Hoje: 21-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Período na França. A partir 1667 Lord Ashley ganhou poder, dando um passo na direção do mais alto cargo do reino ao integrar o grupo de cinco membros do ministério do Rei conhecido como a “Cabal”, um trocadilho porque as primeiras letras dos nomes de seus cinco membros formava a palavra cabal, o mesmo que “cabala”. Em 1672 Ashley foi feito Primeiro Conde de Shaftesbury e ao final desse mesmo ano foi nomeado Lord Chanceler da Inglaterra, o mais alto cargo no governo. Na ocasião Locke vinha sofrendo muito com a fumaça e a neblina de Londres; no inverno Locke tossia dia e noite e tinha cada vez maior dificuldade para respirar. Apesar de necessitar sempre da assistência de Locke, Lord Ashley permitiu-lhe umas férias na França. Locke decidiu viajar com um grupo para a França., em viagem de lazer. De lá foi chamado de volta à Inglaterra por Ashley, primeiro para ser seu secretário de benefícios “Secretary of Presentations”; cabia-lhe supervisionar assuntos eclesiásticos que eram afetos à chancelaria de Ashley. No ano seguinte, passou a secretário do Conselho do Comércio e Agricultura (Council of Trade and Plantations) que Ashley havia criado.
Após dois anos na secretaria do Conselho do Comércio Locke, muito incomodado pela asma de que sofria, deixou Londres, voltando para Oxford, decidido a finalizar os estudos requeridos para o bacharelado em Medicina, o que obteve em fins de 1674. No início do ano seguinte foi indicado para uma das duas residências de medicina do colégio. Receioso, no entanto, da situação política que se agravava, Locke decidiu deixar a Inglaterra e passar uma temporada na França, país do qual guardava agradáveis recordações de férias. Buscou o clima ameno do sul da França, fez pelo interior viagens de lazer enquanto residia em Montpellier. O diário que escreveu desse período contem suas observações sobre lugares e costumes, e sobre as instituições do país. Contem também muitos pensamentos que depois tomariam forma de postulados no seu “Ensaio sobre o Entendimento Humano”. Em Montpellier recebeu a notícia de que Lord Ashley havia sido preso na Torre de Londres. Se estivesse na Inglaterra, teria sido preso com ele, do mesmo modo que outros auxiliares imediatos seus foram detidos.
A permanência de Locke na França deixou de ser apenas interesse seu, quando se tornou tutor do jovem filho de um amigo de Lord Ashley, que lhe escreveu uma carta solicitando-lhe assumir aquele encargo. No caminho entre Montpellier e Paris, onde iria encontrar o jovem discípulo, Locke sofreu o contratempo de uma febre alta e precisou de um mês para recuperar-se e concluir a viagem até a Capital, onde o jovem o aguardava.
Em Paris, Locke fez contactos que influenciaram profundamente sua visão da Metafísica (A natureza do ser) e da epistemologia, principalmente com a escola seguidora de Gassendi e particularmente com seu líder François Vernier. O já falecido Pierre Gassendi (1592-1655) , filósofo e cientista, havia criticado a super-especulação na filosofia de Descartes e defendera o retorno à doutrina de Epicuro, isto é ao empirismo (enfatizando a experiência dos sentidos), ao hedonismo (sustentando ser o prazer o bem), e à física corpuscular (com a realidade feita de partículas atômicas). Gassendi sustentava que o conhecimento do mundo exterior depende dos sentidos, porém o homem pode, através da razão, derivar muita informação além da evidência ganha empiricamente.
Exílio na Holanda. Na primavera de 1678, após quatro anos na França (1675-79), Locke retornou à Inglaterra e imediatamente para a casa de Ashley Cooper. Este havia ficado preso um ano na Torre, mas, ao tempo da volta de Locke já estava livre e fazendo política novamente, como presidente do Conselho Privado, enquanto seus inimigos estavam prisioneiros em seu lugar. Locke era novamente seu braço direito.
Lord Ashley, agora conde de Shaftesbury estava do lado do Parlamento e cada vez mais se opunha às medidas de Carlos II (1630-1685) que tentava fortalecer o absolutismo. Por outro lado, o herdeiro do trono, James, irmão de Carlos II, era católico, e a maioria protestante liderada por Shftesbutry queria excluí-lo da sucessão. Em 1681, por não conseguir conciliar os interesses do rei com os do Parlamento, Lord Ashley foi demitido. Carlos II dissolveu o parlamento em 1681.
Em 1682 as disputas entre realistas e parlamentaristas se reacenderam devido a Londres estar confiada a cheriffs fieis à monarquia. Descontente com o controle firme dos realistas sobre a política na cidade, e consequente perda de poder do seu grupo, Lord Ashley pensou organizar uma revolta mas seus planos foram descobertos e ele e seus auxiliares e amigos passaram a ser vigiados com olhos de falcão. Espiões foram designados para vigiar inclusive a Locke. Pelo final do ano o governo tinha evidências suficientes para prender Lord Ashley mas este, absolvido por um jure de Londres, fugiu para a Holanda, onde veio a falecer no início de 1683.
Locke continuou sob vigilância na Inglaterra. A fama de Hobbes, morto em 1679, foi logo sucedida pela de John Locke. Porém a permanência na Inglaterra tornou-se para ele progressivamente insustentável. Em 1683 uma carta foi enviada da Corte ao reitor do Christ Church College advertindo-o de que Locke, que era da casa do conde de Shaftesbury (Lord Ashley) havia em várias ocasiões se comportado facciosa e desobedientemente com o governo. Locke apresentou sua defesa em uma carta e recebeu de um amigo, Lord Pembroke, a garantia de que havia limpado seu nome com o Rei.. Porém Locke decidiu refugiar-se na Holanda, confiando a um amigo íntimo, o parlamentar Edward Clarke, seus interesses na Inglaterra. No ano seguinte seu nome foi incluído numa lista enviada ao governo holandês de 84 traidores procurados pelo governo Inglês. Para escapar de ser preso e deportado, Locke mudou de nome, fazendo-se chamar Dr. van der Linden. Mudava-se de uma cidade para outra e visitava furtivamente seus amigos. porém em breve pode mostrar-se novamente e viajar livremente por toda a Holanda. No exílio sua saúde melhorou, e fez muitos amigos entre os intelectuais holandeses.
Por cinco anos Locke permaneceu na Holanda onde se deu muito bem, dedicou-se à medicina, fez amigos e teve tranquilidade para colocar em ordem seus pensamentos sobre as questões filosóficas que o preocupavam e escrever, principalmente mais alguns capítulos do Essay Concerning Human Understanding e do Letters on Toleration. É a época em que Isaac Newton comunica à Royal Society de Londres, em 1686, sua hipótese sobre a gravitação universal e Leibniz escreve obras importantes (o “Discurso de Metafísica” e o Systema Theologicum). De modo particular fez amizade com o teólogo intelectual Philip van Limbroch, o líder do clero Remonstrant, uma linha dissidente do protestantismo holandês a qual, tanto quanto os latitudinários ingleses, seguia a linha liberal do teólogo holandês Jacobus de Arminius, em oposição à linha ortodoxa radical predominante de Gomarus. Dedicou a Limbroch a “Epistola de Tolerantia”, livro foi completado em 1685 porém publicado anonimamente na Holanda somente em princípios de 1689 para logo depois ter uma edição corrigida na Inglaterra, em 1690. A controvérsia que se seguiu a este trabalho levou Locke a publicar, além da segunda “Carta” de 1690, uma terceira, em 1692. Um abstract do “Ensaios” foi publicado no Bibliotheque universelle Leclerc em 1688, um jornal no qual Locke colaborou durante o seu exílio.
Locke permaneceu na Holanda até 1688, quando Jaime II, coroado em 1685, foi derrubado. O casamento de Carlos II não deu filhos. Pouco antes dele morrer, a rainha Catarina levou-o a reconciliar-se com a Igreja Católica. Com o seu falecimento em 1685 Jaime II (1685-88), católico, seu irmão, ascendeu ao trono inglês. Em 1692 Catarina retornou a Portugal. Parecia que o exílio na Holanda iria ser longo para Locke. O rei católico, irmão e sucessor de Carlos II, tentou sufocar a igreja anglicana. O Parlamento reagiu e o depôs; obrigando-o a fugir para a França. Foi a célebre “Revolução Gloriosa”. O Parlamento chamou Maria Stuart, protestante, filha do rei deposto, (Maria II da Inglaterra 1689-94) que reinou conjuntamente com seu marido Guilherme de Orange (Guilherme III da Inglaterra) até 1694, quando falece Maria II, e 1702, quando falece Guilherme III, e o trono passa, – ainda em vida de John Locke -, para a devotada anglicana Anne (1665-1714), irmã de Maria II.
O Ensaio sobre o Entendimento Humano. A “Revolução sem sangue e gloriosa” (“the glorious bloodless revolution”) havia cumprido os ideais de Shaftesbury e Locke. Primeiro e principalmente, a Inglaterra tornou-se uma monarquia constitucional controlada pelo Parlamento; a partir de Guilherme III o monarca inglês é figura decorativa. Segundo, após a revolução tornaram-se maiores a liberdade do indivíduo nas cortes de justiça, a tolerância religiosa e a liberdade de pensamento e expressão.
Encorajado a voltar para a Inglaterra pela mudança política e também porque foi convidado a morar com seu amigo Dr. Charles Goodall, Locke pôs seus negócios em ordem, fez as malas e partiu para a Inglaterra em um domingo, 20 de fevereiro, 1689 a bordo do barco Isabella.
Após seu regresso o filósofo começou a frequentar os salões do amigo Lord Pembroke onde ele encontrou-se com alguns de seus mais famosos contemporâneos, inclusive Isaac Newton. Locke trocou cartas com Newton a respeito desde as órbitas planetárias como das Escrituras. Apesar da situação favorável, Locke, desde sua volta participou pouco da política. O novo governo reconheceu seus serviços pela causa da liberdade e lhe foi oferecido o posto de embaixador britânico em Berlim ou Viena, o primeiro junto a corte de Frederick III, que alguns anos depois haveria de fundar o reino da Prússia unindo os territórios herdados de seu pai, Frederico Guilherme, em cujo reinado Locke estivera em missão diplomática na antiga capital, Brandenburgo. Locke recusou ambos os postos alegando seus problemas de saúde. Porém aceitou o cargo menos importante de membro da Comissão de Apelação (Commission of Appeals) no mesmo ano de seu regresso.
Por ocasião de seu regresso Locke contava cinquenta e sete anos. Com problemas de saúde motivados pela poluição atmosférica de Londres, deixava a cidade tantas vezes quanto possível em visita a amigos no interior, hospedando-se finalmente na mansão de Oates, uma pequena propriedade rural pertencente Sir Francis e Lady Masham. Sua hospedeira era uma mulher que ele tinha conhecido por muitos anos, por ser filha do já mencionado Ralph Cudworth, o professor platonista de Cambridge que Locke admirava pelo tipo de teologia liberal; uma crescente afinidade intelectual com a família levou-o a aceitar a oferta de moradia. Em casa de Lady Masham. Sua saúde melhorou e de lá continuou sua influência política como líder intelectual dos parlamentaristas Whigs. A maior tarefa deste último período de sua vida, no entanto, seria a publicação de seus trabalhos, os quais eram o produto de longos anos de gestação. Encontrou logo que retornou, editor para seus dois grandes trabalhos, o famoso “Ensaio Sobre o Entendimento Humano”, e o igualmente importante Two Treatises of Government (“Dois Tratados Sobre o Governo Civil”). Publicou este último anonimamente, porém tão determinado a ocultar sua autoria dessa obra que destruiu todas as cartas e manuscritos a ela referentes.
Em março de 1690 apareceu o longamente esperado Essay concerning Human Understanding (“Ensaio sobre o Entendimento Humano”), sobre o qual havia trabalhado intermitentemente desde 1671. O livro alcançou sucesso imediato e provocou uma volumosa literatura de ataque e resposta. De uma parte os jovens queriam introduzi-lo na universidade. Uma versão simplificada do Ensaio foi publicada como introdução para estudantes universitários, e de outro as elites se reuniram para descobrir um meio de suprimi-lo. Novas edições revistas surgiram em 1694, 1695, e 1700. As últimas edições contêm muitas modificações devidas à correspondência do autor com William Molyneux, do Trinity College, de Dublin, um devotado discípulo, com o qual Locke tinha uma calorosa amizade.
Outros interesses também ocuparam Locke ao longo da década de 90. As dificuldades financeiras do novo governo levaram-no a publicar em 1691 o acima citado Some Considerations of the Consequences of Lowering of Interest, and Raising the Value of Money (“Algumas considerações sobre a redução dos juros e o aumento do valor da moeda”) com um desdobramento em novas considerações sobre a questão publicada quatro anos mais tarde. Assistiu o amigo Edward Clarke, já citado, membro da Casa dos Comuns, na preparação de alguns atos que o mesmo defendeu no parlamento: projetos em favor dos direitos do cidadão (ato sobre o direito de busca em casa dos suspeitos) e sobre a liberdade de imprensa (ato regulamentando as impressões gráficas).
Parece que a partir do simples gosto por cuidar da saúde das crianças, Locke desenvolveu um interesse por normas úteis à sua educação. Ele havia escrito a Clarke, da Holanda, uma série de cartas aconselhando-o quanto à melhor educação de seu filho. Estas cartas formaram a base de seu influente Some Thoughts Concerning Education (“Alguns pensamentos relativos à Educação”), saído em 1693, criando novos ideais no campo da educação.
Em 1695 ele publicou um tratado religioso com um elevado apelo por um cristianismo menos dogmático, intitulado The Reasonableness of Christianity em que dá as escrituras como “uma coleção de escritos destinados por Deus para a instrução do grosso analfabeto da humanidade no caminho da salvação, e, portanto, de modo geral e nas questões principais, para ser entendida no sentido pleno e direto de palavras e frases”. Publicou essa obra anonimamente. Durante esse período participou também de um Club denominado “O colégio”, um agremiação destinada a discutir assuntos políticos e através do qual Locke suave e discretamente influía sobre o Parlamento. Retornou ainda uma vez à vida pública, quando, em 1696, foi escolhido pelo Rei para ser um dos Comissários para Comércio e Agricultura. Para cumprir suas obrigações Locke foi forçado a mudar-se de Oates para Londres, a despeito do agravamento de sua asma. Neste cargo Locke tratava de assuntos de comércio com as colônias e agricultura, exercendo uma mão firme dentro do conselho. Quatro anos mais tarde decidiu afastar-se do Conselho devido principalmente a sua saúde decadente.
Últimos anos. Nos anos seguintes Locke raramente deixou Oates. Muitos amigos o visitaram lá, como o amigo parlamentar Edward Clarke com a esposa e os filhos, aos quais Locke dedicava grande afeição, e inclusive Sir Isaac Newton, que não veio discutir matemática, porém as Epístolas de São Paulo, um assunto que interessava muito a ambos. Outro visitante frequente era seu jovem amigo Anthony Coolins (1676-1729) que mais tarde publicaria seu célebre Discouse of Free-thinking (1713) além de dois tributos póstumos a John Locke publicados em 1708 e 1720.
Em seus últimos anos ocupou-se de principalmente de responder a críticas ou revisar edições de seus trabalhos.
Uma das críticas teve maior repercussão; foi a de Edward Stillingfleet, bispo de Worcester, que, no seu Vindication of the Doctrine of the Trinity (1696), atacou a “nova filosofia”. Sua crítica chamou atenção para um dos pontos menos satisfatórios do “Ensaio”, sua explicação da ideia de “substância”. Locke respondeu no início de 1697 em A Letter to the Bishop of Worcester. Stillingfleet retrucou poucos meses depois e Locke aprontou logo uma segunda carta. Stillingfleet fez nova replica em 1698 e uma extensa carta de Locke apareceu em 1699, ano em que a polêmica foi interrompida pela morte do bispo.
Ao fim de sua vida Locke ficou extremamente doente ao ponto de não poder levantar-se do leito. Faleceu a 28 de outubro de 1704, aos 72 anos. Foi enterrado na igreja paroquial de High Laver.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 24-05-1998.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – John Locke. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 1998.