Jean-Paul Sartre

Hoje: 03-12-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Paris: Café de Flore, local de trabalho de Jean-Paul Sartre. Aquarela de Jeannine Cobra

Vida. Jean-Paul Sartre, novelista francês, teatrólogo, e maior intelectual do Existencialismo, – filosofia que proclama a total liberdade do ser humano. Foi premiado com o Nobel de literatura de 1964, premiação que desconsiderou.

Infância e juventude. Sartre nasceu em 21 de junho de 1905 e faleceu em 15 de abril de 1980, em Paris. Ficou órfão de pai muito cedo. O pai, oficial da marinha, faleceu ainda jovem, dois anos depois do nascimento do filho. Foi, com sua mãe, Anne-Marie Schweitzer, viver em casa de seu avô materno, Carl Schweitzer, de origem alsaciana e protestante, professor de Alemão na Sorbone, em um apartamento no sexto andar de um edifício em Meudon, nos arredores da capital, nas proximidades do Jardim de Luxemburgo. O célebre pastor Albert Schweitzer, prêmio Nobel da Paz de 1952, era sobrinho de seu avô, primo de sua mãe.

Sartre estudou primeiro no Liceu Henrique IV, em Paris. Mais tarde estudou no liceu em La Rochelle, localidade onde, tendo sua mãe se casado segunda vez, a pequena família passou a residir.

Após o liceu completou sua educação ingressando em 1924 na École Normale Supériure, onde se graduou em 1929. Ainda estudante passou a viver com Simone de Beauvoir (1908-1986) de quem nunca se separou. Na École Normale foi contemporâneo de escritores que viriam a ser intelectuais de renome, como Raymond Aron, Maurice Merleau-Ponty, Emmanuel Mounier, Jean Hippolyte, Claude Lévi-Strauss e a filósofa social esquerdista da escritora Simone Weil, (1909-1943) ativista na Resistência à invasão alemã e ao nazismo, cujas obras publicadas postumamente tiveram grande influência no pensamento social na França e na Inglaterra.

Terminado o curso de filosofia, fez serviço militar em Tours, como meteorologista.

Nos anos que precederam a grande guerra Sartre lecionou, entre 1931 e 1933, no Liceu do Havre; em 1933-34 esteve em Berlim, estudando fenomenologia. De 1934 a 1939 continuou no Havre passando depois para Neuilly-sur-Seine.

Na Alemanha Sartre iniciou a redação de “Melancolia”, romance recusado pelos editores e mais tarde publicado com o título “A Náusea”.

Influências. No período de um ano passado em Berlim, Sartre estudou a fenomenologia do filosofo alemão Edmund Husserl (1859-1938), as teorias do existencialismo de Heidegger e Karl Jasper (1883-1969) e a filosofia de Max Scheller (1874-1928). A partir desses autores, chegou a Soren Kierkegaard (1813-1855).

Durante os anos que lecionou no Havre, Sartre publicou suas primeiras obras, “A Imaginação” e “A Transcendência do Ego”. Nelas, a começar por L’Imagination (1936 – “A Imaginação”), explora o método fenomenológico de Husserl, que propõe a descrição dos objetos como fenômenos mentais sem qualquer idéia preconcebida ou preconceituosa. Porém, foi a publicação do La Nausée (1938 – “A Náusea”) que lhe trouxe fama. Esse romance, escrito em forma de um diário, revela os sentimentos de repugnância do personagem Roquentin, em relação ao mundo material inclusive pela consciência de seu próprio corpo. O romance contém em suas páginas grande parte das posições filosóficas que Sartre continuaria depois a desenvolver. Seu herói, Antoine Roquentin, desocupado, duvidoso de si mesmo, vive sozinho, sem amigos, sem amante, nada lhe importando, nem os outros homens, nem ele mesmo, descobre, na vida monótona de Bouville, o mistério metafísico do Ser: o mundo não tem nenhuma razão de existir e é absurdo que exista. “Tudo é gratuito, a jardim, esta cidade, e eu mesmo; quando acontece da gente se dar conta disso, isso atinge a cabeça e tudo começa a flutuar; eis a náusea”. Em A ‘Náusea, Sartre parece bastante próximo de Heidegger.

No ano seguinte, publicou “O Muro” (1939), uma coletânea de contos, e o ensaio Esquisse d’une théorie des émotions (1939 – “Esboço de uma teoria das Emoções”). O muro tem por personagem Pablo Ibietta, é uma denuncia do regime do ditador Franco, da Espanha, sob cujo poder o personagem Pablo Ibietta é preso e torturado. No ano seguinte publicou L’Imaginaire: Psychologie phénoménologique de l’imagination (1940 – “O Imaginário: Psicologia fenomenológica da Imaginação”), um ensaio.

Período da II Grande Guerra. Na primeira fase da guerra mundial Sartre serviu como meteorologista na Lorena, 1940. Caiu prisioneiro quando Hitler invadiu a França, e foi encerrado no campo de concentração de Trier (Treves), na Alemanha ocidental, cidade junto à fronteira com Luxemburgo que foi berço de Karl Marx. No período de sua prisão Sartre escreveu uma peça de teatro que depois não quis contar entre os títulos de suas obras, alegando que fora um trabalho dentro de um contexto particular, e que a havia escrito apenas para levantar o ânimo de seus companheiros de infortúnio. É uma peça natalina, representada pelos prisioneiros no Natal de 1940, e publicada 30 anos mais tarde com o título Bariona, ou Le fils du tonnerre ( “Bariona, ou O filho do trovão”). O drama, de inspiração religiosa, fala de Jesus e de Maria, Sua mãe, que “Trouxe-o no ventre durante nove meses, oferecer-Ihe-á o seio e o seu leite se tornará o sangue de Deus”. Foi solto por razões médicas (por um alegado problema de visão) um ano mais tarde, na primavera de 1941. Em liberdade, voltou ao Liceu de Neuilly, passando depois a lecionar no Liceu Condorcet e no Liceu Pasteur, em Paris. Fundou então o grupo Socialismo e Liberdade a fim de atuar junto à Resistência. O grupo produziu panfletos clandestinos contra a ocupação alemã e contra os colaboracionistas franceses.

Em 1943, em plena fase da guerra, fez a primeira publicação de uma peça teatral, “As Moscas”, que envolve veladamente o comando alemão e os colaboracionistas, e publicou também o famoso L’Être et le néant (1943 – “O Ser e o Nada”), obra fundamental da teoria existencialista. O “Ser e o Nada” sub intitula-se “Ensaio de ontologia fenomenológica” e nele Sartre aprofunda seu pensamento com respeito à consciência humana, como “um nada” em oposição ao Ser. A consciência é “não-matéria”, nada, e por isso mesmo escapa a qualquer determinismo. Sendo um “nada, ela “nadifica” seus objetos. A consciência é essencialmente negadora das coisas em si mesmas, na medida em que se encontra revestida da característica ontológica de ser, ela própria, o seu próprio nada.

A teoria da negatividade da consciência não é senão uma das perspectivas do pensamento de Sartre. Outra é a de que o outro é o “mediador indispensável entre mim e mim mesmo”; precisamos de outrem para conhecer plenamente a nós mesmos. Mas a relação primordial com outrem é o conflito. Todo tipo de relação humana está condenado ao fracasso; através delas nunca atinjo o meu objetivo; a indiferença, o sadismo, o ódio, o masoquismo, o amor, a linguagem, são diversas manifestações da minha tentativa, sempre fracassada, de conviver com outrem. Essas obras e mais “Entre 4 paredes” (1944), rapidamente fizeram dele a mais célebre dos escritores franceses de seu tempo.

Segunda fase filosófica. Sartre lecionou até 1945. Nesse ano dissolveu o movimento Socialismo e Liberdade e fundou com Simone de Beauvoir, Merleau-Ponty (1908-1961), Raymnond Aron (1905-1983) e outros intelectuais, a revista de filosofia Les Temps Modernes (“Os Tempos Modernos”), deixando de lecionar para cuidar deste e de outros empreendimentos literários.

Tendo em uma primeira fase exaltado a liberdade, que em suas obras anteriores parecia ter valor por si mesma, agora, após as lições da guerra, Sartre voltou sua atenção para o conceito de responsabilidade social. Nesta nova abordagem da questão da liberdade ele planejou, em 1945, uma novela em quatro volumes sob o titulo Les Chemins de la liberté (“Os Caminhos da Liberdade”) dos quais publicou três: L’Âge de raison (1945 – “Idade da razão”), Le Sursis (1945 – “Sursis”), e La Mort dans l’âme (1949 – “Com a Morte na Alma”).

Em lugar do quarto volume de “Os Caminhos da Liberdade”, Sartre decidiu que o romance poderia não ser o melhor veículo de suas mensagens e intensifica a produção de peças de teatro. Ele já havia produzido nessa área durante a guerra, e agora escreve vários: Les Mouches (1943), Huis-clos (1944), “Entre Quatro Paredes” (1945), “Mortos sem Sepultura” (1946) e “A Prostituta Respeitosa” (1946), Les Mains sales (1948 – “As mãos sujas”), e continua com Le Diable et le bon dieu (1951 – “O Diabo e o Bom Deus”), Nekrassov (1955), e Les Séquestrés d’Altona (1959 – Seqüestrados de Altona”), esta sobre o problema do colonialismo na Algéria Francesa. Todos essas peças fazem uma abordagem pessimista do relacionamento humano, enfatizando a hostilidade natural do homem para com seu semelhante, porém deixam antever uma possibilidade sempre presente de remissão e salvação.

De 1946 são os ensaios “O existencialismo é um Humanismo”, escrito para esclarecer o significado ético do existencialismo, e “Reflexões sobre a Questão Judaica”. Outras publicações da mesma época incluem um livro, Baudelaire (1947), um script para o cinema, “Os dadas estão lançados”, na critica literária e psicológica “Baudelaire” e um estudo sobre o escritor e poeta francês Jean Genet, com o título Saint Genet, comédien et martyr (1952), “O Fantasma de Stalin (1956), e inúmeros artigos que foram publicados em seu jornal Les Temps Modernes. Porém em 1955 se desentende com Merleau-Ponty, com quem mantinha o jornal, por motivos políticos.

Atividades políticas. Após a II Guerra Mundial, Sartre havia continuado sua atividade política (nascida ao tempo que Sartre acusava o marxismo de se ter ossificado e que, em lugar de adaptar-se a situações particulares, compelindo cegamente o particular a enquadrar-se em um universal predeterminado. Quaisquer que fossem seus princípios gerais, o Marxismo precisava reconhecer circunstâncias existenciais concretas que diferem de uma comunidade para outra e respeitar a liberdade individual do homem. O projeto de um segundo volume do Critique foi, no entanto, temporariamente suspenso, e publicado em seu lugar o Les Mots, que mereceu o prêmio Nobel, que recusou.

Últimos anos. Muito se tem conjecturado sobre as verdadeiras razões de haver Sartre recusado o prêmio Nobel, as quais, aparentemente, não estariam tão claras para ele mesmo, que acreditava na transparência da consciência. Porém, seria no seu próprio subconsciente, que ele negava existir, que talvez estivesse a resposta. Foi uma criança super-estimulada a ser inteligente e vencedora, o que no íntimo ele talvez não acreditasse ser, sentindo-se um impostor comparado ao célebre pastor, primo de sua mãe, e ao seu próprio avô, figura solene, vastas barbas brancas, que “assemelhava-se a Deus Pai”, figuras e exemplos em que pivotaram os estímulos de sua educação infantil. Comparado a esses que seriam para ele os verdadeiros merecedores do prêmio Nobel, – e um deles de fato recebeu o prêmio, – Sartre confessa um idealismo, não uma prática da generosidade, e um certo remorso por não ter sofrido, onde diz, em “As Palavras”: “Meu idealismo épico compensará até a minha morte uma afronta que não sofri, uma vergonha que não padeci…”

De 1960 até 1971 a atenção de Sartre concentrou-se no preparo de um estudo em quatro volumes sobre o famoso escritor francês Gustave Flaubert. Dois volumes, com um total de 2.130 páginas apareceu no início de 1971, contendo minuciosas análises freudianas da infância e das relações familiares de Flaubert.

Atividades como conferencias e passeatas como meio de apressar a Revolução socialista passaram depois a ocupar boa parte do tempo de Sartre. Em 1961 viaja para Cuba e Brasil, e aqui foi festivamente recebido pelas esquerdas. Pouco escreveu em 1971. Apesar de tudo, em 1972 publicou o terceiro volume do trabalho sobre Flaubert, com o título L’Idiot de la famille (“O idiota da família”), igualmente denso e de leitura fastidiosa.

Em seus últimos anos Sartre ficou cego e sua saúde declinou até seu falecimento em Abril de 1980 devido a um tumor pulmonar. Teve um funeral impressionante pela massa popular que compareceu, estimada em 25.000 pessoas.

Sobre o aspecto meramente literário de sua obra, se diz que poderia ter colocado sua filosofia de uma forma mais clara e mais breve do que fez em “O Ser e o Nada”.

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 04-03-2001.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Jean-Paul Sartre – Vida, época e filosofia e obras de Jean Paul Sartre. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2001.