Gottfried Wilhelm Leibniz

Hoje: 21-11-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

A época (1646-1716).

A época de Leibniz é principalmente a segunda metade do século XVII. A França é então o centro das artes e das ciências e, apesar de alemão, Leibniz escreverá a quase totalidade das suas obras em francês e latim. Sua vida inteira transcorreu no reinado de Luís XIV, o “Rei Sol”. Este monarca, de imenso prestígio na Europa, nasceu em 1638 e sucedeu o pai, Luís XIII, em 1643. Até 1661 esteve sob a regência do Cardeal Mazarino. Rigoroso, patrono das artes e da indústria, Luís XIV impôs unidade à França e, com as guerras de 1667 e 1697, estendeu as fronteiras do reino para o leste às expensas de principados alemães de domínio dos Habsburgos e depois engajou a França numa coligação hostil para garantir o trono da Espanha para seu neto, falecendo em 1715.

Ao tempo do nascimento de Leibniz, os principados alemães viviam um pós-guerra de grande penúria. O Sacro Império Romano, do qual faziam parte, havia sido palco de sangrentas disputas no século que se seguiu à Reforma protestante, basicamente porque o imperador manteve-se católico, mas vários príncipes se fizeram protestantes. A mais grave consequência dessa contenda foi a Guerra dos Trinta anos (1618-48), que esfacelou o Império, embora o título de Sacro Império Romano tenha continuado em uso.

Os acontecimentos na Inglaterra influiriam igualmente no destino de Leibniz. O ano de seu nascimento foi também o ano em que terminou a guerra civil inglesa (1642-1646). Puritanos e presbiterianos escoceses, que haviam se aliado com o parlamento contrário ao Rei Carlos I, saem vitoriosos sob o comando de Oliver Cromwell, que proclamou a República. Carlos I, julgado e condenado pelo Parlamento, foi executado em 1649. Surge a obra prima de Thomas Hobbes, “O Leviatã” publicada em 1651. Cromowell dissolveu o Parlamento a que havia servido, proclamou-se Protetor da Inglaterra e governou com poderes absolutos até morrer em 1658.

Sem apoio dos reis da Europa, o herdeiro inglês filho de Carlos I nada pode fazer até a morte de Cromwell Então os ingleses, inclusive os generais do próprio exército de Cromowell, temendo a desintegração do país com a sua sucessão (um filho seu tentou governar a Inglaterra após a morte do pai), levam o Parlamento a convidar Carlos a retornar à Inglaterra em 1660. Governou como Carlos II de 1660 a 1685, dominado pelo Parlamento. Leibniz fará um trabalho importante para a continuação dessa linha sucessória.

Primeiros anos. O Barão Gottfried Wilhelm Leibniz, ou Leibnitz, nasceu em Leipzig, na Saxônia, Alemanha oriental, em 1 de julho de 1646 (21 de junho pelo calendário antigo), em uma família luterana piedosa e culta. Seu pai, Friedrich Leibniz era professor universitário de Ética (filosofia moral) em Leipzig e morreu em 1652. Sua primeira formação vem das leituras na biblioteca do pai (Platão, Aristóteles, Virgílio, São Tomás, etc.). Para ler esses autores aprendeu grego por si mesmo, e também latim lendo o historiador Titus Livius. Entrou para a Nicolai School em 1653.

Juventude. Leibniz estudou filosofia na Universidade de Leipzig de 1661 até 1666, com Jacob Thomasius, — que deve ser o mesmo que, juntamente com Johannes Sauerbrei escreveu De foeminarum eruditione (1671) em defesa da mulher, – e matemática com Johann Kühn um especialista em Euclides. Entrou, então, em contacto com textos dos cientistas, filósofos e matemáticos que haviam revolucionado a ciência e a filosofia: Bacon (1561-1626), Hobbes (1588-1679), Galileu (1564-1642) e Descartes (1596-1650). Leibniz sonhava reconciliar esses pensadores modernos com Aristóteles e os Escolásticos. Com certeza leu também Giordano Bruno (1548-1600) e Raimundo Lúlio (1235-1316) pois, enquanto estuda Lógica, ele concebe a idéia de um “alfabeto do pensamento humano” muito parecido com a “Arte Combinatória” daqueles autores, e que seria título também de uma de suas obras futuras. As combinações das letras do alfabeto que busca divisar expressariam o conhecimento, e a análise das palavras permitiria novas investigações.

Sua tese de bacharelado em Filosofia apareceu em maio de 1663: Disputatio metaphysica de principio individui (“Argumentação metafísica sobre o princípio individual”), em parte inspirada no nominalismo luterano (a teoria de que os universais não têm realidade e são apenas nomes) e enfatizando o valor existencial do indivíduo, que não se explica nem somente pela matéria nem somente pela forma, mas antes pelo seu ser total (entitate tota). Este sentido unitário é o primeiro germe da sua futura concepção das “mônadas”, outra idéia sem dúvida derivada de sua leitura de Bruno. Durante o verão ele passa três meses na Universidade de Jena, onde conhece Erhard Weigel (1625-1699). Para o bacharelado em Direito, em fevereiro de 1664, Leibniz defende a tese Specimen quaestionum philosophicarum ex jure collectarum.

Completado o curso de Direito, Leibniz candidatou-se ao doutorado em Leis, mas foi recusado, devido a sua pouca idade. No mesmo ano, 1666, escreveu Dissertatio de Arte Combinatoria, no qual formulou um modelo que é o precursor teórico de computação moderna: todo raciocínio, toda descoberta, verbal ou não, é redutível a uma combinação ordenada de elementos tais como números, palavras, sons ou cores.

Em 1667 fez estudos de matemática em Jena. Preocupado em propor a união das religiões protestante e católica, Leibniz trabalhou então no Demonstrationes Catholicae. É de 1667 o seu Nova Methodus Discendae Docendaeque Jurisprudentine.

Na universidade em Altdorf – da cidade livre de Nürnberg (Cerca de 50 km a sudoeste de Leipzig) recebeu o título de doutor com a tese Disputatio Inauguralis de Casibus Perplexis in Jure (Sobre Casos Intrigantes), escrito em 1666, como também a oferta de uma cátedra que, no entanto, recusou. La conheceu em 1667 Johann Christian, o Barão de Boyneburg, ilustre estadista alemão da época, que o tomou ao seu serviço e o introduziu na corte do príncipe eleitor, o arcebispo de Mogúncia (Mainz, 20 a 30 Km a sudoeste de Frankfurt, na front. c/ a França), Johann Philipp von Schönborn, onde se ocupou de assuntos de direito e política.

Ainda em 1667 Leibniz escreveu Nova Methodus Discendae Docendaeque Jurisprudentine dedicado ao príncipe-eleitor, um trabalho no qual mostrava a necessidade de uma filosofia e uma aritmética do direito e uma tabela de correspondência jurídica. Criou assim um sistema lógico de catalogação que continha os princípios da informática. Por causa desse trabalho foi incumbido de fazer a revisão do “corpus juris latini” que era a consolidação do direito romano vigente então. Em 1670 Leibniz é conselheiro da Alta Corte de Justiça da Mogúncia.

Em 1670 escreveu “Marii Nizolii de Veris Principiis et vera ratione philosophandi” , composto por uma Dissertatio Praeliminaris (Disertação sobre o estilo filosófico de Nizolio) e a Epistola ad exquisitissimae doctrinae virum [Jacobum Thomasium] de Aristotele recentioribus reconciliabili. Nizzoli (Marius), lat. Nizzolius (1498-1576), fora professor na universidade de Parma, autor de Observationes in M. T. Ciceronem, de 1535. Ele combateu Aristóteles e o método e a escolástica na obra De veris Principiis, et vera ratione philosophandi contra pseudo-philosophos libri IV (Parme, 1553), e Leibniz comenta que ele, como muitos outros, atribuía a Aristóteles erros que eram dos escolásticos. Em 1670 inicia também os rascunhos para uma Scientia Generalis e a Characteristica relacionada à primeira.

Em 1671 ele publica sua Hypothesis physica nova, em duas partes, contendo suas reflexões sobre a difícil teoria do ponto, relacionada a problemas na ótica, espaço e movimento. Ele afirma que o movimento depende, como na teoria do astrônomo alemão Johannes Kepler, da ação de um espírito (Deus). Suas especulações de então levaram-no a situar a alma em um ponto – o que depois desenvolveria como idéia de “mônada” – e a desenvolver o princípio da razão suficiente (nada acontece sem uma razão).

Vida em Paris. Em 1672 o arcebispo príncipe-eleitor envia o jovem jurista em uma missão em Paris onde chega no fim de março. O objetivo da missão era convencer Luís XIV a conquistar o Egito, aniquilar a Turquia para evitar novas invasões da Europa, via Grécia, pelos infiéis. Uma vantagem, no entender do prelado, é que o projeto poderia unir a cristandade e Leibniz, com vistas a essa união, voltou a trabalhar no seu Demonstrationes Catholicae. Mas, como Luís XIV continuava uma ameaça para o Sacro Império, o projeto do arcebispo era também uma estratégia para desviar o poderio militar da França de uma ameaça à Alemanha. Para essa missão, Leibniz preparou um memorial para ser entregue a Luís XIV: De Expeditione Aegyptiaca Regi Franciae Proponenda Justa Dissertatio com uma sinópse Consilium Aegyptiacum.

Enquanto em Paris, Leibniz trava conhecimento com representantes proeminentes do Catolicismo, interessando-se pelas questões motivo de polêmica entre católicos e protestantes. Em setembro conhece a Antoine Arnauld (1612-1694), teólogo expoente do Jansenismo, – movimento católicos não ortodoxo que pretendia uma forma rigorista de moralidade, e cujos seguidores, considerados hereges pela Igreja Católica, negavam a liberdade de vontade e que Cristo houvesse morrido por todos os homens. Com ele discute sobre controvérsias religiosas, a possibilidade da união das igrejas, filosofia e matemática. Arnauld era conhecido pelos seus ataques aos jesuítas, e demitido da Sorbone em 1656, por heresia, refugiou-se na abadia de Port Royal des Champs e mais tarde, em 1682, em Bruxelas, Bélgica, onde escreveria suas idéias. Leibniz queria o apoio de Arnauld para a reunificação da Igreja cristã. Conhece também o matemático holandês Christian Huygens (1629-1695) que lhe mostrou seus estudos sobre a teoria das curvas. Sob a influência de Huygens dedica-se com afinco aos estudos matemáticos. Investigou as relações entre a soma e a diferença de sequências finitas e infinitas de números. Lendo as aulas de geometria de Barrow 1630-1677), ele criou uma regra de transformação para calcular quadraturas, obtendo a famosa série infinita para /4:

2

Por essa ocasião Leibniz perde sucessivamente os seus protetores. Morreu o Barão de Boyneburg em fins de 1672 e o arcebispo eleitor de Mainz no início de 1673. Ele estava, no entanto, livre para continuar seus estudos científicos. Em Paris seu círculo de amigos estava crescendo constantemente. Arnauld o apresenta a muitos jansenistas importantes, entre eles a Étiene Périer, sobrinho do matemático, cientista e escritor francês Blaise Pascal, (1623-1662) que confiou a Leibniz trabalhos não publicados de seu tio. Buscando meios de manter-se, pratica advocacia e constroe uma máquina de calcular, um aperfeiçoamento de uma máquina desenvolvida anteriormente por Pascal, e indo à Inglaterra de janeiro a março de 1673, apresentou-a à Royal Society. Em Londres travou conhecimento com os mais avançados matemáticos, cientistas e teólogos ingleses da época. incluindo o químico Robert Boyle (1627-1691), John Collins (1625-1683), um amigo do físico Sir Isaac Newton (1643-1727) e também John Pell (1610-1685) matemático e diplomata habituado a divulgar por correspondência as novidades matemáticas entre os grandes matemáticos da época e que foi professor de matemática em Amsterdam e Breda e em 1661 se radicou em Londres onde faleceu.

Novamente em Paris, outro importante personagem em seu círculo de relacionamento e debates filosóficos e científicos foi o geómetra e filósofo cartesiano, Nicolas Malebranche (1638-1715), além do matemático alemão Walter von Tschirnhaus (?-1708), que fora amigo de Espinosa (1632-1677). Este, penso que foi quem despertou nele interesse em conhecer aquele filósofo judeu.

Em 1674 escreveu Politische Betrachtung über gegenwaertigen Krieges-Zustand, swischen Frankreich und Ober- und Nieder Teutsch-Land.

Em fins de 1675 Leibniz lançou os fundamentos tanto do calculo integral quanto do cálculo diferencial. Estas descobertas o levaram, no campo da filosofia, a deixar de considerar o tempo e o espaço como substâncias ou coisas que pudessem ser estudadas em si mesmas, por conterem algo metafísico. Criticou então a formulação cartesiana do movimento, que constituía a Mecânica, substituindo-a pela noção de Dinâmica, em que o movimento não é criado por uma energia cinética, mas conservado (a força metafísica que existe nas mônadas). A permanência em Paris prolonga-se até 1676.

Retorno à Alemanha. Ainda sem renda garantida para sua sobrevivência, Leibniz é obrigado, em 1676, a aceitar um emprego na Alemanha, e deixa Paris em outubro, contra sua vontade, viajando primeiro para a Inglaterra e a Holanda. Em Londres esteve novamente com John Collins (vide nota), que lhe permitiu ver alguns trabalhos não publicados de James Gregory (1638-1675), matemático escocês, e também de Newton (vide nota). Na Holanda, em novembro, ele encontra o naturalista Jan Swammerdam (1637-1680) e o cientista Antonie von Leeuwenhoek (1632-1723) em Delft. Em Haia, teve longas conversas com o filósofo racionalista judeu Baruch (Benedicto) de Espinosa (vide página), que havia sido excomungado em 1656 pelas autoridades judaicas devido à sua explicação não tradicional da bíblia, e com quem discute problemas metafísicos. Espinosa foi visitado pelos maiores pensadores e cientistas de seu tempo, mas um ano depois desse encontro com Leibniz haveria de recolher-se ao campo para escrever sua “Ética” e outros livros, inclusive o”Tratado Político”, advogando liberdade de filosofia em nome da piedade e da paz pública.

Retornando à Alemanha, Leibniz assume o emprego que havia aceito em Hanôver, onde chega em meados de dezembro de 1676. Trabalha para João Frederico, que se convertera do Luteranismo para o Catolicismo em 1651, e havia se tornado duque de Hanôver em 1665 (Duque de Braunschweig-Lüneburg, incluindo os Ducados de Zelle (ou Celle) e Hanôver, Noroeste da Alemanha, antiga Prússia ocidental) e com quem havia trocado correspondência quando em Paris.

A conversão do duque, príncipe de uma maioria protestante era uma questão política importante face às acerbas divergências religiosas da época e Leibniz encontrou assim a oportunidade para trabalhar pela causa da reconciliação entre Católicos e Protestantes. Em Paris ele havia conhecido proeminentes sacerdotes jesuítas e oratorianos da Igreja Católica e logo inicia debates sobre a união das igrejas, primeiro com o Bispo Cristóbal Rojas de Espínola, de Wiener-Neustadt, enviado do Imperador, e, através de correspondência, a partir do início de 1679, com o bispo católico francês, renomado orador e filósofo, Jacques Benigne Bossuet (1627-1704).

Com a aprovação do Duque, do Vigário Apostólico (representante do Papa) e do próprio Papa Inocêncio XI, o projeto de reconciliação foi iniciado em Hanover, no sentido de encontrar bases de acordo entre Protestantes e Católicos. Leibniz pouco depois assumiu o lugar de Molanus, presidente do Consistório Hanoveriano, como representante das pretensões dos Protestantes. Ele inclinava-se pela fórmula de um Cristianismo sincrético que havia sido proposta primeiro na Universidade de Helmstadt, a qual adotava por credo uma fórmula eclética reunindo os dogmas supostamente sustentados pela Igreja primitiva. Leibniz escreveu um documento intitulado Systema Theologicum, que, segundo afirmou, teve a aprovação não somente do Bispo Spinola, que defendia os católicos no projeto, como também do Papa, de cardeais, do Geral dos Jesuítas, e outros.

Em 1677 escreveu De Jure Suprematus ac Legationis Principum Germaniae, publicado com o pseudonimo Caesarinus Fuerstenerius. Em 1678 escreveu Entretien de Philarète et d’Eugène sur la question du temps, agitée à Nimwègue, touchant le droit d’ambassade des électeurs et princes de l’Empire.

Além de encarregado da Biblioteca e do Arquivo do Ducado, Leibniz veio a ser, a partir de 1678, também conselheiro do Duque e por depender de seu emprego para sobreviver, propõe e desenvolve uma multitude de tarefas e projetos, incluindo a melhoria da educação com fundação de academias, a inspeção dos conventos e desenvolve inúmeras pesquisas sobre prensas hidráulicas, moinhos de vento, lâmpadas, submarinos, relógios, idealiza um modo de melhorar as carruagens e uma larga variedade de equipamentos mecânicos, e faz experiências com o elemento fósforo recém descoberto pelo alquimista alemão Henning Brand (?-1669-?). Desenvolveu também uma bomba d’água acionada por moinhos de vento, que melhoraram a exploração das minas próximas, nas quais frequentemente trabalhou como engenheiro entre 1680 e 1685. Leibniz é considerado um dos criadores da Geologia, devido a suas observações, inclusive a hipótese de ter sido a terra primeiro líquida, idéia que apresenta no seu Protogeae, que somente foi publicado após sua morte, em 1749. Conhece na ocasião a Nicolaus Steno (1638-1686), um prelado que era um cientista entendido em geologia. Em 1669 escreveu Confessio Naturae Contra Atheistas, Defensio Trinitatis per Nova Reperta Logîca e Specimen Demonstrationum Politicarum pro Eligendo Rege Polonarum.

Tantas ocupações não interromperam seu trabalho em matemática. Em 1679 aperfeiçoou o sistema de numeração binário, base da moderna computação, e ao fim do mesmo ano propôs as bases do que é hoje a topologia geral, um ramo da alta matemática. Trabalhava também no desenvolvimento de sua Dinâmica e da sua Filosofia, que se tornava cada vez mais anti-cartesiana. A essa altura, início de 1680, falece o Duque João Frederico, que é sucedido pelo irmão Ernesto Augusto (1629-1698).

A França estava cada vez mais intolerante com os protestantes e entre 1680 e 1682 ocorreram perseguições duras dos protestantes pelos católicos que levariam em futuro próximo à revogação do Édito de Nantes, garantia de coexistência pacífica das duas Igrejas. Em 1681 Luís XIV tomou Strasburgo e 10 cidades na Alsacia. Nessa mesma época Leibniz continuou a aperfeiçoar seu sistema metafísico buscando uma noção de causa universal de todo ser, tentando chegar a um ponto de partida que reduzisse o raciocínio a uma álgebra do pensamento. Continuou também a desenvolver seus conhecimentos de matemática e física, ocupando-se com a proporção entre o círculo e um quadrado nele circunscrito. Ainda neste ano fez para o Império uma análise dos negócios de estado, sugerindo meios de aumentar a produção de tecidos; propôs um processo de dessalinização da água, recomendou a classificação dos arquivos e sugeriu a publicação do periódico Acta Eruditorum, que se tornou parte do Journal des Savants. No início de 1682 publicou De vera proportione circuli ad quadratum circumscriptum in numeris rationalibus a G. G. Leibnitio expressi, no “Acta eruditorum”.

Na frente política escreveu em 1683, em francês e latim, um violento panfleto contra Luís XIV, intitulado Mars Chiristianissimus (O mais cristão Deus da guerra); no mesmo ano expôs seus pensamentos a respeito da guerra com a Hungria em forma de notas; e em 1684 ele dá a público suas Raisons touchant la güerre ou l’accommodement avec la France(“Razões com respeito à alternativa de guerra ou acordo com a França”).

Em outubro de 1684 publicou no “Acta eruditorum Nova methodus pro maximis et minimis itemque tangentibus, quae nec fractas, nec irrationales quantitates moratur, et singulare pro illis calculi genus, que foi a primeira publicação surgida sobre os princípios do cálculo diferencial. Newton havia também descoberto o cálculo desde 1665, mas não publicou os seus achados, os quais apenas comunicara aos amigos Gregory e John Collins. Quando se soube que Leibniz havia estado com Collins na Inglaterra e visto alguns escritos de Newton, abriu-se a questão de prioridade da invenção do cálculo, que se tornou uma das mais famosas disputas do século XVIII. Leibniz estava ainda, simultaneamente, preocupado com a resistência dos sólidos e com a natureza do conhecimento. Em 1684 escreveu Meditationes de Cognitione, Veritate et Ideis.

3

Pesquisa histórica. Em 1685 Leibniz foi nomeado historiador da Casa de Brunswick e nessa ocasião, Hofrat (conselheiro da corte). É o ano da morte de Carlos II, na Inglaterra, quando Jaime II, católico ascende ao trono inglês, reabrindo o conflito religioso no país. A situação política agora é mais complicada para a Alemanha. A França com Luís XIV era uma ameaça crescente ao Império que já sofria pelo leste, além da revolta da Hungria, também. O ataque dos turcos, detidos em 1683 no seu cerco a Viena por John III Sobieski, rei da Polônia, Aumentam as perseguições aos protestantes culminando com a revogação do Édito de Nantes em outubro de 1685, um perigo para os principados alemães protestantes da fronteira. O filósofo recebeu a incumbência de provar, por meio da genealogia, que a casa nobre de Brunswick tinha suas origens na Casa de Este, uma casa de príncipes italianos, o que permitiria Hanôver pretender um nono eleitorado.

Em 1686 Isaac Newton comunica à Royal Society de Londres sua hipótese sobre a gravitação universal. Em fevereiro do mesmo ano Leibniz escreveu seu Discours de métaphysique (“Discurso sobre a Metafísica) e o Systema Theologicum. Na publicação de março da Acta eruditorum, ele difundiu sua dinâmica, em um artigo intitulado Brevis Demonstratio Erroris Memorabilis Cartesii et Aliorum Circa Legem Naturae (“Breve demonstração do memorável erro de Descartes e outros, sobre a Lei da Natureza”) o primeiro ataque de Leibniz contra a física Cartesiana. Em julho, publicou na mesma “Acta” seu De geometria recondita et analysi indivisibilium atque infinitorum que ilustra o calculo integral e no qual ele introduz e explica o símbolo para integração. Ele salientou o poder do seu cálculo para investigar curvas transcendentais, exatamente a classe de objetos “mecânicos” que Descartes havia acreditado que estava além do poder de análise, e derivou uma formula analítica simples para o cicloide.

Seu Meditationes de Cognitione, Veritate et Ideis (Meditações sobre o conhecimento, a verdade e as idéias) apareceu nessa época, definindo sua teoria do conhecimento: as coisas não são vistas em Deus, como queria Malebranche, existe mais uma analogia entre as idéias de Deus e as dos homens, uma simultaneidade e identidade entre a lógica de Deus e a do homem de acordo com sua teoria das mônadas.

Um desdobramento das idéias de Libniz, revelado em um texto escrito em 1686, porém só mais tarde publicado, foi sua generalização a respeito de proposições: afirmativas verdadeiras, classificando-as em necessárias e contingentes. Na primeira o predicado está contido na noção do sujeito (vide “princípio de não contradição, que abordarei adiante); e nas proposições contingentes (vide adiante “princípio de razão suficiente”), que dizem algo que pode ser ou não ser, e que são os fundamentos da liberdade. Pode ser dito, neste ponto, com exceção da palvra mônada ( que não apareceu antes de 1695), sua filosofia estava definida.

Em 1686 escreveu Brevis Demonstratio Erroris Memorabilis Cartesii et Gliorum Circa Legem Naturae Secundum Quam Volunt a Deo eanden Semper Quantitatem Motus Conservari e De Geometria Recondita et Analysi indivisibilium et Infinitorum. Em princípios de 1687 Leibniz começou a corresponder-se com Pierre Bayle (1647-1706), filósofo francês e enciclopedista, afirmando em suas cartas sua independência dos cartesianos. Essa correspondência antecipou os Essais de théodicée sur la bonté de Dieu, la liberté de l’homme et l’origine du mal, único de seus livros mais importantes a ser publicado em sua vida, em 1710.

São também de 1686 o Systema Theologicum e o Discours de métaphysique.

Em 1687 Leibniz começou também a viajar em busca de documentos. Seguiu pelo sul da Alemanha até a Áustria. Em Viena foi bem recebido pelo Imperador, e de lá seguiu para a Itália. Em todos os lugares encontrava-se com cientista e prosseguia seu trabalho intelectual. Publicou um ensaio sobre o movimento dos corpos celestes e sobre a duração e continuidade das coisas discutido em julho de 1687, na Lettre de M. L. sur un principe général, utile à l’explication des lois de la nature, par la consideration de la sagesse divine; pour servir de réplique à la reponse du R. P. D. Malebranche (Die philosophischen Schriften, 3, 51-55), e outro sobre os movimentos celestes Tentamen de motuum coelestium causis, publicado na Acta em fevereiro de 1689, no qual apresenta sua teoria da existência de um meio material circulando no espaço interplanetário com velocidade que muda proporcionalmente com a distancia do sol numa proporção harmônica. Em abril publicou ainda outro sobre a duração e continuidade das coisas. Em novembro desse mesmo ano, em Roma, pôde ler o Principia Matematica de Newton. Com certeza pode ler também o “Dois Tratados sobre o Governo Civil”, de Locke, publicados em 1689-1690. Durante sua permanência em Roma foi eleito membro da Pontificia Accademia Fisico-Mattematica Retornou a Hanover em meados de Julho de 1690. Escreveu em 1690 Tentamen Anagogicum: Essai anagogique dans la recherche des causes.

Seus esforços de pesquisa e argumentação histórico-genealógica não foram em vão. Os documentos encontrados provaram que a Casa principesca Brunswick podia reclamar o nono eleitorado. Em 1692 Ernesto Augusto obteve a investidura como Eleitor dos Imperadores do Sacro Império Germânico.

Em 1691 foi nomeado bibliotecário em Wolfenbütel, sede do ducado. Retomou sua correspondência com Bossuet e difundiu seu sistema e suas descobertas por meio de artigos em jornais científicos. A partir dessa ocasião prosseguiu seus estudos sempre mais diversificados. Além de continuar a desenvolver pesquisas históricas, ocupou-se também da descrição de fenômenos geológicos inclusive descrição de fósseis. Pesquisou por via de monumentos e vestígios linguísticos, a origem dos povos, e mais o nascimento e progresso das ciências, ética, e política, e finalmente elementos de uma historia sacra. Em 1691 publicou Hypothesis Physica Nova e também Protogaea, sive de Prima Facie Telluris et Antiquissimae Historiae Vestigits in Ipsis Naturae Monumentis Dissertatio, e em 1692 De la tolérance des religions: de M. de Leibniz et reponses de M. de Pellisson; em 1693 saiu a edição de Codex Juris Gentium Diplamaticus. Em março de 1694 publicou no “Acta eruditorumDe primae philosophiae emendatione, et de notione substantiae. Em julho escreveu respondendo as críticas de Nieuwentijt ao seu cálculo infinitesimal.

Em 1695, abril, Leibniz lançou as idéias de sua Dinâmica no Specimen dynamicum pro admirandis naturae legibus circa corporum vires et mutuas actiones detegendis, et ad suas causas revocandis. Em junho expôs no “Journal des Savans” sua nova solução para o problema da relação corpo-espírito: No seu Système nouveau de la nature et de la communication des substances, aussi bien que de l’union qu’il y a entre l’âme et le corps, juntamente com sua teoria dinâmica do movimento, tratava do relacionamento entre substâncias e da harmonia preestabelecida entre a alma e o corpo. Deus não necessita de intervir em cada ação do homem, como Malebranche postulava, mas, em lugar disso, como um Supremo Relojoeiro, fez com que correspondessem tão exatamente corpo e alma que eles correspondem, – eles dão sentido um ao outro -, desde o começo, como dois relógios que andam sempre absolutamente iguais. No mesmo ano escreveu Lettre sur la connexion des maisons de Brunsvic et d’Este.

Em 1696 escreveu De novo antidysenterico Americano magnis successibus comprobato (Hanover), e entre 1696 e 1697 escreveu Specimen Historine Arcanae, Anecdotae de Vita Alexandri VI Papae. Em 1697, no De Rerum Originatione (Sobre a origem das coisas) ele tentou provar que a origem última das coisas não pode ser outra que Deus. Escreveu nesse ano ainda Animadversiones in Partem Generalem Principiorum Cartesianorum e Novissima Sinica Historiam Nostri Temporis Illustratura.

Em 1698, no De Ipsa Natura, sive de Vi Insita, Actionibusque Creaturarum (“Sobre a própria natureza”) explicava a atividade da natureza em termos da sua teoria de Dinâmica. Todas essas obras opunham-se ao cartesianismo, o qual era considerado prejudicial à fé.

No início de 1698 morreu o príncipe eleitor Ernesto Augusto, sucedendo-o seu filho George Luís (1660-1727). Leibniz se viu frente a um jovem mal educado, um boêmio enfatuado que fazia questão de deixá-lo em segundo plano. George havia se casado com a prima Sophia Dorothea de Celle em 1682, mas em 1694, acusando-a de infidelidade, divorciou-se dela. Mandou prende-la no castelo Ahlden, onde ficou até morrer 32 anos mais tarde. Leibniz passou a aproveitar qualquer pretexto para ausentar-se de Hanover; seu consolo era a amizade de Sofia Carlota, filha do falecido príncipe, e de Sofia, a viúva, a qual enquanto viva, manteve-se no centro da cultura, ornamentada por Handel e pelo seu criado e ilustre amigo Leibniz.

É de 1698 Chronicon; a coleção de Accessiones Historicae, Quibus Utilia Superiorum Temporum Historiis Illustrandis Scripta Monumentaque Nondum Hactenus Edita inque Iis Scriptores Diu Desiderati Continentur.

4

No início do novo século a fama de filósofo e cientista de Leibniz já havia se espalhado pela Europa; mantinha correspondência com os mais importantes eruditos europeus de então. Em 1700 mais uma vez pôs-se a trabalhar arduamente pela união das igrejas: em Berlim tratava-se de unir luteranos e calvinistas; em Paris havia que vencer a oposição do bispo Bossuet; em Viena, para onde retorna naquele ano, consegue o apoio do Imperador, o que tinha grande peso, e na Inglaterra são os anglicanos que precisavam ser convencidos.

A guerra da sucessão espanhola começou em março de 1701 e só terminou realmente em 1714, com o tratado de Baden. Conhecido em toda a Europa, Leibniz se posiciona, como patriota, contra Luís XIV, que a havia fomentado. Porém, a partir de então publicou pouca coisa porque estava ocupado escrevendo o Théodicée, que seria publicado em 1710. Foi eleito membro estrangeiro da Academia de Ciências de Paris em 1700 ainda nesse mesmo ano, com a ajuda da jovem princesa eleitora Sofia Carlota, que logo seria a primeira rainha da Prússia (janeiro de 1701), ele convenceu Frederick III da Prussia a criar a Sociedade de Ciências de Brandenburg, que veio a ser depois a Academia de Ciências de Berlim (Capital da Prússia, correspondente ao norte da Alemanha atual e parte do norte da Polônia) em julho de 1700. Foi ele próprio indicado presidente vitalício. Os projetos de criação de Academias alemãs se sucederam com rapidez. A Academia de Berlim, no entanto não teve suporte financeiro senão tempos depois, quando Frederico II, o Grande, tornou-se rei da Prússia em 1740.

Novo estudo histórico. Na Inglaterra, Jaime II (1685-88), irmão e sucessor de Carlos II, havia tentado sufocar a igreja anglicana. O Parlamento reagiu e o depôs, e chamou Maria Stuart, sua filha protestante (Maria II da Inglaterra 1689-94), que reinou conjuntamente com seu marido Guilherme de Orange, da Holanda (Guilherme III da Inglaterra, duque de Gloucester). Jaime II fugiu para a França. Com a morte de Guilherme III em 1700, George Luís, por ser um bisneto de James I, é um possível herdeiro do trono. Cabe a Leibniz, jurista e historiador, desenvolver os argumentos com respeito aos direitos da Casa de Braunschweig-Lüneburg ao trono inglês.

A nova atividade deu a Leibniz oportunidade para comunicar-se com muitos intelectuais ingleses importantes, como o deísta John Toland, que vem acompanhando o embaixador da Inglaterra enviado a Hanôver em 1702; Gilbert Burneti bispo de Salisbury, chefe da Igreja Anglicana; o poeta e ensaísta Joseph Addison, e Lady Darnaris Masham em cuja casa o empirista John Locke viria a falecer em 1704. Em 1702 escreveu Considérations sur la doctrine d’un esprit universel unique. e em 1703, Manifeste contenant les droits de Charles III, roi d’Espagne, et les justes motifs de son expédition.

Leibniz continuou a publicar os resultados sobre o novo cálculo na Acta Eruditorum e começou a desenvolver suas idéias em extensa correspondência trocada com outros eruditos. Aos poucos ele estimulou um grupo de pesquisadores a divulgar os seus métodos incluindo os irmãos Johann e Jakob Bernoulli, em Basel, e o padre Pierre Varignon e Guillaume-François-Antoine de L’Hospital, em Paris.

Em 1705 Leibniz completou seu Nouveaux essays sur l’entendement humain, cujas notas vinha compilando desde 1696, mas, porque essa obra era uma resposta ao Essay Concerning Human Understanding de Locke, com a morte do filósofo inglês em 1704 Leibniz deixa de publicá-la, e só veio a lume após sua morte, publicada em Oeuvres philosophiques latines et françaises de feu M. de Leibnitz, por R. E. Raspe, em 1765.

É de 1707 a edição de Scriptores rerum Brunsvicensium, 3 vol., e de 1709 o Dissertatio de Numis Gratiani.

Em 1710 Essays de Théodicée sur la bonté de Dieu, la liberté de l’homme et l’origine du mal é publicado anonimamente em Amsterdam. O Théodicée, um tratado de filosofia teológica ou teologia natural escrito em 1709, sete anos antes de sua morte, refutava os enciclopedistas em geral, particularmente a Pierre Bayle, que afirmavam serem incompatíveis a fé e a razão. Nele trata da questão de Deus, do mal e expõe seu otimismo. Nesta obra ele lança suas idéias sobre a justiça divina: o mal metafísico é inevitável porque ele não é nada senão a natureza finita própria da criatura; cada criatura é autônoma e, se está munida com a razão, é livre. Cada uma é definida pelo seu lugar independente na criação e por tudo que foi destinada experimentar de acordo com sua própria natureza, sem o menor obstáculo por parte dos demais, com os quais está sintonizado em uma harmonia universal; O mal, físico ou moral, não é de modo algum positivo: é uma falta que, como a dissonância na música, aumenta a beleza do conjunto. Finalmente ele sustentou que Deus, ao criar o mundo, escolheu fazer o melhor de todos os mundos possíveis. São ainda de 1710 Bericht über die Reunionssache an Clemens XI, a edição de Miscellanea Berolinensia ad incrementum Scientiarum e Causa Dei Asserta per Justitiam Ejus, cum Caeteris Ejus Perfectionibus Cunctisque Actionibus Conciliatam

Últimos anos. Leibniz estava impressionado com as qualidade do Czar russo, Pedro o Grande, e viaja à Rússia levando um plano de organização civil e moral. Foi recebido a primeira vez pelo Czar em outubro de 1711. e depois novamente em 1712, quando sugeriu a criação de uma sociedade científica em São Petersburgo.

Uma guerra entre matemáticos leibnizianos e newtonianos a respeito da precedência na invenção do cálculo diferencial, e a acusação de que Leibniz havia visto os originais de Newton, levou o filósofo a escrever em 1713 Historia et origo calculi differentialis defendendo-se da acusação de plágio.

Após a visita ao Czar Leibniz ficou em Viena até o outono de 1714, ocasião em que o Imperador nomeou-o Reichhofrat (conselheiro do império) e lhe deu o título de Freiherr (Barão). Retornando a Hanôver, incompatibilizado com o novo príncipe, mal educado e desagradável, Leibniz viveu virtualmente sob prisão domiciliar, e se pôs novamente a trabalhar no Annales Imperii Occidentis Brunsvicenses (Anais braun vicente do Império Ocidental). Ainda nessa época (1714) escreveu Principes de la nature e de la Grace fondés en raison cujo objeto é a harmonia pre-estabelecida entre essas duas ordens, e Principia philosophiae, More Geametrico Demanstrata geralmente conhecido por “Monadologia” ou La Monadolagie, onde sintetiza a filosofia da “Teodicéia”, ambos impressos após a sua morte: o primeiro no “Europe savante” de 1718 e o outro no “Acta eruditorum“, em 1721.

O trabalho de Leibniz fundamentando os direitos de George Luís à sucessão inglesa revelaram-se de grande importância histórica e política. A revolução contra Jaime II havia posteriormente ensejado Act of Settlement, de 1701, que visava garantir que o trono inglês fosse ocupado por um rei protestante, oposto assim à linha católica do rei deposto. Isto colocou George Luís como terceiro sucessor, após a princesa Anne, que havia reinado de 1702-14, e sua mãe Sofia. Quando esta morreu em 1714, ele tornou-se o herdeiro do trono inglês e foi coroado como George I. Esse homem, que fora um problema para Leibniz, também o seria para o povo inglês. Não aprovavam a punição que dera à sua mulher e reprovavam ter ele duas ambiciosas amantes alemãs. Como não fosse capaz de falar inglês, tentava comunicar-se em francês e logo desistiu de participar das reuniões de gabinete. Ele e as amantes foram suspeitos de desvio de fundos da “Companhia dos Mares do Sul” e porque os ministros Walpole e Townshend conseguiram contornar o problema perante o Parlamento, George deu-lhes amplos poderes no governo. Morreu de um infarto durante uma viagem a Hanôver. Teve por sucessor seu filho, coroado George II, e teve uma filha, Sophia Dorothea (1687-1757), mulher do Rei Frederico William I da Prussia e mãe de Frederico o Grande.

Ainda de 1714 é Remarques sur le discours de Mr. H. S…. touchant la manière de gouverner les horloges à pendule et les montres à spirale. De 1715 são De Origine Francorum Disquisitio, Dissertatio de Variis Linguis e Entretien de Philarète et d’Ariste.

Em 1715 Leibniz ocupou-se também de com extensa e um tanto áspera correspondência com Samuel Clarke, um associado próximo de Newton, sobre os conceitos de espaço e tempo. Em Bad-Pyrmont ele encontrou Pedro o Grande pela última vez em junho de 1716. A partir de então ele sofria muito de gota e ficou confinado ao leito. Faleceu em Hanôver em 14 de novembro de 1716, relativamente esquecido e isolado dos assuntos públicos.

5

Pontos fundamentais de sua filosofia. O trabalho filosófico de Leibniz, feito em meio a uma variedade de outras tarefas, não poderia ser sistemático: a sistematização de seu pensamento, que permitiu que se tornasse conhecido no Iluminismo alemão, deveu-se a seu seguidor, Christian Wolff (1679-1754), que difundiu sua doutrina.

O propósito de Leibniz foi criar uma doutrina compatível com os postulados de todas as correntes filosóficas, desde os modernos como Francis Bacon, Thomas Hobbes, e René Descartes, até aos aristotélicos e escolásticos. Para isso, além de formular novas idéias, busca aclarar questões confusas e enganos nos sistemas filosóficos, – principalmente na filosofia de Descartes, – reconciliando-os pela união de seus pontos comuns, descendo a detalhes para descobrir concordâncias de idéias ou remover contradições. Os principais tópicos da filosofia de Leibniz incluíam a doutrina das mônadas (o universo é constituído de unidades espirituais e materiais indivisíveis e incomunicáveis entre si), a doutrina da harmonia preestabelecida (Deus preestabeleceu o caminho das mônadas de modo a concorrerem independentemente para um mesmo fenômeno) e o otimismo (Deus criou o melhor dos mundos possíveis).

I. Uma só linguagem. Filósofo e matemático, Leibniz é conhecido tanto pelo seu pensamento inovador sobre a natureza do universo, quanto por haver criado, simultaneamente com o físico e matemático inglês Isaac Newton, o cálculo infinitesimal ou de limites de funções, que é base para o cálculo diferencial ou cálculo de derivadas de funções. No entanto, a julgar pela ordem de sua produção intelectual, a arte combinatória foi sua primeira preocupação. Esta é a famosa Ars magna combinatoria que seduziu filósofos desde Raimundo Lúlio (c.1235-1316) e de Giordano Bruno (1548 – 1600); de Bruno Leibniz aproveitou também a expressão e o conceito de mônada, como acima comentado. O que há de sedutor nessa idéia é a promessa de que, uma vez que o pensamento é uma combinação de palavras, se forem montadas todas as possíveis combinações de todas as palavras se chegará ao conhecimento de todas as idéias, verdades e descobertas possíveis.

Leibniz considera que certas formas de pensamento são básicas, pois de suas combinações resultam todas as idéias (“Sobre a Ciência Universal: Característica”). Desta concepção Leibniz mais tarde procurou desenvolver o que ele chamou uma “linguagem característica universal” (lingua characteristica universalis). Atribuiu símbolos a esses conceitos mais básicos de que os demais conceitos eram compostos, símbolos que poderiam ser compreendidos por todos, independentemente de qualquer língua falada, na tentativa de criar um sistema simbólico formal, uma álgebra ou cálculo do pensamento. Mediante a combinação dos símbolos segundo regras lógicas para o seu emprego as controvérsias seriam acertadas por meio de cálculos. A totalidade desses símbolos teriam uso universal como uma língua ideal na qual os conceitos seriam perfeitamente representados e sua composição perfeitamente transparente. Ele estava impressionado com os caracteres figurativos da lingua chinesa e egípcia e certamente também pelas idéias de Spinoza, que havia tentado dar tratamento “geométrico” à Ética.

II. Computação. Por sua vez a lógica simbólica de Leibniz resultou de seu interesse pela arte combinatória. A “arte combinatória” é o germe da idéia da computação. Leibniz pensou que os seus símbolos poderiam ser operados por máquinas, mecanicamente, ou com a utilização de logarítimos, de modo que não estariam sujeitas ao erro humano. Essa idéia seria uma antevisão dos computadores construídos no século XX. Ainda em seus primeiros estudos cita Hobbes dizendo “Thomas Hobbes, em tudo um profundo investigador de princípios, corretamente afirma que tudo que nosso espírito faz é uma computação” (On the Art of Combinations (1666); G IV, 64 (P, 3)). A lógica simbólica que Leibniz criou em 1680 é semelhante à desenvolvida por George Boole em 1847 – não se sabe se Boole inspirou-se em Leibniz, porque os escritos deste somente em 1903 seriam divulgados. Matemático inglês (1815-1864) autodidata, Boole foi colaborador do Cambridge Mathematical Journal e do Philosophical Transactions da Royal Society, e autor de “Leis do Pensamento” (Laws of Thought-1854) e “Tratado das Equações Diferenciais” (Treatise on Differential Equations-1859). Ajudou a estabelecer a lógica simbólica moderna e pretendia que a lógica fosse parte da matemática e não da filosofia. Sua álgebra da lógica, hoje chamada álgebra boleana, é fundamental no projeto dos circuitos de computadores.

III. Substância ou mônada. Para Leibniz, para que uma coisa seja realmente um ser – uma substância – ela precisa ser verdadeiramente única, precisa ser uma entidade dotada de genuína unidade. Unidade substancial requer uma entidade indivisível e naturalmente indestrutível.

Ora, a matéria, como nós a percebemos, é extensa e infinitamente divisível, logo não pode ser a verdadeira substância. O ser verdadeiro deve possuir unidade, e como os corpos são extensos e divisíveis, eles não representam essa unidade. Então Leribniz cria as mônadas. A unidade está nas mônadas que são pontuais e indivisíveis, e assim respondem pela realidade das coisas, e unidas constituem a matéria extensa e divisível que conhecemos nos corpos.

A palavra “Mônada” vem do Grego monas “unidade”. O termo foi usado primeiro pelos pitagóricos como o nome do número inicial de uma série de números. Giordano Bruno empregou o termo com sentido de “substância real”, emprego que ele teria copiado de Plotino e passado a Leibniz, que certamente leu os seus escritos.

Mas, de que são feitas as mônadas? De dois elementos: um elemento material e um elemento espiritual e dinâmico, que formam sua natureza mesma, são inseparáveis, e variam quantitativamente, isto é, cada mônada tem uma relação de quantidade diferente entre o que possuem de material e de espiritual, dependendo de qual corpo constituem, se um corpo bruto de uma pedra ou o corpo de um ser vivente.

Todas as mônadas são eternas, imortais. Porém, toda mônada conserva sempre certo grau de passividade, sua imperfeição, da qual a mônada criada não pode jamais libertar-se. A matéria prima (concebida em abstrato pois não existe sem a matéria segunda, a forma) é a matéria em si mesma, de todo passiva, sem nenhum princípio de movimento. A matéria segunda ou vestida é aquela que tem em si um princípio de movimento, que é o princípio vital nos seres mais avançados. Assim, à matéria prima, de todo passiva, dotada apenas de extensão (como queria Descartes), Leibniz contrapõe a matéria segunda, espiritual, dotada de ação. O elemento material na mônada corresponde à passividade da matéria prima, e o elemento imaterial corresponde à atividade da forma da substância; matéria e forma, como em Aristóteles, e mesmo como em Platão, pois cada mônada resulta de uma matéria prima ou princípio passivo, que é a sua imperfeição, e de um elemento ativo, uma alma, que busca a perfeição.

Frente a Spinoza e Descartes. Assim como de certo modo se aproxima de Aristóteles e mesmo de Platão, Leibniz também se aproxima, com simpatia, de Spinoza, porém contesta veementemente a Descartes.

Em sua visita feita a Spinoza em Amsterdã, Leibniz com certeza ouviu atentamente do filósofo judeu a sua idéia de substância. Spinoza julgava impossível existirem duas substâncias com os mesmos atributos. Ora, como Deus tem todos os atributos, então não sobrava possibilidade de existir qualquer outra substância senão Deus mesmo. Qualquer outra substância teria algum atributo que já estava em Deus, logo haveria de confundir-se com Deus. Portando, tudo é Deus, o universo e toda a natureza, material e espiritual, são faces de uma substância única que é Deus. Leibniz parece concordar que, de fato, substâncias com os mesmos atributos se confundiriam, na verdade seriam uma substância só. Daí Leibniz tira seu princípio dos “indicerníveis”, concordando com Spinoza. Porém, não pensa igual com o filósofo judeu com respeito à necessidade de que haja um ser único. Existem vários seres. Ora, toda substância é mônada, todos os corpos são feitos de mônadas, e estas são unidades rigorosamente indivisíveis e, portanto, inextensas, porque a extensão é sempre divisível. Estas mônadas simples não podem deteriorar-se, nem serem dissolvidas, e também não derivam de qualquer composição. Constituem a verdadeira substância, porém variam em si mesmas, no seu grau de espiritualidade, e assim podem constituir substâncias diversas de Deus e próprias de cada coisa.

Aproximando-se conciliadoramente da idéia de Spinoza, ele propõe que o mundo consiste somente de um tipo de substância, porém existe uma variedade infinita de substâncias desse tipo. A dualidade interna das mônadas, em parte materiais e em parte espirituais, faz com que participem ao mesmo tempo de um mundo espiritual e de um mundo físico, o que é parecido com a idéia de que o material e o espiritual são “as duas faces de uma mesma substância”, como pretendia Spinoza.

Leibniz faz, no entanto, o contrário de Spinoza: enquanto este reduz a substancialidade a um ente único, um único verdadeiro ser que é a Natureza ou Deus, ele restitui à substancia aquele caráter de coisa individual que teve desde Aristóteles. A substância, dizia Aristóteles, é o que é próprio de cada coisa (no pensamento de Leibniz, um tipo de mônada é próprio de cada coisa). A substância ou natureza torna a ser o princípio do movimento nas próprias coisas, como em Aristóteles.

A Descartes, Leibniz contesta sob dois aspectos. Diz que os cartesianos erraram em supor duas substâncias isoladas, a substância extensa e a substância espiritual, e erraram também por reduzirem a matéria simplesmente à extensão. Quanto ao primeiro aspecto, nas mônadas, que são a única substância, coexistem as duas naturezas, a material e a espiritual, de modo que tudo contem seu grau de materialidade e espiritualidade, sem que isto represente uma dualidade radical, como pretendia Descartes. Quanto ao segundo, Descartes não se ocupa da força, mas apenas do movimento, mera mudança de posição de um móvel em relação às coordenadas. A noção de substância sempre foi essencialmente de coisa inerte que não explica a resistência que a matéria oferece ao movimento. Esta resistência é uma “força”.

Leibniz muda essa física estática e geométrica; apresenta a idéia nova de que a substancia é essencialmente coisa ativa, ser é atuar, agir. O movimento visível não é simples movimento local observado, ele deve ser o resultado de uma força; é produzido por uma força viva, que está na mônada. Era uma formulação na qual, ao contrário da concepção da Mecânica cartesiana, o movimento não é criado por uma energia cinética, mas conservado como parte da mônada A chamada matéria, na sua essência, é força. A ideia de uma natureza estática e inerte é substituída por uma idéia dinâmica; em contraste com uma física da extensão ele retoma o pensamento grego de que a natureza é princípio de movimento. Ao contrário de Descartes, explica os seres como forças vivas, não como máquinas. Leibniz tornou-se, assim, em 1676, o fundador de uma nova formulação teórica conhecida como Dinâmica, que substitui a energia cinética pela conservação do movimento.

Assim como rejeita a posição dualista cartesiana da independência entre uma substância material e outra espiritual, Leibniz rejeita igualmente a posição monista materialista de que o pensamento e a consciência estão no campo puramente material e mecânico. No seu Hypothesis Physica Nova (1671), ele diz que o movimento depende, como havia sustentado o astrônomo alemão Johannes Kepler, da ação do espírito (Deus). Além do princípio de que as mônadas compõe todas as coisas do mundo exterior, existe a experiência interior, a experiência de consciência, a qual não pode ser explicada por números ou movimento.

6

Poderes das mônadas. Em resumo, a mônada não tem extensão, não é divisível, não é material. São unidades sem partes, que formam os compostos; são os elementos das coisas. Mônada é força, é energia, vigor. As mônadas são unidades de força. Não força física mas capacidade de atuar, de agir.

Depois de definir a substância como ação, Leibniz explicou que a ação essencial da substância é a representação. A atividade contínua da mônada é o esforço de realizar-se, representar-se a si mesma como consciência, adquirir sempre mais consciência daquilo que virtualmente contem em si mesma. Apesar de sua quantidade ser infinita, cada mônada é totalmente diferente uma de outra. Elas variam também em seu poder de representação. A forma mais primitiva, a percepção, compreende uma representação confusa e obscura de si mesma. A forma mais evoluída, a apercepção, consiste na representação clara perante si mesma, ou consciência.

Porém não se esgota aí o que Leibniz diz das mônadas. A mônada encerra em si toda a realidade, e nada lhe pode vir de fora. Tudo o que acontece à mônada brota do seu próprio ser, das suas possibilidades internas, sem intervenção exterior. Portanto, tudo o que aconteça, está incluído na sua essência. Nessa atividade voltada para si mesmas as mônadas têm o poder da percepção e as mais evoluídas, o poder da apercepção. As idéias são, no primeiro caso, obscuras ou confusas, no segundo caso, claras e distintas, a mesma classificação das idéias que fez Descartes.

Leibniz define a percepção como a representação do múltiplo no simples. O Eu, a consciência, é verdadeiramente uma unidade, não importa a variedade dos objetos de percepção. Portanto, o Eu é uma mônada. Nenhum agregado de matéria pode ser considerado uma unidade, e portanto não pode ser o próprio Eu, capaz da experiência unitária da consciência. Efetivamente, qualquer porção de matéria, ainda que inconcebivelmente pequena para conhecimento científico da época de Leibniz, será sempre constituída de partes físicas interagindo mecanicamente, e não haveria qualquer uma que pudesse representar o conjunto e constituir sua percepção. A percepção é, portanto, a representação do composto ou agregado que está fora, em uma unidade, uma coisa única (o Eu) interna.

Quando as percepções têm clareza e consciência, e são acompanhadas de memória, são apercepções, e estas são próprias de almas. As mônadas que tem apercepção e memória constituem as almas.

Além da consciência como percepção ou apercepção, as mônadas têm consciência também como apetição, a fonte da vontade, do impulso ou apetite, que não são mais que a tendência de seguir de uma percepção para outra. Portanto, nas suas categorias superiores, a substância é dotada de percepção, apetição e apercepção progressivamente mais claras.

IV. Princípios ou leis universais.

1. Princípio de Continuidade. No pensamento de Leibniz o princípio de continuidade diz que não existem descontinuidades na hierarquia dos seres Na escala dos seres vivos, as plantas são animais imperfeitos, e no universo também não há vazios no espaço.

2. Lei dos indicerníveis. Quanto ao princípio dos indiscerníveis, Leibniz afirma que não há no universo dois seres idênticos, e que sua diferença é intrínseca, isto é, cada ser é em si diferente de qualquer outro. Não existe duplicação na natureza. Duas coisas indiscerníveis seriam não duas, mas a mesma coisa. As mônadas estão sujeitas ao “princípio dos indiscerníveis”: as coisas do mundo são indiscerníveis quando são iguais e o mesmo aconteceria às mônadas. São necessariamente diversas, umas das outras.

Os dois princípios acima referidos são tirados de sua matemática, do cálculo infinitesimal. Aplicando conjuntamente a Lei dos indiscerníveis e o princípio de continuidade, Leibniz conclui que as diferenças podem ser infinitamente pequenas, pois deve haver diferença sem descontinuidades. Assim, não pode haver nada que seja inteiramente e somente o oposto de outra, pois cada coisa conterá um pouco, ainda que infinitamente pequeno, da coisa que seria o seu oposto. Por exemplo, o repouso pode ser considerado como movimento infinitamente pequeno; o líquido é um sólido com um baixo grau de solidez, os animais são homens com racionalidade infinitamente pequena, etc.

3. Princípio da harmonia universal. Deus existe e toda substância ao ser criada por Deus é programada, no ato da sua criação de tal modo que todos os seus estados naturais e suas ações futuras se realizarão em harmonia universal com todos os estados naturais e ações de cada uma das outras substâncias criadas.

Nenhum estado de uma substância criada tem como causa qualquer estado de outra substância criada, ou seja, não existe causalidade inter-substancial. Ao invés de inter-substancial, a causa do estado em que se acha qualquer substância é “intra-causal”, ou seja, a causa de seu estado está nela mesma. Mas, como é possível que os estados por que passa uma substância tenham causa nela própria? Leibniz diz que cada substância criada foi programada desde a sua origem para passar por certos e determinados estados, pelos quais ela realmente passa sem influência de nenhuma outra. Mas isto acontece em sincronia tão perfeita com o que também está acontecendo com outras substâncias que, devido a essa sincronização, resulta a aparência de causalidade externa, resulta a aparência de que uma substância influi sobre a outra.

Em geral, a causação deve ser entendida como um aumento na clareza da parte da substancia que é agente ativo, e um aumento no estado confuso da parte da substância afetada passivamente. E estes estados, como todos os outros por que passam as substâncias, estão programados para acontecerem de modo independente, sem que haja qualquer comunicação ou influência entre elas, de modo que a interação será apenas aparente.

As mônadas, portanto, operam sozinhas porém operam coordenadamente entre si, seu desenvolvimento corresponde, a cada instante, exatamente ao de todas as outras mônadas. Cada mônada é uma fonte independente de ação, atuando sem sofrer qualquer interferência, para sempre. Seguindo cada mônada sua própria lei interna, resulta a harmonia universal.

Aqui então cabe um reparo comumente feito ao pensamento de Leibniz. No Discours de métaphysique, Leibniz diz que temos na nossa alma as idéias de todas as coisas “mercê da ação contínua de Deus sobre nós”…São palavras que o aproximam de Malebranche, como se aqui também quisesse introduzir algo conciliador da sua doutrina com a daquele outro filósofo. Porém, se há essa ação de Deus, então, a harmonia preestabelecida não responderia sozinha pelas ações do homem e pelo movimento no universo, nem as mônadas seriam invioláveis. Se, de acordo com o próprio pensamento de Leibniz, as mônadas “não têm janelas” e têm já em si todo seu desenvolvimento, e o universo existe de acordo com uma harmonia eterna idealizada por Deus na ocasião em que o mundo foi criado, então nenhuma interferência posterior poderia ocorrer.

4. Princípio da não contradição. De acordo com Leibniz, a razão afirma que uma coisa só pode existir necessariamente se, além de (1) não ser contraditória, houver (2) uma causa, causa de origem e causa final, que a faça existir. Tira daí dois princípios inatos: o princípio da não contradição e o princípio da razão suficiente.

O primeiro “princípio inato”, o da “não contradição” diz que, do que é explicado ou demonstrado, é falso o que implica contradição; a este primeiro princípio correspondem as “verdades de razão”. São necessárias, têm a razão em si mesmas. O predicado está implícito na essência do sujeito (O predicado já está contido no sujeito: “A casa verde é verde”). As verdades de razão são evidentes a priori, independentes da experiência, prévias à experiência. As verdades de razão são necessárias, fundam-se no princípio da contradição, como na proposição “dois mais dois são quatro”: não poderiam não ser. Não cabe contradição possível.

5. Princípio da razão suficiente. Segundo esse princípio, todas as coisas ou eventos são reais quando existe uma razão suficiente para sua existência. Portanto, qualquer estado de coisas deve ter uma razão que explica porque este e não outro estado existe. Para que uma coisa seja, é necessário que se dê uma razão porque seja assim e não de outro modo. É a “razão suficiente” da existência da coisa em questão. A este princípio correspondem as “verdades de fato”. Tais verdades não se justificam a priori, elas são contingentes, a sua razão resulta de uma infinidade de atos passados e presentes que constituem a razão suficiente pela qual elas se dão agora. São atestadas pela experiência. São as verdades científicas; são de um jeito, mas poderiam ser de outro. A água ferve a 100 graus centígrados, mas poderia não ferver, e de fato não ferve, quando é mudada a pressão no seu recipiente. Essas verdades dependem de experiência que as comprove.

6. Princípio do melhor. Leibniz, como alguns outros filósofos, é considerado um otimista, tanto por considerar nosso mundo o melhor mundo possível, como por justificar a ação Deus em relação ao homem como um modo de agir compatível com sua bondade. A lei suprema dos seres finitos é, portanto, a lex melioris (lei do melhor). Além dos princípios da continuidade e dos indiscerníveis, da harmonia universal, da não-contradição e da razão suficiente, Leibniz encontra também os princípio do melhor, todos considerados por ele constitutivos da própria razão humana e, portanto, inatos, embora apenas virtualmente.

V. Que é o universo. Apesar de indivisível, individual e simples, há mudanças interiores, atividade na mônada. O universo não é senão um conjunto de substâncias simples, ativas, construídas pelas mônadas. Os corpos no mundo são simples aparências de conjuntos de mônadas. O universo, portanto, é visto por Leibniz como feito de um número infinito de mônadas indivisíveis, diferenciadas em uma escala ascendente de espiritualidade desde a mais inferior partícula mineral até o mais alto intelecto criado. Essa continuidade foi a sua maneira de solucionar o problema cartesiano da alegada antítese entre espírito e matéria.

O grau de clareza de representação da mônada, ou consciência, é a principal diferença entre elas, pois varia de uma para outra. Há uma diferença de consciência entre as mônadas. Seu poder de representação é o índice de sua imaterialidade. Existem as mônadas dos corpos brutos “que só têm percepções inconscientes e apetições cegas”. Conforme descemos na escala dos seres, do animal até a mais inferior substancia mineral, a região da representação clara diminui e a região da obscuridade ou inconsciência aumenta. Os animais se constituem de mônadas “sensitivas”, dotados de apercepções e desejos, e o homem de mônadas “racionais”, com consciência e vontade.

Todos os seres tem mentalidade. A planta, que de vários modos adapta-se ao seu ambiente, tem percepção do que está à sua volta, apesar de não ter consciência das coisas. A mentalidade do animal, pelo seu poder de sensação, está acima da mentalidade das plantas. No entanto, de acordo com o princípio de continuidade, não há quebra de continuidade no desenvolvimento do poder mental entre os animais mais superiores e mais inteligentes, e os mais selvagens, e as plantas são animais imperfeitos. A alma humana não é uma exceção, sua imaterialidade não é absoluta, mas apenas relativa, no sentido de que nela a região da representação clara, a consciência, é muito maior que a região da representação obscura, de modo que esta última é uma quantidade praticamente negligenciável. Da percepção, que é encontrada em todas as coisas, até a inteligência e vontade, que são peculiares do homem, há graus imperceptíveis de diferenciação.

7

VI. Deus. Porque há acordo entre as mônadas é necessário Deus como autor delas. A prova de que Deus existe é a harmonia preestabelecida. Segundo Leibniz, é preciso provar a possibilidade da existência de Deus, e só depois disto é que se pode assegurar a sua existência por meio da prova ontológica, pois Deus é o ens a se. A prova a priori consiste na afirmação de que, se Deus é possível, existe. E a essência divina é possível, diz Leibniz, porque, como não encerra nenhuma negação, não pode ter nenhuma contradição; portanto Deus existe. (Cf. Discours de métaphysique, 23 e Monadologie, 45).

A prova a posteriori é experimental. Ela consiste na afirmação: se o ens a se é impossível, também o são todos os entes ab alio; uma vez que estes existem unicamente por esse aliud que é, justamente, o ens a se; se não existe o ente necessário não há entes possíveis portanto, nesse caso, não haveria nada. Pois bem: estes existem, uma vez que os vemos. Logo existe o ente a se.

As duas proposições acima enunciadas, reunidas, compõem a demonstração leibniziana da existência de Deus. Se o ente necessário é possível, existe; se não existe o ente necessário, não há nenhum ente possível. Este raciocínio funda-se na existência, conhecida a posteriori, dos entes possíveis e contingentes. A fórmula mínima do argumento seria esta: Há algo, logo há Deus.

Outra prova são as coisas contingentes: tudo que existe deve ter uma razão suficiente da sua existência; nenhuma coisa existente tem em si mesma tal razão; portanto existe Deus como razão suficiente de todo o universo.

Deus é a mônada perfeita, puro ato, nada contem de passivo. No cume da hierarquia das mônadas está Deus, que é acto puro. Ao contrário, a mônada criada não pode jamais libertar-se da passividade pois, ao contrário, seria ato puro como Deus. A absoluta perfeição na mônada criada permanece sempre um esforço, jamais é ato. Tal tendência vai ao infinito, pois a mônada não realiza jamais a sua completa perfeição. Em Deus desapareceria a distinção entre verdades de fato e verdades de razão, porque Deus conhece atualmente toda a série infinita de razões suficientes que fizeram que cada coisa seja aquilo que é.

VII. O bem e o mal. Sem dúvida o problema do mal preocupou muito a Leibniz, e me parece foi a questão mais criticada de sua doutrina, em conexão com a idéia do “melhor dos mundos possíveis” (em VIII). Dedicou ao assunto dois extensos trabalhos, o “Confissão do Filósofo”, escrito em 1672, e o Théodicée, escrito em 1709. O mal, segundo ele, manifesta-se de três modos: metafísico, físico e moral.

O mal metafísico é a imperfeição inerente à própria essência da criatura. Só Deus é perfeito. Falta alguma coisa ao homem para a perfeição, e o mal está nessa falta, pois o mal é a ausência do bem, na concepção neoplatônica e agostiniana. O mal metafísico nasce, portanto da impossibilidade de que o mundo seja completo e infinito como o seu criador. O mundo, como finito, é imperfeito para distinguir-se de Deus. O mal metafísico, sendo a imperfeição, ele é inevitável na criatura.

O mal físico tem a sua justificação para dar ocasião a valores mais altos (por exemplo, a adversidade dá ocasião a que exista a fortaleza de ânimo, o heroísmo, a abnegação); além disso, Leibniz crê que a vida, em suma, não é má, e que é maior o prazer que a dor.

O mal moral é simplesmente permitido por Deus, pois é condição para os outros bens maiores.

Um mal é, para Leibniz, a raiz do outro. O mal metafísico é a raiz do mal moral. O mal físico é entendido por Leibniz como consequência do mal moral, seja porque está vinculado à limitação original, seja porque é punição do pecado (moral).

Segundo Leibniz, o que se nos afigura como mal é consequência necessária do trabalho de Deus na construção do melhor mundo possível. O bem, na moral, não significa mais do que o triunfo sobre o mal e, consequentemente, para que haja o bem é necessário que haja o mal. O mal que existe no mundo é o mínimo necessário para que haja um máximo de bem.

No “Confissão do Filósofo” Leibniz diz que tudo no mundo é vontade de Deus, apesar de que sua vontade com respeito ao bem no mundo é decretatória e sua vontade com respeito ao mal é meramente permissiva . Leibniz coloca a questão se o mundo em que vivemos é realmente imperfeito, e concluiu que o mundo é imperfeito apenas diante de nossos olhos, mas que não o seria aos olhos de Deus.

VIII. Otimismo: O Mundo é o melhor possível. Para Leibniz, sendo Deus todo poderoso, infinitamente sábio e infinitamente bom, não poderia haver nenhuma coisa que o impedisse de criar o melhor mundo possível. Deus calcula vários mundos possíveis, e faz existir o melhor desses mundos. Entre tantos mundos possíveis (existentes em Deus como possibilidades) Deus dá existência a um só e a escolha advém à base do critério do melhor que é a razão suficiente do existir do nosso mundo.

Mas, em que consiste “o melhor”? O mundo seria bom apenas se cada parte dele, tomada isoladamente fosse boa? Ou o mundo seria bom apenas se todas as criaturas humanas fossem felizes nele? Isto não me parece bem compreendido pelos comentaristas da filosofia de Leibniz. Essencialmente, ele sustenta que Deus criou o mundo para compartilhar sua bondade com as criaturas da maneira mais perfeita possível e que é no seu todo, e não em suas partes consideradas separadamente, que o mundo deve ser avaliado.

Do ponto de vista metafísico o mundo seria melhor pela maximização das várias facetas de perfeição possíveis para o homem, a “maximização da essência”.

Do ponto de vista físico e moral eliminar um mal pode piorar o conjunto, em lugar de melhorá-lo. Não se pode considerar isoladamente um fato. Não conhecemos os planos totais de Deus, já que seria necessário vê-los na totalidade dos seus desígnios. Ao produzir o mundo tal como ele é, Deus escolheu o menor dos males, de tal forma que o mundo comporta o máximo de bem e o mínimo de mal. Segundo alguns comentaristas, Leibniz também parece sugerir um critério algo matemático para avaliação da bondade do mundo.

Para Leibniz a vontade do Criador submete-se ao seu entendimento; Deus não pode romper Sua própria lógica e agir sem razões, pois estas constituem Sua natureza imutável. Consequentemente o mundo criado por Deus estaria impregnado de racionalidade, cumprindo objetivos propostos pela mente divina.

A bondade do mundo é medida pela relação entre a variedade de fenômenos que o mundo contem e a simplicidade das leis que o governam. O título da seção 5 do Discourse on Metaphysics , é “Em que consistem as leis da perfeição da conduta divina e que a simplicidade dos meios está em equilíbrio com a riqueza dos efeitos”. Deus não olhou apenas a felicidade das criaturas inteligentes mas a perfeição do conjunto.

O título da seção 36 do Discourse on Metaphysics é “Deus é o monarca da mais perfeita república, composta por todos os espíritos, e a felicidade dessa Cidade de Deus é seu principal propósito”

Como Deus é onipotente e bom, podemos assegurar que o mundo é o melhor dos mundos possíveis; isto é, é aquele que contém o máximo de bem com um mínimo de mal que é condição para o bem do conjunto. Assim, o mundo em que vivemos é o melhor mundo possível.

Santidade de Deus. Se o mundo, como o concebe Leibniz, é rigorosamente racional e o melhor dos mundos possíveis, então como explicar a presença do mal? A resposta de Leibniz é que existe uma razão suficiente para que seja do modo que é: Deus escolheu que as coisas fossem do modo que são, e por ser uma escolha de Deus, com certeza é o melhor dos mundos possíveis. Os ateus contra-argumentam que o mundo em que vivemos, cheio de misérias e imperfeições, não pode ser um mundo melhor possível, uma vez que são concebíveis mundos que seriam infinitamente melhores. O mundo em que vivemos não permite acreditar que exista um Deus infinitamente sábio e poderoso, e como sem esses predicados não seria verdadeiro Deus, então Deus não existe. Desde que Deus e o mal são incompatíveis, e o mal claramente existe, então não existe Deus. Ou então, como pode um ser infinitamente sábio, poderoso e bom, permitir que o mal exista? A Teodicéia trata dessa explicação, ou seja da justificação ou o porquê Deus permite o mal no mundo. Este problema é discutido por Leibniz em sua Théodicée e em muitas de suas cartas.

Os hereges Socinianos ficaram a meio caminho desse argumento, admitindo que o Criador existe, porém não é um Deus como pretendiam os cristãos. Os Socinianos sustentavam que Deus não é infinitamente sábio e que lhe falta pelo menos o conhecimento do futuro. Em termos contemporâneos, isto significaria que Deus age por tentativa e erro.

A questão fundamental é como poderia Deus continuar Santo a despeito de haver criado um mundo como o nosso, e também como poderia continuar Santo apesar de conservar a existência deste mundo e cooperar em todos os eventos que ocorrem nele. Em resumo, Deus não seria suficientemente perfeito para fazer o bem sem necessidade de causar algum mal, pois só a imperfeição de Deus faria o mal inevitável para que Ele pudesse cumprir seu dever de fazer o bem.

8

IX. Relação Corpo-espírito. Outra questão para mim sedutora no pensamento de Leibniz é sua concepção da relação corpo espírito no homem. No continente europeu, os chamados racionalistas buscavam resolver o que eles chamavam de “problema corpo-espírito”, que se originou como um dualismo estrito no sistema do filósofo francês Renê Descartes (1596-1650).

No seu Système nouveau de la nature (1695) e no Eclaircissement du nouveau sisteme (1696), Leibniz apresenta sua concepção filosófica das relações mente corpo por via de uma harmonia preestabelecida. Leibniz argumenta que, além da sua, há somente outras três possíveis fontes para um acordo a esse respeito: a que Descartes havia proposto, a que Malebranche havia proposto, e a idéia de Spinoza.

A relação corpo-espírito poderia assim ocorrer por mútua influência (interacionismo), como pensava Descartes. A interação da mente e do corpo ocorria na glândula pineal; o sistema nervoso eram cordéis que puxavam a glândula pineal; as vibrações desta eram percebidas pela alma.

Para Malebranche. Somente Deus pode ser causa de qualquer efeito no universo. Não há nenhuma influência da mente sobre o corpo ou do corpo sobre a mente, não existe operação causal senão que Deus é a única causa, intervém para produzir as regularidades que ocorrem na experiência. A harmonia que Leibniz coloca na ação das mônadas, Malebranche já havia colocado para toda causa e efeito no Universo. Assim, quando, por exemplo, uma pessoa deseja mover um dedo, isto serve como ocasião para Deus mover-lhe o dedo, quando um objeto aparece subitamente no campo de visão da pessoa, isto serve de ocasião para Deus produzir uma percepção visual na mente da pessoa. Deus estaria atento a cada minúcia, e aquilo que chamamos causas na física são ocasiões em que Deus tem que intervir para harmonia de todo o universo.

Para Spinoza, o espiritual e o físico, ou seja, a extensão cartesiana e o pensamento cartesiano, são simplesmente dois aspectos diferentes da mesma substância única que é Deus. Deus e Natureza são a mesma coisa. Há apenas uma substância que é Deus. Essa substância tem duas faces, dois atributos: (Porem Leibniz rejeita o panteísmo de Spinoza)

Leibniz, aplica sua tese do paralelismo das ações, a noção de que corpo e espírito existem em perfeita harmonia preestabelecida por Deus desde o momento da criação. Os corpos agem como se não houvesse almas, e as almas agem como se não houvesse corpos, e no entanto, ambos corpo e alma agem como se um estivesse influenciando e dirigindo o outro. Não parece haver, no entanto, importante diferença entre a interferência de Deus em cada ocasião (Ocasionalismo de Malebranche) e a sua única intervenção na criação do mundo quando estabelecia previamente o mesmo paralelismo harmônico entre a vontade do espírito e a acão mecânica do corpo (Harmonia pré-estabelecida de Leibniz).

Em Descartes, é como se dois relógios andassem iguais por estarem conectados; em Malebranche, marcariam a mesma hora por esforço de um hábil relojoeiro que regula os relógios e os mantém de acordo (ocasionalismo); em Spinoza, porque fossem dois mostradores com um só mecanismo (teoria do duplo aspecto), ou em virtude do fato de que eles foram construídos com o propósito de que sua futura harmonia ficasse garantida (paralelismo), que era a proposta de Leibniz.

X. O conhecimento. Como mostrei, Leibniz negava o efeito causal entre substâncias, e isto porque todas as coisas são constituídas de mônadas e estas eram incomunicáveis. Não admite comunicação ou ligação entre as mônadas. Uma vez que as mônadas constituem todas as coisas e são impermeáveis, não têm janelas para o seu exterior, o que percebem e quem as percebe? Percebem elas a si mesmas quando constituem a consciência. São parcialmente materiais e parcialmente espirituais ou imateriais. A atividade contínua da mônada é o esforço de exprimir-se a si mesma, isto é, de adquirir sempre mais consciência daquilo que virtualmente contem em si mesma. Trazem dentro de si mesmas a experiência de conhecer seu próprio estoque de coisas a serem conhecidas, conforme o programa original da harmonia preestabelecida dispôs que conheceriam desde seu início e por toda a eternidade.

As coisas não são conhecidas por intervenção divina, como postulou Nicolas Malebranche, mas por uma analogia existente, um paralelismo, entre as idéias de Deus e as idéias do homem, uma identidade entre a lógica de Deus e a lógica dos homens. Segundo Leibniz, Deus assegurou, desde sempre, a correspondência das minhas idéias com a realidade das coisas, ao fazer coincidir o desenvolvimento da minha mônada pensante com todo o universo.

O que vamos conhecer na vida já está dado e contido em nossa própria alma, ou seja, na “mônada espiritual” responsável pela nossa consciência. Significa também que todas as mônadas têm percepção e que os cartesianos erraram em supor que só o espírito tem percepção e os animais são máquinas. Eles também têm algum grau de percepção, porque também são constituídos de mônadas e todas as mônadas têm um maior ou menor grau de percepção.

Nos “Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano” rejeita a teoria empirista de Locke (1632-1704) segundo a qual a origem das idéias encontra-se exclusivamente na experiência e que a alma seria uma tabula rasa.

Estruturas inatas. Como as mônadas trazem dentro de si todas as coisas a serem conhecidas, então todas as idéias são inatas. Porém Leibniz, no prefácio de “Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano” Leibniz admitiu o inatismo não de idéias, mas de certas estruturas geradoras de idéias. Ele diz: “Por isso emprego de preferência a comparação com um bloco de mármore que tem veios… se há veios na pedra que desenham a figura de Hércules em lugar de qualquer outra, este bloco lhe estaria já disposto, e Hércules lhe seria de algum modo como inato, ainda que fosse sempre necessário certo trabalho para descobrir estes veios e destacá-los pelo polimento, eliminando o que impede sua aparição. Do mesmo modo as idéias e a verdade nos são inatas como inclinações, disposições, capacidades e faculdades naturais, e não como ações ou funções se bem que estas faculdades vão sempre acompanhadas de algumas ações correspondentes imperceptíveis”. As idéias são, pois, inatas num certo sentido. Elas existem em potência, e é através da reflexão que se atualizam e a alma adquire consciência.

Apesar de propor para a gênese do pensamento lógico a existência de certas estruturas inatas da mente e compará-las aos veios em um bloco de mármore que guiam e inspiram o escultor a talhar uma certa figura, Leibniz não podia em seu tempo pensar em uma estrutura física de neurônios. Com certeza pensa em algo contido no espírito, “faculdades naturais”, como ele diz, algo pertinente às mônadas espirituais de que fala em sua Monadologia. A noção do trabalho associativo da mente é, porém, ainda mais antiga, pois, como é sabido, já está em Aristóteles.

Inconsciente. O saber de perceber é a apercepção, que é também a reflexão ou esforço de ter sempre percepções mais distintas. É verificável que temos em cada momento impressões das quais nós não nos advertimos, mas que permitem o automatismo de nosso comportamento. Temos assim uma infinidade de percepções que não são acompanhadas de apercepção e reflexão. As percepções das quais não se tem consciência são chamadas por Leibniz percepções insensíveis. Nossas as ações, que à primeira vista parecem a nós mesmos sem motivo, são respostas às percepções insensíveis, que explicam também as diferenças de caráter e de temperamento.

XI. Felicidade e Liberdade. A questão da liberdade é o mais difícil de se compreender em Leibniz porque as mônadas encerram em si tudo o que lhes há de acontecer e hão de fazer. Todas as mônadas são espontâneas, porque nada que é externo pode exercer coação sobre elas, nem obriga-las a coisa alguma. Como é possível a liberdade? Segundo ele, Deus cria os homens, e os cria livres. Deus conhece os “faturíveis”, isto é, os fatos futuros condicionados pelo presente, as coisas que serão ou acontecerão se for posta uma certa condição que ainda não existe. Deus conhece o que faria a vontade livre, sem que esteja determinado que isto ou aquilo tenha de ser assim, não se tratando, portanto, de predeterminação. Uma segunda harmonia está entre o domínio físico natural e o reino moral da graça. As mônadas enquanto progridem ao longo de linhas naturais no sentido da perfeição, estão ao mesmo tempo progredindo ao longo da linha moral no sentido da felicidade.

Deus quer que os homens sejam livres e permite que possam pecar, porque é melhor essa liberdade que a falta dela. A Teodicéia de Leibniz leva como subtítulo “Ensaios sobre a bondade de Deus, a liberdade do homem e a origem do mal”. Neste Leibniz chama a Vontade de uma “faculdade caracterizada pelo apetite pelo bem”: a liberdade é um bem. O homem, porém, não sabe usar a liberdade. O pecado aparece, pois, como um mal possível que condiciona, que restringe um bem superior que é a liberdade humana.

XII. Uma só religião. Quando Leibniz se tornou bibliotecário e arquivista da casa de Brunswick em 1676, o Duque de Brunswick era Johann Friedrich, que havia recentemente se convertido ao Catolicismo. A boa aceitação dessa conversão entre uma maioria protestante tornou a questão das divergências religiosas um assunto importante e Leibniz quase imediatamente começou a trabalhar pela causa da reconciliação entre Católicos e Protestantes.

Porém, em meu entender, é falso que Leibniz visse apenas como politicamente importante para os Estados Alemães a união religiosa e o espírito de tolerância, e que por isso sua atuação fosse somente diplomática, sem uma verdadeira preocupação teológica. Parece claro que, do mesmo modo como ele buscava fórmulas conciliadoras na filosofia, ele tentou encontrá-las também na teologia, por acreditar que as verdades fundamentais estavam contidas em cada corrente contrária, filosófica ou teológica, bastando mostrar as coincidências para se chegar à conciliação.

O projeto não foi adiante por razões políticas e pela desunião entre os próprios protestantes. Luís XIV, que, através de Bossuet expressara sua aprovação às conclusões de :Leibniz, na verdade não apoiou o projeto. O próprio Leibniz tinha inclinação pelo catolicismo e adotou para si próprio uma espécie de credo cristão racionalista e eclético, e deixou de assistir os serviços religiosos protestantes em 1696.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 18-05-1997.

Última revisão em 11-09-2000.

Direitos reservados.
Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Leibniz. Site www.cobra.pages.nom.br, INTERNET, Brasília, 1997.