Hoje: 23-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
Em abril de 1806 Madame de Staël arrisca-se a ir à França, enquanto Napoleão fazia a guerra da Prússia e da Polônia.. Auguste cursava preparatórios para entrar na Escola Politécnica, – onde Napoleão impedirá que ele se matricule -, e ela desejava acompanhar seus estudos. Para tal necessitava estar a pouca distancia de Paris, violado o limite fixado para seu afastamento da capital. Instalou-se sucessivamente em Auxerre e Rouen e por último, com a conivência do amigo Fouchet, ficou, de fins de novembro a abril de 1807, a apenas doze léguas de Paris, no castelo d’Acosta, próximo a Meulan, onde conclui o Corinne. Constant então lê para ela o seu Adolphe. Ela se vê retratada pejorativamente no romance, e lhe faz uma cena violenta.
Ao retornar ao país, no início de 1807, Napoleão se irrita ao saber que Madame de Staël está novamente próxima de Paris, e ela recebe ordem de partir. Receosa, em abril ela volta para Coppet após passar clandestinamente alguns dias em Paris. É publicado em Paris ao fim de abril ou início de maio, o romance Corinne, ou l’ltalie, que alcança grande sucesso. A personagem Corina, meio italiana, meio inglesa, guia um lorde escocês pela Itália. Leva-o a conhecer os lugares históricos mais sagrados da cidade, tanto da república romana quanto do cristianismo, e os esplendores do Renascimento. O romance está ambientado também nos campos e nas vilas italianas. O personagem Oswald é acusado de franqueza e irresolução, resultante do abalo de suas posições patriarcais por estar submetido a uma mulher inteligente a quem ama e obedece.
O povo lê com interesse as aventuras de de Corinne e lorde Oswald. Mas o livro também levanta comentários jocosos e Constant se sente visado por artigos de críticos que vêm nas duas personagens a própria autora e seu amante.
O grupo de Coppet, no qual liberais e monarquista se misturam, reúne Constant, Juliette Récamier e vários escritores românticos, franceses, alemães, e de outros paises, que vêm confraternizar e trabalhar, escrever, encenar peças e traduzirem suas obras. Recebeu uma visita de alguns meses do Príncipe Augustus da Prússia. No outono ela escreve o drama Geneviève de Brabant. O preceptor Schlegel publica Comparaison entre la Phèdre d’Euripide et celle de Racine, obra que levanta polêmica na imprensa.
Em dezembro de 1807 viajou para passar um ano em Viena, na corte do Príncipe de Ligne. Enquanto está em Viena, Napoleão concede uma audiência, em Chambéry, a seu filho Auguste de Staël. Ele pede inutilmente ao imperador permissão para a mãe voltar a residir em Paris.
O inverno desse ano é brilhante e festivo para ela, em meio à sociedade vienense. Frequenta o teatro e se liga ao Marechal de Campo Conde Maurice O’Donnell, de 27 anos, filho do Ministro das Finanças da Áustria, caso que termina ao fim do verão. Vê muito ao príncipe de Ligne e trabalha com ele em uma antologia de textos. O preceptor Schlegel. dá um curso de literatura dramática. Em 22 de maio ela deixa Viena. Por volta de 6 de julho já está em Coppet e começa a escrever o De l’Allemagne. (“Sobre a Alemanha”).
Recebe em Outubro e novembro a Voght, o filantropo, e Oehlenschläger e Zacharias Werner, dramaturgos. Ela encena sua peça La Sunamite. Em fins de novembro ela se instala em Genève. Em meiados de dezembro ela encena sua comédia La Signora Fantastici.
Em 1809, passa o inverno em Coppet. No início de fevereiro, publica com grande sucesso as Lettres et pensées du prince de Ligne. Instala-se de volta em Coppet no fim de abril, para passar o verão. É visitada por Charlotte de Hardenberg, que lhe revela seu casamento secreto com Benjamim Constant, ocorrido em junho do ano anterior, um golpe emocional para ela, mas concorda que o segredo seja mantido.
Em abril de 1810, tendo terminado os três volumes do De l’Alemagne, ela desejou supervisionar a impressão da obra, apesar de ter que violar o limite que lhe fora imposto de 40 léguas de Paris. Ela consegue instalar-se nas vizinhanças de Blois, no antigo castelo de Chaumont-sur-Loire, onde havia residido Catherine de Medicis. O proprietário, Monsieur Le Ray, amigo da família, achava-se em viagem aos Estados Unidos. Lá recebe numerosos amigos, inclusive Constant. Dá início à impressão do De l’Allemagne. Com esta nova obra, que ela havia começado a redigir em 1808 e termina em 1810, queria que os franceses aprendessem tudo sobre a Alemanha: aspectos físicos e culturais, e a sua história. É um estudo profundo dos hábitos alemães, sua literatura e arte, sua filosofia, moral, e religião, no qual ela revela aos seus contemporâneos a Alemanha do movimento Storm und Dran ocorrido de 1770 a 1780. Ela se interessa pelo conde de Balk, mas a ligação terminará em outubro.
Com o retorno de viagem dos proprietários do castelo de Chaumont, Madame de Stael muda-se, em agosto, para uma casa de fazenda chamada Fosse, colocada à sua disposição por um generoso amigo. Morava na fazenda um soldado, que a serviu com grande prestimosidade. Sua grande amiga, Juliete Recamier, considerada uma das mais belas mulheres da França, veio visitá-la. Os camponeses e moradores da vila próxima vinham ver pelas janelas, curiosos, aquelas pessoas diferentes, que tocavam instrumentos, cantavam, declamavam. Certo dia, tendo ido ao precário teatro em Blois ver a representação da ópera Cinderella, os curiosos a seguiram pela rua, interessados em conhecer a nobre senhora exilada.
Nesse ambiente bucólico, ela termina, em setembro, de corrigir as provas do De l’Allemagne, encerrando 6 anos de trabalho. A obra é impressa, mas não chega a ser distribuída. Germaine fora visitar Mathieu de Montmorency, que possuia um castelo em meio à floresta, a cinco léguas de Blois. Na sua ausência, seus filhos e amigos na fazenda Fosse receberam a notícia de que os livros já impressos haviam sido confiscados na Editora e destruídos pela polícia. O filho Auguste foi avisá-la e ela, retornando a Fosse no dia seguinte, foi obrigada a entregar os manuscritos ao prefeito de Loir e Cher. Mas lhe passou apenas um rascunho, que ele aceitou, enquanto os originais haviam sido escondidos por Auguste. Sua indignação é grande, uma vez que a obra havia recebido aprovação da censura e permissão para ser impressa. Ela pensou em seguir para a Inglaterra, mas foi indiretamente impedida pelo Chefe de Polícia, que proibiu seu embarque por qualquer dos portos do Canal, onde navios americanos poderiam transportá-la para um porto inglês.
Como Corinne, ou De l’Italie, o romance Delphine, ou De l’Allemagne continha uma crítica implícita da política de Napoleão, e ele viu o perigo; considerou o livro anti-Francês. Porém, como os originais e muitos textos de prova escaparam à polícia, o livro pôde ser publicado na Inglaterra em 1813.
O Corinne pode ser considerado o resultado de seu passeio na Italia, assim como os frutos de sua visita à Alemanha estão contidos no De l’Allemagne. Em Delphine, ela se concentrou sobre a sociedade parisiense, seus salões, as dificuldades provocadas pela Revolução aos seus eventos intelectuais e festivos. Corinne, mulher de gênio, poetiza et artista, é ela também vítima de uma sociedade inglesa repressiva. A Inglaterra não é um bom modelo de liberdade social, tanto quanto é um modelo de política constitucionalista. E, como sempre, as mulheres são as primeiras vítimas. Mas a maior parte do romance se passa na Itália.
Nos primeiros dias de outubro de 1810, ela parte para Coppet; estando a Suíça também sob o domínio de Napoleão, ela é permanente vigiada, e proibida de escrever e publicar qualquer coisa. Napoleão dá ordens, o Prefeito de Genebra se encarrega de cumprir.
Em maio de 1811, por prescrição médica, ela leva Albert, o filho mais novo, para banhos no balneário de Aix, na Savoia, a 20 léguas de Coppet. Ela comunicou ao prefeito essa ausência. Dez dias depois o prefeito enviou um emissário com uma ordem para ela retornar. Assim como fora proibida de embarcar em qualquer porto do canal da Mancha, agora estava proibida de alugar cavalos a qualquer postilhão, para assim impedi-la de deixar a França e viajar para a Inglaterra.
Schlegel, que por oito anos fora preceptor dos filhos de Madame de Staël, recebe ordem de deixar Genebra e se afastar de Coppet. Seus filhos também foram proibidos de ir sem licença à França, uma punição por terem os dois rapazes tentado falar com Napoleão, em favor de sua mãe. O filho Auguste fica impedido de entrar para a Escola Politécnica.
Em novembro se instala em Genebra, para o inverno. Reencontra o jovem oficial “John” Rocca, de 23 anos, que fora ferido na guerra da Espanha e dispensado dos granadeiros, e que se apega a ele com paixão.
Em fins de fevereiro de 1811, Capelle substitui a Barante pai na prefeitura de Léman. A vigilância sobre ela redobra. O prefeito de Genebra comunica-lhe que não poderia se afastar de Coppet mais de duas léguas. Os amigos de Paris já não a visitavam, para não se indisporem com Napoleão. Ela se vê sem poder receber os amigos, cuidar convenientemente dos filhos, sem poder publicar suas idéias. Por insistência do preceptor Schlegel, ela pensa em fugir.
No decorrer do ano, Madame de Staël começa a escrever o que seria mais tarde o livro Dix années d’exil; ao mesmo tempo escreve e publica o drama Sapho, les Réflexions sur le suicide, que lembra o personagem de Corina sobre o fundo trágico da mulher genial vítima do amor. Reúne, também, elementos para um projeto a respeito de Ricardo Coração de Leão, em cuja vida é comumente buscada a origem das idéias liberais. Interessa-se também pela recem divulgada filosofia de Kant, que lhe parece capaz de nutrir a filosofia francesa.
Ela faz planos para fugir da Suíça. Deseja voltar à Inglaterra e examina o mapa da Europa procurando um itinerário que ficasse fora da jurisdição de Napoleão e não vê outra possibilidade senão passar pela Rússia, que já se achava na iminência de ser conquistada pelo Imperador, e de lá alcançar a Suécia, de onde poderia seguir para Londres. Havia o problema do passaporte: como requerer ao imperador Alexandre da Rússia sua entrada no país, sem que o embaixador francês naquele país tivesse notícia de sua viagem?
Um grande lenitivo foi Mathieu de Montmorency aceder em visitá-la. Apesar da proibição de deixar Coppet, ela foi recebê-lo em Orbd, e visita com ele vários pontos de interesse na Suíça, acompanhados do filho Auguste. Quando retornaram, o prefeito de Genebra censurou-a pela desobediência mas prometeu que não comunicaria o fato às autoridades em Paris.
Em 1811 casou secretamente com o oficial suíço, seu amante. Em abril do ano seguinte dá à luz secretamente em Coppet a Louis-Alphonse Rocca.
Os dias que o Senhor de Montmorency passou em Coppet custaram-lhe a perseguição do Imperador. O correio que levou a notícia de que ele estava em Coppet, voltou com a carta de seu banimento da França. Pouco depois o mesmo aconteceria a sua bela amiga Madame Recamier, que ao dirigir-se ao balneário de Aix na Saboia, pretendia deter-se em sua casa para uma visita. Apreensiva com essa notícia, ela enviou um mensageiro encontrar Madame Recamier no caminho para convencê-la a não passar por Coppet, mas a amiga insistiu e Madame de Stael chorou convulsivamente ao abraçá-la quando entrou no castelo. A amiga não escapou ao mesmo golpe que atingirá o Senhor de Montmorency: foi desterrada em razão de sua visita de poucas horas a Madame de Staël. Em agosto, o Senhor de Montmorency deixou Coppet, por insistência de sua família em distanciá-lo da baronesa.
A fuga. Dividida entre o desejo de escapar para a Inglaterra, os riscos da viagem e a possibilidade de nunca poder voltar a sua terra natal e seu circulo de amigos, ela perambulava pelo jardim do castelo imersa em pensamentos. Permanecer na Suiça, pais que estava subjugado pelo Imperador – como de resto quase toda a Europa -, era esperar que o círculo finalmente se fechasse inteiramente e ela terminasse presa ou fosse executada. E se perguntava o que seria de seus filhos se tal acontecesse. Por outro lado, tinha recursos suficientes para a viagem, por longa e dispendiosa que fosse, e também para viver em Londres. Começou a se preparar secretamente para fugir, antes que a última rota de fuga se fechasse. E essa rota exigia uma longa volta pelos confins da Europa.
Rezou uma hora diante do túmulo de seu pai e então sentiu-se convencida da necessidade de partir. Em 23 de maio de 1812, no meio da tarde, deixou o castelo com os filhos, sem levar nenhuma bagagem. Os criados de nada sabiam. Avisou que voltaria à hora do jantar. O filho mais novo permaneceria em Coppet. O filho mais velho e o oficial Roca levavam nos bolsos o dinheiro necessário para os primeiros dias de viagem. Viajaram toda a noite e no dia seguinte, até uma casa de fazenda depois de Berna, onde havia combinado de entrar o preceptor Schlegel, que havia se oferecido para acompanhá-la na fuga.
Depois de acompanhá-la no primeiro dia de viagem, seu amante Roca retornou a Genebra para concluir alguns negócios e voltar a encontrá-la mais à frente.. Também despediu-se do filho mais velho, que estava com a grave responsabilidade de obter do embaixador da Áustria, para os fugitivos, em Berna, os vistos para a entrada naquele país e retornaria a Coppet. O filho mais novo, Albert, deixaria o castelo para juntar-se à mãe em Viena levando seus criados e a carruagem própria para longas viagens. Somente esta segunda movimentação foi notada pela polícia, mas Madame de Stël já se encontrava fora de seu alcance.
Em Insbruck visita o túmulo do Imperador Maximiliano. Continuando, chega a Salzburg, capital do bispado de mesmo nome, onde recebe a aterrorizante notícia de que um agente do governo francês havia indagado por uma carruagem vinda de Insbruck na qual viajavam uma senhora e sua filha, e estava na estrada para interceptá-la. Madame de Staël aterrorizada, combinou com Schelegel – igualmente alarmado – que buscaria um esconderijo na cidade, e que ele continuaria com sua filha para a Áustria. Caso fossem alcançados pelo agente, diriam que ela já se encontrava na Áustria e que iam se juntar a ela. Ela esperaria em Salzburg mais alguns dias e depois iria para a Áustria disfarçada de camponesa. Quando iam por em prática o plano, apareceu seu amante Roca na estalagem: era ele o agente! Ele se fizera passar por emissário do governo francês afim de ser atendido com mais rapidez na troca de cavalos e, seguindo por outro caminho, conseguiu chegar antes dela à fronteira da Áustria e inteirar-se de que a a passagem estaria aberta para ela. Imensamente aliviada e feliz, saiu a passear com a filha e os amigos, para conhecer a cidade. Aguardou na Abadia de Molk o filho Albert que deveria juntar-se a ela trazendo outro carro, os criados e sua bagagem.
A Áustria, com sua moeda desvalorizada e os altos impostos determinados por Napoleão, não era o mesmo país feliz que ela visitara quatro anos antes. Ela chegou em Viena a 6 de Junho, e logo solicitou ao embaixador russo um passaporte para a Rússia. Não teve a mesma recepção que da vez anterior em que estivera em Viena, porque os príncipes estavam em uma conferência convocada por Napoleão, em Dresden.
Os primeiros dez dias em Viena passaram desanuviados e apesar da ausência dos soberanos, que estavam… achou-se em meio a uma sociedade cujo modo de vida correspondia ao seu próprio refinamento. Porém a situação mudou depois que o chefe de polícia recebeu instruções a seu respeito: passou a ser vigiada de perto. Era seguida por espiões em qualquer lugar que fosse. Constrangida com aquele acossamento ostensivo, decidiu prosseguir viagem, sem receber os passaportes russos. Relata que deixou um de seus companheiros na capital austríaca, incumbido de alcançá-la mais à frente com os passaportes, assim que os recebesse.
Deteve-se por alguns dias em Brunn, capital da Moravia, e passando por Lanzut, chegou à fronteira russa em Brody. Por toda a Polônia, em cada posto de troca, sua carruagem era assediada por judeus que ofereciam objetos, mendigos barbudos e por soldados ou funcionários que inspecionavam o veículo e os passaportes dos viajantes. Havia em todos os postos policiais o aviso de que seus passos deveriam ser cuidadosamente vigiados. A polícia austríaca enviou também a descrição de Rocca a todos os postos ao longo do caminho com ordem pois havia ordem de prisão para ele devido a ser um militar francês e estar protegendo uma inimiga do Imperador – , e se fosse preso seria recambiado à França e, por ser um oficial, lá seria executado por traição. Ele passou a viajar em separado, disfarçado e com um nome falso.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 18-12-2005.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Madame de Staël. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2005.