Hoje: 18-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Médico especializado em doenças mentais, Sigmund Freud (1856-1939) desenvolveu a Psicanálise, uma teoria do funcionamento da mente humana e um método exploratório de sua estrutura, destinado a tratar os comportamentos compulsivos e muitas doenças de natureza psicológica supostamente sem motivação orgânica. Ele recolheu de várias fontes os elementos com que compôs sua teoria e o fez principalmente a partir das descobertas do médico austríaco Josef Breuer, da doutrina platônica e do pensamento filosófico de Schopenhauer, consolidando, através de longa prática clínica, os postulados da teoria que chamou Psicanálise.
A maioria das biografias divulgadas de Freud baseiam-se em Ernest Jones, o psicanalista inglês que se tornou seu biógrafo.
Sigmund Freud (Sigismund Schlomo Freud até os 21 anos) nasceu a 6 de maio de 1856 em Freiberg, Moravia, no império austro-húngaro (hoje Pribor, Checoslováquia). filho de Jacob Freud, um comerciante judeu, e de sua jovem segunda esposa Amalia Nathanson, Freud tinha irmãos do primeiro casamento do pai com Sally Kanner, falecida em 1852, que eram cerca de vinte anos mais velhos que ele. Em 1860, devido à falência do negócio do pai, sua família mudou-se para Viena, Freud tinha 4 anos.
Aos nove anos Freud entrou para a escola onde teve um aproveitamento acima da média. Para sua formação superior, matriculou-se na Universidade de Viena em 1873. Ao escolher sua futura carreira, estudou primeiro filosofia, mas decidiu-se depois pela medicina, e se especializou em fisiologia nervosa, uma área onde a prática diária atenderia mais de perto à sua preocupação em conhecer a natureza humana. Freud com certeza deveu mais aos seus estudos de filosofia a inspiração para sua doutrina que à atrasada fisiologia nervosa do seu tempo. Em 1874, na universidade, foi aluno do filósofo Franz Brentano;
No verão de 1875 Freud visitou, em Manchester, seus meio-irmãos mais velhos, Emanuel e Philipp, que haviam deixado a Áustria com suas famílias para viver na Inglaterra.
No ano seguinte obteve uma bolsa para trabalhar no Laboratório de Zoologia Marinha de Trieste, onde estudou os órgãos sexuais das enguias e publica “Observações sobre a configuração e estrutura fina dos órgãos lobados das enguias descritos como testículos”. Em minha opinião, o tema que escolheu para sua primeira pesquisa parece um importante sinal de uma dependência sexual que ele haveria de “sublimar” – um termo seu -, na sua futura invenção, a Psicanálise.
Retornando a Viena começa a trabalhar como assistente no Instituto de fisiologia da Universidade, dirigido pelo cientista Ernst Bruecke. Fez o serviço militar em 1880 e por essa época, para obter algum recurso financeiro, traduziu três ensaios de Stuart Mill para a edição, em alemão, das obras completas daquele filósofo.
Freud concluiu seus estudos de medicina em 1881 e no verão de 1882, tornou-se noivo de Martha Bernays. Preocupado com sua própria situação financeira, Freud deixou o cargo no Instituto para ser médico interno no Hospital Geral de Viena. Nessa ocasião interessou-se pelo caso de uma paciente, relatado por Josef Breuer, um especialista em doenças nervosas a quem devotou grande respeito. A paciente de Breuer, Bertha Pappenheim, – na ficha médica “Fraulein Anna 0.” -, de 21 anos, era depressiva e hipocondríaca (um quadro na época denominado “histeria”); ela se acreditava paralítica em algumas ocasiões, ou não conseguia beber água mesmo estando com sede, e se sentia incapaz de falar seu próprio idioma, o alemão, recorrendo ao francês ou inglês para se comunicar. Breuer submeteu-a a hipnose e ela relatou casos de sua infância, e essa recordação fazia que se sentisse bem após o transe hipnótico. Nesse ano Freud está empregado como médico na Clínica Psiquiátrica de Theodor Meynert.
Entre 1883 e 1885 ele terminou sua pesquisa de anatomia da medula, tornou-se Professor em Neuropatologia; e fez pesquisas e descobertas sobre os efeitos da cocaína. Chegou a usar essa droga como tônico estimulante, porém, o fato de um amigo seu se tornar viciado deixou-o mal visto no círculo médico de Viena.
Impressionado com a propriedade terapêutica da conversa no estado de hipnose, em 1885 Freud utilizou uma bolsa de estudos obtida do governo, para passar algumas semanas na Salpetriere, em Paris, onde aprendeu técnicas com o psiquiatra Jean-Martin Charcot, o qual realizava experiências com doentes mentais utilizando a hipnose. Relatou a Charcot o sucesso obtido com a conversa com o paciente, como substituto à hipnose, porém Charcot estava interessado nas propriedades da hipnose mesma. No mesmo ano, 1885, escreveu o “Projeto para uma Psicologia Científica”. Em 1886 casou com Martha Bernays e iniciou especialidade em “doenças nervosas”.
No início dos anos 1890 passou a anotar seus próprios sonhos, cada vez mais convencido de que eles poderiam fornecer pistas para a atividade inconsciente, uma noção que já era parte do romantismo na literatura e parte do conhecimento psicológico no século XIX como no livro “A filosofia do inconsciente”, de Karl von Hartmann, publicado em 1893. Em meados da década ele já praticava a auto-análise. Sua intenção era utilizar tanto o material colhido em suas análises clínicas quanto o que obtinha por sua própria introspecção. Data desta época sua amizade com o otorrinolaringologista Wilhelm Fliess, com quem tinha grande prazer em discutir suas idéias.
Joseph Breuer aceitou partilhar com Freud o seu método terapêutico que designou “catarsis” e que consistia em levar o paciente a recordar, pela hipnose ou por conversação, o trauma psicológico sofrido, uma descarga emocional que conduzia à cura. Em 1893, publicaram juntos “O mecanismo físico do fenômeno da histeria”. Dois anos depois, em 1895. novamente publicaram juntos Studien über Hysterie (“Estudos sobre a histeria”); o artigo publicado antes é a parte inicial do livro, e é seguido pela descrição de cinco casos, um ensaio teórico por Breuer e um capítulo final por Freud. Essa obra pode ser considerada o marco inicial da psicanálise. Porém, as críticas que provocou no meio médico desalentaram Breuer.
Freud, entre os anos de 1892 e 1895, gradualmente desistiu da hipnose, que substituiu pelo divã, não mais utilizado para hipnotizar, mas para que o paciente, em uma posição confortável, fizesse um esforço para lembrar os traumas que estariam na origem de seus problemas. Com o paciente relaxado, Freud conduzia uma livre associação de idéias, através da qual terminava por encontrar lembranças “recalcadas” pelo paciente, e que eram a causa de seus distúrbios. Formulou então o principio de que os sintomas histéricos têm origem na energia dos processos mentais os quais, impedidos de influenciar a consciência, são desviadas para a inervação do corpo e convertidos nesses sintomas. Devido à natureza das experiências traumáticas recordadas pelos pacientes, ficou convencido de que o sexo tinha parte dominante na etiologia das neuroses. Logo passou a considerar o desejo sexual como motivação praticamente única do comportamento humano, quer direta, quer indiretamente. Essa ênfase foi a principal causa do afastamento de Breuer, e do rompimento que ocorreria no futuro com vários de seus colegas.
Em 1897 Freud inicia sua auto-análise. Neste anos esteve na Itália.
Entre 1895 e 1899 Freud esteve profundamente envolvido na preparação do seu Die Traumdeutung (“A interpretação dos sonhos”), publicado em 1900, e geralmente considerado sua obra principal, em parte análise de sonhos, autobiografia, teoria da mente, e lances da vida vienense contemporânea. Nele fala do mecanismo de “condensação” (uma fusão de uma pessoa em outra), “deslocamento” (deslocamento de uma pessoa), e elaboração secundaria (o detalhamento minucioso do tema onírico) e discute o conteúdo latente dos sonhos, além de explicar como representam a realização dos desejos, e descreve o complexo de Édipo e fala da importância da vida infantil no condicionamento da vida do adulto. O sétimo capítulo tem a exposição da teoria da mente de Freud. O princípio ativo do seu modelo da mente é a “inércia neurônica” ou princípio de constância, de acordo com o qual a mente trabalha no sentido da redução de qualquer tensão proveniente do acúmulo de “energia,” que ora considerava ser sexual, ora psíquica. Não seria exatamente eliminar as tensões, mas manter um ótimo de tensão que tende ao nível mais baixo.
A partir de 1902 Freud passou a reunir-se em casa com alguns convidados, médicos neurologistas e psiquiatras como ele, para discutir e opinar sobre sua teoria psicanalítica. Entre os quatro primeiros a participar, estava Alfred Adler. Mais tarde integrou o grupo também Carl Gustav Jung. O grupo evoluiu para a constituição, no ano de 1908, da Sociedade psicanalítica de Viena, a qual, dois anos depois, em 1910, se tornaria a Associação Internacional de Psicanálise.
Em 1904, Freud publicou Zur Psychopathologie des Alltagslebens (Piscopatologia da vida cotidiana”) em que mostra evidências comuns da ação do inconsciente e do subconsciente nas pessoas sadias. Essas evidências simples são os “Atos sintomáticos”, tais como o inexplicável esquecimento súbito de um nome familiar, a troca involuntária de palavras no meio de uma frase, etc. Estes acidentes revelam a luta do consciente com o subconsciente (conteúdo evocável) e com o inconsciente (conteúdo não evocável). Conseguiu a revelação da “repressão” inconsciente pelo método da livre associação (inspirado nos atos falhados ou sintomáticos) e identificação de símbolos, e a interpretação dos sonhos (conteúdo manifesto e conteúdo latente), em substituição à hipnose. Ainda em 1904 Freud viajou a Atenas, Grécia, com seu irmão Alexandre, detendo-se um pouco em Trieste.
Em 1905, a exposição básica da teoria freudiana aparece em seu livro Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie (“Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”). Também de 1905 é o trabalho “Anedotas e sua relação com o inconsciente”.
Em 1906, por recomendação de Adler o jovem médico Otto Rank foi aceito no grupo de debates. Neste ano Freud publicou “A psicanálise e o estabelecimento dos fatos nos processos legais” e “Meus pontos de vista sobre a parte representada pela sexualidade na etiologia das neuroses”.
Em 1907 publicou “Desilusões e sonhos em W. Jensen Gradive”, em que analisa o caráter daquele jovem arqueólogo. Nesse ano Freud viajou com sua cunhada Minna Bernays a Florença e Roma. Minna era sua companheira intelectual, tradutora, secretária, e costumavam passar férias juntos nos Alpes, com o acordo tácito de Martha, a mulher de Freud. De acordo com pesquisadores da biografia de Freud, Minna confessara a Jung que tinha encontros íntimos com Freud, e este teria sido um motivo a mais para o rompimento que ocorreu entre os dois psicanalistas.
Com sua fama crescendo rapidamente para além da Europa, Freud foi em 1908 convidado por Granville Stanley Hall, presidente da Universidade Clark, em Worcester, Massachusetts, para apresentar uma sequência de palestras nos Estados Unidos. Viajou à América em 1909, em companhia de seus dois principais colaboradores, Jung e Firenczi. Suas palestras introdutórias da psicanálise nos Estados Unidos ficaram conhecidas como “The Clark Lectures” (“As Cartas de Clark”).
Em 1910 Freud publicou Über Psychoanalyse (“Sobre a psicanálise”).
No entanto, as afirmações de Freud escandalizavam cada vez mais o meio médico vienense e foram a razão por que vários de seus colegas abandonaram a Associação Internacional de Psicanálise. O principal motivo do escândalo era o modo desenvolto como Freud divulgava seu pensamento ainda mal acabado sobre o problema sexual das crianças, que ele afirmava serem sujeitas a desejo sexual e que o objeto desse desejo frequentemente eram os próprios pais. Além do complexo de Édipo, em que o filho deseja sexualmente a mãe (Na tragédia grega desse nome, Édipo se casa com sua mãe, sem o saber), Freud admitiu também o Complexo de Eletra, como a inveja que a menina tem do pênis do menino, e chamou a criança de um “perverso polimorfo”. Distinguiu na sexualidade três fases pelas quais passa o seu desenvolvimento: as fases oral, anal, genital, que normalmente se sucedem nessa ordem, mas com casos de regressão e fixação. Sua reputação sofreu ainda mais quando publicou em “Fragmentos da análise de um caso de histeria”, as perversões sexuais de uma jovem cliente, – na ficha médica “Dora” -, sem a sua permissão.
Descontente, Adler, médico e ativo socialista, e um dos quatro primeiros colegas convidados de Freud para o seu círculo, decidiu, em 1911, fundar sua própria corrente psicanalítica. Substituiu o desejo sexual da teoria freudiana pelo desejo de poder que é agravado pela necessidade de superar o “Complexo de Inferioridade” ou de afirmar a masculinidade. Porém, a defecção que Freud mais lamentou foi a de Carl Jung, ocorrida em 1913. Jung, um protestante suíço, era talvez o único não judeu do grupo, e quem Freud admirava e pensava que seria seu sucessor.
Para estreitar a união e o compromisso entre os membros restantes, Freud criou um Comitê doutrinário, que defenderia os postulados de sua doutrina, e presenteou cada um de seus membros com uma pedra para anel contendo com a gravação de uma figura grega antiga. O emblema representava o compromisso de sustentar a existência dos processos psicológicos inconscientes, a teoria da resistência e repressão, e o reconhecimento da parte representada pela sexualidade no Complexo de Édipo.
Isto não evitou, porém, que mais tarde, em 1924, depois de visitar aos Estados Unidos e sofrer a influência do liberalismo da corrente psicológica americana, Otto Rank abandonasse o círculo psicanalítico de Viena para fundar sua própria escola com novas idéias sobre a relação entre mãe e filho, e por um menor autoritarismo na psicoterapia. Com o psiquiatra húngaro Sandor Ferenczi, também um dos principais colaboradores de Freud e com o qual, juntamente com Jung, havia viajado à América, Rank criou uma psicoterapia mais igualitária e ativa, focada no aqui-e-agora, relacionamento autêntico, mente e vontade consciente, em lugar de história passada, transferência, inconsciente e desejo.
Em 1912 foi fundado o Imago, órgão de divulgação da psicanálise. No ano seguinte Freud publicou Totem und Tabu (“Totem e Tabu”), e, em 1914, ano do início da primeira guerra mundial, publicou Zur Geschichte der psychoanalytischen Bewegung (Sobre a história do movimento psicanalítico”).
Entre 1915 e 1916 trabalhou na preparação de Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse (“Introdução geral à Psicanálise”). Em 1917, ano da publicação desse trabalho, Freud sofreu os primeiros sintomas de sua doença.
Ao final da guerra, em 1918, Freud perdeu todas suas economias, as quais havia aplicado em bônus do governo austríaco. Suavizando sua ênfase no instinto sexual como força propulsora do comportamento, Freud derivou para um bastante banal e menos interessante conceito de “Princípio do prazer e desprazer”, envolvendo o ajustamento entre o impulso pelo prazer e a dura realidade do mundo exterior. Posteriormente sustentou o pouco inteligível “instinto de morte”, e outras idéias metafísicas que aparecem em Jenseits des Lustprinzips (“Além do princípio do prazer”) de 1920.
Em 1922 Freud trabalha o “Uma neurose demoníaca do século XVIII” e em 1923 publica Das Ich and das Es (“O Ego e o Id”) no qual expõe sua teoria tripartite da mente, constituída do Id, Ego, e do Superego. O conceito do Id, o reservatório dos impulsos instintivos, é uma cópia da parte concupiscente da alma na doutrina de Platão; o Ego trata com a realidade do mundo exterior e o Superego é o inibidor dos instintos, tais como a parte sábia e a parte vigilante da alma, da mesma doutrina platônica. Porém, como ateu e materialista convicto, para Freud o homem é o que ele é, um produto da evolução natural, sujeito, em última análise, às leis da física e da química. Nada do que uma pessoa diz ou faz é casual ou acidental; o homem nem é perfeitamente livre nem racional – Obedece a causas inconscientes (Marx sociais e econômicas, Freud, mentais e individuais). A força que orienta o comportamento estaria nesse inconsciente e era o instinto sexual; essa força não se apresentava consciente devido à “repressão” tornada também inconsciente;
Freud efetivamente argumentou que o comportamento humano obedece ao instinto sexual e ao instinto de conservação e que os motivos sexuais, se não são claros, estão sublimados em um motivo aparente. Sua teoria esta bastante conforme ao pensamento metafísico de Schopenhauer de que uma Vontade universal, soberana e cega, deseja a sobrevivência da espécie e se traduz no sexo, e também a sobrevivência individual, e se traduz no instinto de conservação.
É de 1925 Selbstdarstellung (“Um estudo autobiográfico”) e de 1926 Hemmung, Symptom und Angst (“Inibições, sintomas e ansiedade”), e o Die Frage der Iaienanalyse (“A questão da análise leiga”). No Die Zukunft einer Illusion (“O futuro de uma ilusão”), de 1927, Freud fez uma especulação filosófica adiantando o que pensava que fosse a natureza humana, a religião e Deus. Em 1930 publicou Des Unbehagen in der Kultur (“Mal estar na Civilização”) – Culturas neuróticas – Conceitos de Projeção, Sublimação, Regressão e Transferência e finalmente, em 1933, Neue Folge der Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse (“Novas lições introdutórias sobre Psicanálise”).
Quando os nazistas invadiram a Áustria em 1938, Freud, com 81 anos e doente, foi convencido a asilar-se na Inglaterra. Para quitar as exigências dos nazistas foi pago um resgate por amigos, além da interferência de Roosevelt, presidente dos Estados Unidos. Viajou para Londres com a mulher e a filha, a psicanalista Anna Freud. O Der Mann Moses und die monotheistische Religion (“Moisés e o monoteísmo”) foi publicado em 1939, o ano em que Freud faleceu.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 21-04-2003.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Sigmund Freud. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2003.