e reclamou irritado, e Natália deu um sorriso irônico.
—-Não haverá perigo algum para você. Ou não se importa que eu seja morto?
—-Tem outros meios de salvar sua vida, disse ela. – Vá para a fazenda de meu pai e ele esconderá você até que surja uma solução. Você leva uma carta minha, explicando o perigo que você corre. Ele é seu tio e irá ajudá-lo;
No corredor ressoou a voz autoritária e áspera da Irmã diretora.
—-Quem está conversando depois do toque de silêncio? Perguntou ela. – Calem a boca e tratem de dormir.
Depois de andar pelo corredor duas vezes tentando ver de onde viera o ruido de vozes a madre decidiu voltar aos seus aposentos. Bastante decepcionados os visitantes se retiraram, desceram para o térreo, e Raquel fechou cuidadosamente a porta esperando que a madeira não rangesse.
Ao café, na manhã seguinte, ainda irritada e horrorizada por saber que alguém envolvida com tráfico de drogas era hospede do internato, olhou a sala procurando ver em que mesa estava Natália e caminhou resolutamente em sua direção. Natália sorriu e convidou-a sentar-se. Antes que Raquel abrisse a boca, disse:
—-Não sou traficante de drogas. Finjo que as vendo e dou o dinheiro ao seu primo como se de fato as vendesse. Acredite! Foi um modo de evitar que fizessem mal a minha família, conforme me ameaçaram. Entendeu? – Raquel nada disse, mas seu semblante desanuviou-se. Natália também mostrou certo alívio ao perceber que havia desarmado sua colega de internato. —Não posso lhe dar todas as explicações agora porque tenho que correr para o colégio. Mas continuaremos a nos encontrar e a conversar.
A partir de então passaram a se encontrar e se tornaram amigas. Natalia contou-lhe que seu primo viajara e que lhe apresentara um outro membro da quadrilha que passaria a recolher o apurado com a distribuição.
O comando do tráfico intensificou seu interesse em receber o que o primo de Raquel havia sonegado do lucro com as vendas da droga. Precisavam encontrá-lo e desconfiam de que ele acertara com a prima onde se esconder. Desconfiavam também que a amizade entre as duas moças tinha algo a ver com o desaparecimento do ladrão. Decidiram capturar as duas e ver o que revelariam.
Tarde da noite Raquel foi sacudida no seu leito por um homem alto e magro que viu aos seus pés. Dois outros a fitavam posicionados de cada lado de sua cama. Instantaneamente intuiu o que queriam. Sua janela estava aberta de par em par e soprava um vento frio para dentro do quarto.
—-Não grite! sussurrou o que estava de pé olhando-a de frente. —- Se quer que seus pais continuem vivos obedeça calada, disse. Tinha uma cicatriz no rosto que tornava sua fisionomia monstruosa. Sofrera um talho que marcava uma profunda cicatriz da bochecha direita, levando um pedaço do nariz pouco abaixo da linha dos olhos. Permitiram que vestisse o seu robe e fizeram que passasse para a escada de caibros e sarrafos apoiada na janela —-Não preciso amarrar você. Se reagir, seus pais morrem. Desceram para o pátio. O silêncio era total. Havia um fraco luar.
Passaram pela frente do prédio; a varanda estava cheia de mariposas a voar freneticamente , à volta da lanterna suspensa frente à porta de entrada do pensionato. Sentaram Raquel entre os dois capangas. O chefe sentou-se ao lado chofer, obliquamente, para manter os olhos na moça. Ela não conseguia olhar para aquele rosto deformado.
O carro deslizou por uma avenida iluminada, cheia de lojas com vitrines apagadas. Percebeu que um carro parecia evitar se adiantar e procurava manter distância. Talvez ajudasse se ela pudesse fazer um sinal para o motorista, mas ele não se aproximava. Ela não conhecia a cidade, mas reconheceu a torre de um edifício triangular ao fim da avenida, e dali continuaram seguindo pela direita da torre. Ao chegarem a uma praça, o motorista parou o carro obedecendo a um grande sinal vermelho, aviso da passagem proxima de um comboio. Mulheres e homens caminhavam em várias direções na praça, como seres sem rumo. Grupos conversavam, casais se acariciavam, dois homens estavam engalfinhados em uma briga, um bebado atravessou a frente do carro dando murros no capô e bradando palavrões contra seus ocupantes. A praça estava bem iluminada, talvez porque a municipalidade entendesse que para manter a ordem entre aqueles individuos de vida noturna, a polícia precisava de muita luz. Raquel horrorizou-se com toda aquela miseria moral e seu coração, que vinha aos saltos, confrangeu-se e se acalmou. Não podia entender como seres humanos podiam ser deixados sob o domínio de sua bestialidade, sem socorro. E perguntou-se, “se pudesse ela fazer alguma coisa por eles, ela faria?” — com muita tristeza, deixou a si mesma sem resposta.
O capanga avançou com o carro assim que o último vagão, com sua lanterninha vermelha, deslizou da claridade das luzes, para a escuridão. Estacionou o carro em uma rua depois de cruzar a linha férrea. Desceram do veículo e com ásperos comandos do traficante, passaram um portão que outro capanga mantinha aberto. De um alpendre na frente da casa, passaram a uma sala espaçosa, com pouca mobília e paredes nuas. Uma mulher estava na sala aguardando ordens. O chefe do tráfego empurrou Raquel e Natália para se sentarem em um sofá e desapareceu pela porta de um quarto ao fundo da sala. “Ele vai matar a gente”, disse Raquel sem se importar que a mulher a ouvisse.
—-Com certeza vai abusar da gente primeiro, disse Natália.
O bandido voltou com uma algema e prendeu Raquel ao braço de um grande sofá de couro. Falou com a mulher,: “Cuide dela Guida, inclusive das necessidades”. Em seguida pegou Natália pelo pulso e arrastou-a para o mesmo compartimento onde entrara antes. Voltou novamente à sala e disse a Raquel:
—-Não precisava algemá-la, porque qualquer coisa que você fizer você vai pagar com a vida de seus pais. Sente-se ou se deite. É aí que você vai dormir o resto desta noite. – arrematou dirigindo-se novamente para o mesmo cômodo onde encerrara Natália.
Do quarto vieram gritos de desespero de Natália. Aparentemente reprovando o que sabia que estava acontecendo, a mulher deixou a sala. Desesperada por socorrer a amiga, Raquel puxou com força a mão da algema e conseguiu libertar-se. Correu até uma pequena mesa e sem muita dificuldade conseguiu desmontá-la e separar um dos pés para usar como porrete. Dirigiu-se a porta e verificou que estava destrancada. Abriu-a o suficiente para ver a amiga se debatendo debaixo do traficante. Avançou e desfechou uma violenta paulada mirando sua cabeça. Mas o bandido virou-se em tempo de fugir da pancada. Tomou o porrete derrubando-a violentamente no chão deixando-a tonta e sem reação. Estendeu a mão e pegou o revólver apontando-o para Raquel. Neste instante ouviu-se um tiro vindo da porta, que lhe acertou o peito. Antes de tombar teve tempo para tentar reivindicar o tiro, enquanto o chão lhe fugia dos pés. O tiro que deu a esmo enquanto tombava matou Natália. O atirador não era outro que o chofer do internato! Parado à porta foi empurrado para o lado pela mulher, que correu para socorrer o traficante, enquanto ele, depois de ver a Natália morta, socorreu a Raquel.
—-Levante-se… Natália está morta, vamos fugir daqui. Pegou Guida pelo braço e forçou-a a correr com eles para lhes abrir a porta.
—-Vamos rápido, gritou Guida. Os capangas ouviram os dois tiros e já estão correndo do barracão para cá.– ela aproveitava a oportunidade para fugir também.
No caminho Raquel agradece a Raimundo por salvá-la e ele lhe diz: “Foi tudo um milagre! Eu fui comprar cigarros no barzinho e me demorei lá tomando uma cerveja; voltando vi vocês sendo empurradas para dentro do carrro por aqueles homens. Corri à garage no escuro e peguei o carro em tempo de persegui-los.
—-Foi um milagre sim! — concordou Raquel. Revelou que estava lendo um livro que Madre Avelina lhe pediu que lesse, sobre um quadro milagroso de uma Santa, e que quando caiu no chão com o braço torcido pelo bandido, aterrorizada pedira aos céus que aquela Santa a salvasse, e fizera a promessa de se tornar uma religiosa, se fosse salva.
—-Eu lia com grande fastio, porque era uma história católica; me lembro agora somente de que, quando o quadro da Santa estava sendo transportado por seu dono para Roma em um navio, ocorreu uma forte tempestade e então o dono do quadro disse que todos rezassem para que o navio não afundasse. Os marinheiros se ajoelharam diante do quadro, e tomados de terror pediram em desespero extremo que a Senhora os salvasse, e então ocorreu o milagre: o barco, apesar de sua fragilidade, não naufragou.
—-Que Santa é ela? — perguntou o chofer. —-Toda Santa é católica e você é evangélica. Acho que uma Santa católica não faria milagre para uma evangélica como você, e você também não poderá ser freira católica.
Raquel não deu resposta. Manteve-se silenciosa e pensativa enquanto Guida pedia a Raimundo para deixá-la em uma parada de bonde.
—-Vou deixá-la na Praça Sete onde passam todos os bondes. Lá tem os abrigos que são pontos de parada. Acho que ainda terá que esperar um pouco pelos primeiros a circular.
Seguiu-se um pouco de silêncio enquanto o carro deslizava pela avenida.
Raquel, apesar da exaustão mental em que se achava, lembrou–se da praça que atravessara quando sequestrada pelo chefe do tráfego e depois, ao fugir, apenas meia hora atrás. Num impulso, perguntou ao chofer: “Seu Raimundo, existe na cidade algum serviço assistencial para as mulheres perdidas?”
—-Sim, disse ele sem tirar os olhos da faixa iluminada pelos faróis do carro. —- Os estudantes do último ano de medicina fazem acompanhamento de saúde gratuito para as prostitutas daquele bairro. E há também o Asilo Bom Pastor. Levei até lá uma freira terminada sua visita ao nosso lnternato. No trajeto ela contou que sua ordem era dedicada a recuperação de criminnosas, prostitutas e tambem de moças cujas famílias as entregassem ao Asilo para reeducação moral. Ela tinha um hábito igualzinho ao de Madre Adelina.
O chofer fitou Raquel por um segundo esperando que dissesse a razão de sua pergunta mas ela nada disse. Então ele, sacando com a mão direita do bolso do seu casaco de lã um maço de cigarros, mantendo a outra mão ao volante, perguntou: —Posso fumar o meu Liberty?
—-Esse nome é liberdade? — perguntou Guida. Se é, então me dê um para comemorar nossa liberdade. Pouco adiante desceu do carro, em meio a baforadas de fumaça do cigarro; agradeceu seus salvadores com a promessa de manter contacto.
Era já quase dia. As luzes da avenida se apagaram.
Quando chegaram no internato encontraram a Superiora Madre Avelina varrendo as mariposas mortas do alpendre. Raquel correu a abraçá-la e caiu em uma crise de choro, tão tensa estava devido ao acontecido aquela noite. As empregadas que vinham chegando ajudaram a superiora a ampará-la. Levaram-na para descansar em uma poltrona e prepararam-lhe um desjejum leve. Era ainda cedo; pôde recuperar-se bastante, antes de seguir com suas colegas para o local da parada do bonde do colégio.
Raquel não podia deixar de relatar o ocorrido à sua mãe, mas relutava em dar os detalhes com receio de assustá-la. Não sabia se o primo havia procurado seus pais para pedir ajuda, pois não recebera notícias, mas isto também seria de pouca importância porque não ia fazer do primo uma pessoa melhor saber que o traficante estava morto. Na verdade, o que a preocupava era a promessa que fizera, de dedicar-se a serviços de caridade. Ela nem saberia dizer à mãe que serviços seriam esses. A mãe provavelmente a compreenderia, mas o pai, quando soubesse, era muito duvidoso que concordasse que ela se tonasse uma freira católica. Ela também não gostava de recordar a cena do estuprador de rosto e corpo repugnantes avançando para abusar de Natália, e de ver a amiga tombar morta pelo agressor com o tiro que era destinado a Raimundo. Quanto ao internato estar voltado à recuperação de moças, nem ela nem suas colegas estudantes tinham que se preocupar porque eram hospedes comuns, não eram doutrinadas nem convidadas para ouvir conferencias ou sequer para assistirem missa na capela. Pensou em não mais falar com as internadas, guardar distancia, mas ao mesmo tempo esta lhe parecia ser uma atitude desumana. Fôra amiga de Natália e se dava bem com outras; deveria continuar esse relacionamento sem demostrar seu constrangimento? Tudo aquilo era em sua mente fragilizada um redemoinho mortal, e a única pessoa que poderia socorrê-la era sua mãe, mas ela só viria da fazenda com o pai depois de julho, passada a colheita. Talvez devesse falar com um pastor da sua Igreja, ou quem sabe, um padre?
O capelão do Colégio ouviu-a, sentados num extremo da varanda do pátio interno, e tranquilizou-a.
—-Tudo isto aconteceu por vontade de Deus, não se aflija. Sei qual a Santa a que você se refere. Mas vou deixar que você mesma descubra. Ela lhe mostrará cada passo a dar para o cumprimento de sua promessa, e você pode se preparar concluindo seus estudos, mantendo seus amigos, amando seus pais, mas sempre atenta aos passos que lhe serão mostrados. Não indicarei nenhum para não me meter entre você e sua mãe no céu.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 06-09-2022.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Redemoinho Mortal. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2022.