Hoje: 21-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
Em sua fase mais primitiva, a psicologia existe na relação de uma vítima de um distúrbio mental a um agente que performa um procedimento idealizado para curá-la. Não se buscava um fato ou algo que houvesse acontecido ao indivíduo que fosse causa da sua perturbação, mas era crença do homem primitivo que entidades atuavam sobre o indivíduo para torná-lo demente.
O primeiro andar da Psicologia foi, com certeza, aquele em que as causas do comportamento estranho e incompreensível de um indivíduo eram atribuídas à influência de fenômenos externos, zodiacais, como a conjunção de planetas e de estrelas, ou à vingança de deidades mitológicas malévolas, e um ritual para invocação de um poder curador era feito em seu benefício por um mago ou sacerdote. Estando presente a relação de uma vítima de distúrbio mental com um agente que performa um procedimento idealizado para curá-la, entendo que se pode falar de um embrião da psicologia já na pré-história da humanidade.
O segundo andar corresponde à teoria primitiva, mas por longo tempo persistente, da possessão do corpo do enfermo mental por um espírito que lhe infundia confusão e desespero. Não um espírito invasor qualquer, mas uma classe de demônios que eram anjos decaídos e espalhados pelo mundo para fazer o mal. Os loucos eram possuídos dos demônios ou aprisionados por eles, e rituais de exorcismo eram realizados para a expulsão dessas entidades que os atormentavam.
Esses dois andares compõem a fase ritualística da Psicologia.
A fase filosófica
No terceiro andar faz-se um delineio mais claro de uma psicologia, por necessidade de acomodação à ética e à moral na filosofia clássica. Os filósofos especulam o que seria a “consciência”, ou conhecimento, e o “pensamento”, mas nenhum deles logra encontrar uma resposta para essas questões. Ocupam-se dos vícios e das virtudes que identificam no comportamento humano, e buscam curar o homem explicando as tendências do seu comportamento segundo estados fixos da alma. Platão expõe sua doutrina dos três estados da alma e de como o homem alcança o conhecimento. Aristóteles faz a lista do que se pode dizer das coisas (à qual Kant irá mais tarde juntar algumas novas categorias). E nasce também algo que se aproxima de uma técnica terapêutica que é a “maieutica” de Sócrates.
Tais doutrinas e procedimentos voltados para a psiquê inauguram a fase Filosófica pura da Psicologia, cujo principal instrumento é a análise racional, e que persistirá por vários séculos avante.
A fase médica
O quarto andar distingue-se por passarem os distúrbios mentais a despertar interesse médico, e sua cura a ser buscada com internação hospitalar. Surgem manicômios como o de La Salpétrière, em Paris, transformado pelo Dr. Pinel, de simples depósito de loucos, em centro de pesquisas sobre as doenças mentais, e onde Charcot promove experimentos com a hipnose. E surgem as tentativas de encontrar as causas dos distúrbios no próprio paciente. Os médicos logo percebem que um fato chocante, traumático, na vida do doente era, em muitos casos, a causa da sua perturbação mental. Surge a Psicanálise de Freud, com seus métodos para descobrir qual acidente emocional havia gerado na mente do enfermo os temas da sua loucura.
No quinto andar dá-se a separação entre médicos psicólogos e médicos psiquiatras, os primeiros aperfeiçoando seus instrumentos de analise temática, como a psicologia analítica de Jung, e os últimos a tentar novos medicamentos com ação calmante, ou ao contrário, estimulante, e certas técnicas, como a de esquentar com tijolos quentes os pés do doente para aumentar a circulação do sangue na parte inferior do corpo e assim reduzi-la no cérebro hiperativo.
A fase da definição de rumos
A psiquiatria integra as ciências médicas, enquanto a psicologia não pode ser uma ciência porque não explica a natureza de seus próprios objetos disciplinares, que compreendem a consciência, o conhecimento, o sentimento e o pensamento. Não é concebível que uma ciência não conheça cabalmente os seus objetos.
O sexto andar é o do impacto das descobertas da neurofisiologia, a começar pela descoberta dos neurônios, atribuída ao médico Ramon Cajal, e de suas funções no cérebro, como configuradores de ideias, do conhecimento, dos sentimentos, sujeitos a variações dependentes de sua química. Esse novo conhecimento parecia um golpe mortal na psicologia, criando grande controvérsia. Na verdade ensejou uma delimitação mais clara entre os objetos dessas duas áreas do conhecimento.
O médico fisiologista e psicólogo Wilhelm Wundt, professor de fisiologia na universidade de Heidelberg, transpôs para a psicologia o método científico da pesquisa fisiológica da sua cátedra, ministrando em 1862 o primeiro curso de psicologia científica humana e animal da história. Desenvolveu um sistema de psicologia que procurava investigar as experiências imediatas da consciência, incluindo sensações, sentimentos, volições e ideias. A metodologia prescrita foi a introspecção, ou o exame consciente da experiência consciente, me parece que o a mesma metodologia da psicologia filosófica. Os filósofos especulam o que seria a “consciência”, ou conhecimento, e o “pensamento”, e seu principal instrumento é a análise racional.
A fase da metodologia científica
O Sétimo andar, o dos tempos atuais, tem início quando Wundt desperta os psicólogos para as vantagens do método científico. Sem se transformar de filosofia em ciência, a psicologia torna-se uma disciplina cientifica, como toda e qualquer disciplina que adere, em sua prática, aos métodos científicos de sistematização e experimentação, estatística, etc. Desta sistematização emanam suas divisões, que são principalmente a psicologia clínica – e suas muitas correntes de opinião –, a psicologia escolar, a psicologia organizacional, a docência, a pesquisa, entre muitas outras.
Em uma conferencia proferida no Conservatório Mineiro de Música, disse o médico e escritor Josué de Castro: “O segredo do homem só Deus conhece”. Me parece que parte desse segredo está em como se dá – no sistema associativo do cérebro –, a transcendência dos fenômenos físico-químicos em consciência de conceitos e discursos, e em tristeza ou alegria, nos sentidos, etc. Se esse mistério pudesse ser elucidado então sim, a Psicologia teria seu campo experimental legítimo, e sua legitimação como Ciência.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 24-03-2019.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Os sete andares da Psicologia. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2019.