Arthur Schopenhauer

Hoje: 18-11-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

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PENSAMENTO

Platão e Kant. Schopenhauer assume a doutrina de Platão de que os objetos do mundo não eram mais que aparências, meras sombras das coisas verdadeiras, as quais o homem não podia conhecer neste mundo, feito todo ele de representações imperfeitas. Para Platão as coisas perfeitas e absolutas existiam no mundo das idéias, onde as almas, antes de se encarnarem nos corpos, puderam vislumbrá-las. No mundo das idéias existe a beleza total e completa, mas coisas belas do mundo eram belezas incompletas, eram apenas representações imperfeitas da verdadeira beleza, que estava fora do alcance e da compreensão do homem. No entanto Schopenhauer pondera que existe uma coisa absoluta que o homem conhece totalmente: a vontade.

Analisando minuciosamente também a Kant, Schopenhauer objeta que a Vontade também escapa à sua doutrina. Também Kant havia dito que conhecemos os fenômenos que nos revelam as coisas mas não as conhecemos em si mesmas, totalmente. Disse que nosso conhecimento está preso a certas fórmulas de apreensão da realidade e que só podemos elaborar o conhecimento de modo limitado segundo quatro grupos de formas ou de categorias de intuição: o de quantidade, o de qualidade, o de relação e o de modalidade. Esses grupos de categorias totalizam doze categorias, entre elas, por exemplo, a de pluralidade, ou seja, a percepção de que uma coisa é única ou múltipla, dentro do grupo das categorias de quantidade. Assim também se dá com a categoria de causalidade, uma forma de relação, segundo a qual nós podemos dizer que uma coisa é a causa de uma outra, não apenas porque vemos uma sucessão de eventos, mas porque também somos capazes de conceber uma vinculação de causa e efeito.

Kant disse mais que, primeiramente, tudo que sabemos são coisas que se sucedem no tempo e se distribuem no espaço. Espaço e tempo precede, portanto, as 12 categorias, uma vez que não sabemos de nada que não esteja no espaço, real ou imaginário, ou que não esteja no tempo. A aquilo que podemos conhecer Kant deu o nome de fenômenos, e para o que existe sem que possamos conhecer, deu o nome de nôumeno que significa, a coisa não aparente, incognoscível, que se costuma dizer também que é “a coisa em si”.

Em sua crítica a Kant Schopenhauer diz que existem coisas que conhecemos sem nos valermos de qualquer das 12 categorias, e que também não dependem do tempo e do espaço: a consciência e a vontade.

A Vontade. Para descobrir a “coisa em si”, Schopenhauer voltou sua atenção para o próprio homem, que também é uma coisa no universo. É verdade que o homem somente pode conhecer seu corpo como fenômeno, como aparência, segundo o tempo e o espaço e as categorias. Porém, voltando-se para o seu interior, já não precisa de tempo nem de espaço para sua consciência. Esta é atemporal e pontual. A vontade, por sua vez, representa o querer viver, é o querer realizar-se. A vontade é uma coisa em si mesma, irredutível a qualquer outra coisa, sem causa, independente do tempo e do espaço, e das categorias.

A vontade não se desloca e se extingue passando da coisa desejada para a coisa conquistada, a vontade quer sempre, é avassaladora, é sem sentido. Toda a vida é sofrimento porque é um constante querer eternamente insatisfeito, que leva ao amor, ao ódio, ao desejo ou à rejeição. Para Schopenhauer a Vontade estava presente no mundo como se fosse a própria alma do universo, e era a força total pela qual o mundo existia e se movia. Ele fez da vontade um ser à parte, que se manifestava em toda a natureza como o substrato de todas as coisas. A vida é a manifestação da vontade. Schopenhauer considera como materialização, realização em força ou materialização da vontade, todas as forças e objetos da natureza como a gravidade, o magnetismo, os instintos animais, as forças de reação química, etc.

Schopenhauer elimina Deus, e em seu lugar coloca uma “vontade universal” que é a força voraz e indomável da própria natureza. A vontade aqui nada tem a ver com a decisão racional por uma opção de agir, mas trata-se de um ser absoluto, essência primeira, a coisa em si, o noumeno, que é irredutível e gera todas as coisas deste mundo, Essa fome insaciável da Vontade faz o mundo anárquico e cruel. Essa vontade, que é também um substrato, a coisa em si, no homem, é responsável pelos seus apetites incontroláveis. Ao final o homem encontra a morte, o golpe fatal que recebe a vontade de viver, como se lhe fizesse a pergunta: Você já teve o bastante?

Ética Não contem a noção de dever mas a noção de renúncia. Schopenhauer propõe uma santidade cristã que é mio caminho para o nirvana hindu. No homem a vontade é algo de que ele tem consciência como vontade de viver e ao mesmo tempo consciência de permanente insatisfação com o que ele é (segundo conhecimento, depois do conhecimento da vontade, é o da sua insatisfação) com o que faz, de modo que a única salvação é a superação da vontade de viver.A única salvação definitiva é a superação da vontade de viver. Para anular a vontade: a renúncia, como fazem os santos, e o nirvana da filosofia hindu (budismo e bramanismo) A vontade é constante dor. Isto faz que a filosofia de Schopenhauer seja um rigoroso pessimismo.

Ciência. A incursão que Schopenhauer fez na ciência foi tão desastrada quanto a de Goethe, seu mentor em Weimar. Schopenhauer não aceitou a teoria das ondas de luz e a nova física da eletricidade desenvolvida por Thomas Young (1773-1829) e Michael Faraday (1791-1867. Preferiu a teoria das cores formulada por Goethe, com cuja ajuda havia escrito o “Sobre a visão e as cores”, de 1816, baseado no Zur Farbenlehre (“Teoria das cores” – 1810) escrito pelo poeta, que ignorou os achados pioneiros da ciência de sua época nessa área, notadamente as descobertas de Newton. Era também adepto da teoria da geração expontânea dos seres, que Pasteur viria de destruir pouco depois.

Ao dar a Vontade como propulsora da evolução dos corpos, Schopenhauer pareceu a muitos um seguidor da Teoria da Evolução na linha do pensamento de Lamarck. Porém, Schopenhauer concebe a Vontade em seu sistema como algo sem nenhuma meta ou finalidade, um querer irracional e inconsciente, cujo único móvel é meramente o de se impor de alguma forma e se perpetuar.

Psicanálise. A visão pessimista que Schopenhauer tem do mundo influenciou vários filósofos depois dele, notadamente Sartre. A sua influência mais forte deu-se, porém, sobre Nietzsche, Freud, e o compositor Richard Wagner.

O Die Welt als Wille and Vorstellung (“O Mundo como vontade e representação”) revela que um grande número dos postulados mais característicos em Freud foram pensados por Schopenhauer. E o mais importante, Schopenhauer articula a maior parte da teoria freudiana da sexualidade. Na psicanálise de Freud se pode encontrar um espelho da própria doutrina da Vontade de Schopenhauer. Sua teoria dos apetites inspirou a Freud sua teoria dos instintos e de que o sexo é essa vontade soberana. Alguns críticos de Freud chegam a dizer que este não fez muito mais que desenvolver na Psicanálise as ideias de Schopenhauer, a começar pela sua teoria dos instintos os quais correspondem perfeitamente à vontade opressora que dirige as ações do homem, e de modo total, não apenas no instinto sexual (eros) como também no instinto de morte (tanatus).

O conceito de “Vontade” de Schopenhauer contem também os fundamentos do que viriam a ser os conceitos de “inconsciente” e “Id” da doutrina freudiana. A vontade como coisa absoluta e auto-suficiente, tem ela própria “desejos”. Quando se manifesta na forma de uma criatura ela busca se perpetuar por via dos meios de reprodução dessa criatura. Por isso o sexo é básico para a vontade perpetuar a si própria, diz Schopenhauer no volume II do Die Welt. Resulta que “o impulso sexual é o mais veemente de todos os apetites, o desejo dos desejos, a concentração de toda nossa vontade”.

O que Schopenhaur escreveu sobre a loucura antecipou a teoria da “repressão” e a concepção da etiologia das neuroses na teoria da Psicanálise de Freud. A psicologia em Schopenhauer também contem aspectos do que veio a ser a teoria fundamental do método da livre associação de idéias, utilizado por Freud..

Quando Freud fez seus estudos pré-universitários e universitários, entre 1865 e 1875 Schopenhauer estava na crista de sua fama, e era virtualmente o filósofo do mundo de língua alemã. Mas, se Freud não retirou diretamente de Scopenhauer as suas idéias, pode te-lo feito através da leitura de Brentano. Freud foi seu aluno à época em que Brentano publicou o seu Psychologie vom empirischen Standpunkte (“A Psicologia de um ponto de vista empírico”) no qual faz vária referências às idéias de Schopenhauer. Por uma outra via, postulados como os da inibição sexual, o dos complexos de idéias subconscientes, do incesto e da fixação materna, podem ter chegado a Freud filtrados através de Wagner.

Freud recorreu livremente também à mitologia e à filosofia gregas. Além de tomar da filosofia a noção de atividade associativa subconsciente, adotou também como divisão da mente humana a divisão platônica da alma, renomeando-as como Id, Ego e Superego. Ainda aqui Schopenhauer pode ter sido o seu guia e inspirador, porque foi aquele filósofo e não Freud que se dedicou ao estudo da filosofia clássica notadamente ao platonismo.

Wagner. O compositor Richard Wagner, inspirado no seu perdido amor por Mathilde Wesendonk, que causou sua separação de sua esposa Minna, e influenciado pela filosofia pessimista de Arthur Schopenhauer, escreveu Tristan und Isolde (1857-59), que tem por expressão fundamental a vontade cega. Em 1869 Wagner retomou um antigo projeto, a tetralogia Der Ring des Nibelungen (“O anel de Nibelung”), entrelaçando significados como, em um nível, a preocupação com o nacionalismo alemão, o socialismo internacional, a filosofia de Schopenhauer, o budismo, e o cristianismo; e em outro nível, o tratamento de temas que Freud desenvolveria depois na psicanálise, como o poder dos complexos com origem na inibição sexual, incesto, fixação materna e complexo de Édipo.

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 24-01-2003.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Arthur Schopenhauer. Filosofia Contemporânea. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2003.