Hoje: 21-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Época. Adam Smith é um dos filósofos do chamado “Iluminismo Escocês”, que teve centro na universidade de Glasgow. Nasceu à época de George I, filho do eleitor de Hanôver e de Sofia, neta de Jaime I da Inglaterra, sucedido, em 1727, pelo filho George II. Os direitos de sucessão dessa dinastia haviam sido investigados e comprovados por Leibniz, quando esteve a serviço do eleitor de Hanôver.
A Inglaterra de seu tempo vivia seu período de grande atividade marítima, que antecedeu a Revolução Industrial. Porém, na mesma época esteve imersa em duas guerras: a da Sucessão da Áustria e a Guerra dos 7 anos, esta última envolvendo a França, a Áustria e a Rússia contra a Prússia, que pretendia direitos sobre a Silésia e teve o apoio dos ingleses.
Duas grandes revoluções frutos do pensamento iluminista têm lugar durante a vida de Smith: a revolução americana e a revolução francesa. Na primeira, a França ajuda os americanos na guerra pela independência, contra os ingleses, que foram derrotados em Saratoga em 1777; o tratado de Versalhes de 1783 reconhece a independência americana, restitui a Flórida à Espanha e o Senegal à França. Na segunda, triunfam as idéias dos enciclopedistas franceses, principalmente as de Rousseau, que levam à instalação da república na França, em 1789.
Conhecido por sua obra principal, An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (“Uma Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações”), de 1776, Adam Smith foi na verdade um filósofo social, não um economista. Quando se examina o contexto de seu pensamento que inclui o seu The Theory of Moral Sentiments (“A Teoria dos Sentimentos Morais”), de 1759, além da obra que almejava publicar sobre os princípios gerais da lei e do governo e as diferentes revoluções que ocorreram em diferentes épocas e períodos da sociedade, vê-se que sua obra prima “Riqueza das Nações”, não é meramente um tratado de economia mas uma peça dentro de um sistema filosófico amplo que parte de uma teoria da natureza humana para uma concepção de organização política e de evolução histórica.
VIDA. Adam Smith, filho de outro Adam Smith e sua segunda mulher, Margarete Douglas, foi batizado em 5 de junho de 1723 em Kirkcaldy. Esta era uma pequena cidade portuária na margem norte da enseada de Firth of Forth no mar do Norte, pertencente ao condado de Fife, próxima a Edimburgo, importante pelo comércio de sal. Seu pai era fiscal da alfândega e sua mãe era filha de um bem aquinhoado proprietário de terras. Em sua época o Reino Unido (Inglaterra unida à Escócia desde 1707) vivia o período de grande atividade marítima que antecedeu a Revolução Industrial.
O único episódio conhecido da infância de Smith é que aos quatro anos foi raptado por ciganos e, devido à intensa busca que foi organizada, abandonado por eles e recolhido a salvo.. Recebeu educação primária em Kirkcaldy e, na idade de 14 anos, em 1737 (ano em que David Hume publica “Tratado da Natureza Humana”), entrou para a Universidade de Glasgow. Esta universidade, centro do que depois seria chamado Iluminismo Escocês, fora fundada por bula do papa Nicolau V em 1451, a pedido do rei Jaime II da Escócia. Ao tempo de Smith a universidade ficava em High Street e somente cerca de cento e trinta anos depois seria mudada para seu sítio atual, no extremo oeste de Glasgow. No universidade Smith foi profundamente influenciado pelo seu professor de filosofia moral, Francis Hutcheson.
Depois de graduar-se em 1740, Smith conseguiu uma bolsa para estudar em Oxford, para onde foi a cavalo e onde se hospedou no Balliot College. Encontrou em Oxford um ambiente atrasado, em contraste com a estimulante atmosfera de Glasgow. Ensino ruim e retrógrado a ponto de lhe confiscarem o “Tratado” de David Hume, visto que nele Hume negava o princípio de causa e efeito, o que invalidava a prova da existência de Deus como causa última necessária. Em Oxford Smith praticamente promoveu uma auto-educação em filosofia clássica e contemporânea.
Retornando à Escócia após seis anos, Smith ficou à procura de emprego. É nesta ocasião que recebe apoio do filósofo e jurista Lord Henry Home Kames (1696-1782) um pensador melhor conhecido pelo seu Elements of Criticism, 3 vol. (1762), um trabalho notável na história da estética pela tentativa de igualar o belo ao que é agradável aos sentidos naturais da vista e da audição. Suas outras obras incluem Essays on the Principles of Morality and Natural Religion (1751), temas que Smith certamente apreciava.
Devido às boas relações da família de sua mãe, juntamente com o apoio de Lord Kames, abriu-se para Smith a oportunidade para uma ocupação provisória, paga, de conferencista público em Edimburgo. Esta era uma atividade nova, prevista no novo sistema de educação em voga como parte do espírito de progresso que prevalecia na época.
Suas conferências, que cobriam ampla gama de assuntos desde retórica a história e economia, causaram profunda impressão em alguns dos grandes contemporâneos de Smith. Isto foi decisivo para sua própria carreira, porque resultou daí ser nomeado em 1751, na idade de 27 anos, professor de lógica na Universidade de Glasgow. Desse posto ele se transferiu no ano seguinte para o professorado melhor remunerado de filosofia moral, que na época compreendia os campos relacionados de teologia natural, ética, jurisprudência e economia política. Essa mesma cadeira havia sido pleiteada em 1744, por Hume, que havia publicado, em 1741, os Ensaios Morais e Políticos, mas lhe foi negada sob o pretexto de ser ele herege, e “notório infiel”. Com a transferência de Smith para a filosofia moral, fez-se então uma tentativa para que Hume fosse indicado para a cadeira de lógica que Smith deixava vaga. Porém Hume (que depois se tornaria amigo íntimo de Smith) não obteve a cátedra. O rumor de ateísmo prevaleceu novamente.
Membro da faculdade, Smith entrou em um período de intensa atividade. Além de lecionar pela manhã, ocupava-se de assuntos acadêmicos e administrativos na parte da tarde, tudo isto combinado com uma também intensa vida intelectual e à noite o estimulante convívio com a sociedade de Glasgow. Suas aulas eram em inglês, uma novidade introduzida pelo falecido professor da mesma disciplina, Francis Hutcheson. Foi eleito reitor em 1758. Ele considerou esse período o mais feliz e nobre de sua existência.
No seu circulo de amizades contavam-se, além da nobreza e altos funcionários do governo, também uma variedade de figuras das ciências, da filosofia e letras, como o químico Joseph Black, o engenheiro inventor da máquina a vapor James Watt, Robert Foulis, um grande editor, e David Hume, que Smith conheceu em Edimburgo quando voltou de Oxford, e que se tornou um amigo para o resto da vida.
Entre seus amigos tinha mercadores ocupados com o comércio colonial que se intensificara na Escócia a partir do ato de união com a Inglaterra. Nos entretenimentos sociais, discutiam economia e estes comerciantes o colocavam a par dos movimentos de mercado com aquelas informações detalhadas que Smith apresentará no livro “Riqueza das Nações”.
Em 1759 publicou seu primeiro trabalho já referido, “A Teoria dos Sentimentos Morais”, em que toma uma natureza humana imutável como base para as instituições sociais. Aquela é dominada pelas paixões e os instintos de auto-preservação e auto-interesse, porém controlada por uma capacidade de simpatia, – outro instinto -, e por uma presença interior que aprova ou desaprova as ações do indivíduo. Essa estrutura joga os homens uns contra os outros, mas lhes dá também a faculdade de criar instituições através das quais esse conflito é mitigado e transformado em bem social. Este primeiro trabalho já expressa o pensamento, que repetiria depois no “Riqueza das Nações”, que “os homens voltados para seus próprios interesses são conduzidos por uma mão invisível…sem saber e sem pretender isto, realizam o interesse da sociedade”.
O “A Teoria” tornou-se lido e conhecido, e em particular atraiu a atenção de Charles Townshend, um político importante a quem interessavam as questões canônicas, ele mesmo historicamente vinculado às medidas de taxação que provocaram a Revolução Americana. Townshend havia se casado recentemente e buscava um tutor para seu enteado e tutelado, o jovem duque de Buccleuch. A empenhada recomendação de Hume e sua própria admiração pelo autor de “A Teoria dos Sentimentos Morais”, levaram-no a propor a função a Smith com a oferta de um salário acima do que Smith ganhava na universidade.
Smith renunciou à sua cadeira em 1763 e partiu para a França no ano seguinte como o tutor do jovem duque de Buccleuch. Eles ficam principalmente em Toulouse, cidade comercialmente importante na época, encontro de rotas do sul e do norte, ponto de embarque para a via fluvial do rio Garona, quando descer o rio para Bordeaux era mais rápido e confortável que o caminho por terra, como parte do trajeto entre a Itália e a Inglaterra. Em Toulouse permaneceram mestre e discípulo por 18 meses, e nesse período Smith iniciou os manuscritos do “Riqueza das Nações”.
De Toulouse foram para Genebra, onde Smith encontrou-se com Voltaire, – por quem ele tinha o mais profundo respeito –, e de lá seguiram para Paris, onde Hume, então secretário da embaixada britânica, apresentou Smith aos grandes salões literários do Iluminismo francês. Lá ele encontrou um grupo de reformadores sociais e teóricos da economia, encabeçados por François Quesnay. Muito impressionado pelas idéias de Quesnay, iria dedicar a ele o “Riqueza das Nações”, não tivesse o economista francês falecido antes da publicação. A permanência em Paris foi, porém, abreviada por um acontecimento chocante. O irmão mais jovem do duque de Buccleuch, que se juntara a eles em Toulouse, foi assassinado na rua. Smith e seu pupilo imediatamente retornaram para Londres.
Smith trabalhou em Londres até a primavera de 1767 com Lord Townshend, um período durante o qual ele foi eleito membro da Royal Society e ampliou ainda mais seu círculo intelectual incluindo, Edmund Burke (1729-1797), estadista britânico de origem irlandesa, figura proeminente no cenário político entre 1765 e 1795, importante na história da teoria política pela sua crítica ao jacobinismo na França e pela sua definição de partido político: um corpo de homens unidos em espírito público, que age como um elo constitucional entre o rei e o parlamento, dando consistência e força na administração, ou crítica fundamentada quando na oposição; Samuel Johnson (1709-1784) crítico, biógrafo, ensaísta, poeta e dicionarista, considerado uma das maiores figuras da vida e das letras no século XVIII na Inglaterra; Edward Gibbon (1737-1794) historiador, intelectual racionalista inglês, mais conhecido como o autor de The History of the Decline and Fall of the Roman Empire (“História do declínio e queda do Império Romano”), de 1776-88), uma narrativa continua do século II DC até a queda de Constantinopla em 1453, e provavelmente também Benjamim Franklin (1706-1790), impressor e editor americano, autor, inventor, cientista, e diplomata, famoso pelas suas experiências com a eletricidade que resultaram na descoberta do para-raio, e que esteve na Inglaterra negociando interesses da América inglêsa e depois na França, para garantir apoio financeiro e militar para a guerra da independência dos Estados Unidos.
Ao final de 1767 Smith voltou para Kirkcaldy, onde os seis anos seguinte foram gastos ditando e revisando o “Riqueza das Nações”, seguidos por outra estada de três anos em Londres, onde o livro foi finalmente concluído, e publicado, em 1776. Apesar de não ter sido um sucesso popular imediato, o “Riqueza das Nações” foi recebido com admiração pelo largo círculo de amigos e admiradores de Smith.
O ano seguinte ao da publicação do livro Smith foi indicado comissário ambos da alfândega e do imposto do sal para a Escócia, postos que lhe trouxeram um bom rendimento anual. Ele então agradeceu ao duque Buccleuch dizendo que ele não mais necessitava sua pensão, ao que o duque respondeu que seu senso de honra nunca lhe permitira deixar de paga-la. Smith estava portanto inteiramente bem nos anos finais de sua vida, que foi passada principalmente em Edimburgo com viagens ocasionais a Londres ou Glasgow, onde foi designado reitor da universidade. Residia então em Canongate, – a porta dos cônegos -, nome que recebeu o lugar porque era o caminho usual dos cônegos de um antigo mosteiro, depois abadia Agostiniana, entre o mosteiro e a cidade. Por séculos, apesar de adjacente à capital, Canongate foi independente de Edimburgo. Era considerado um lugar ideal para se viver: fora dos muros da cidade; havia mais espaço e contacto com a natureza, casas com amplos jardins e pomares. A proximidade com o palácio da corte escocesa em Holyrood havia naturalmente atraído a nobreza para aquele sítio. Escoceses notáveis foram enterrados na Canongate Kirk, a igreja da paróquia local.
No início de 1776, no retorno de uma de suas viagens a Londres, Smith cruzou no caminho com o amigo David Hume que ia à capital, adoentado e esperando que aquela viagem pudesse lhe fazer bem. Por morte de Hume, Adam Smith foi seu executor literário, e adicionou ao “Vida”, escrito por ele, uma carta expressando seu julgamento do amigo como “aproximando tão de perto a idéia de um homem perfeitamente lúcido e virtuoso quanto a fraqueza da natureza humana houvera de permitir”.
Os anos passaram quietamente, com várias revisões de ambos seus dois principais livros. Em 17 de julho de 1790, na idade de 67 anos, cheio de honras e reconhecimento, Smith morreu. Foi enterrado no pátio da igreja em Canongate, com um monumento simples dizendo que Adam Smith, autor do “Riqueza das Nações”, estava enterrado ali.
Assim como Hume, Smith nunca se casou, e quase nada se sabe do seu lado pessoal. Infelizmente seu arquivo pessoal foi destruído, e somente um retrato seu existe, um medalhão de seu perfil de sobrancelhas grossas, nariz aquilino e um lábio inferior saliente. Segundo vários testemunhos, ele era também um homem de muitas peculiaridades: tinha um modo vacilante de falar (até que se aquecia para seu assunto), um modo de andar descrito como “vermicular” e acima de tudo uma cabeça muito distraída. Por outro lado, muitos contemporâneos mencionaram seu sorriso de “inexprimível bondade”, seu tato político e seu expediente em conduzir os negócios as vezes difíceis da universidade de Glasgow. Atraiu estudantes de nações tão distantes quando a Rússia e seus últimos anos foram coroados não somente com expressões de admiração de muitos pensadores europeus mas também por um crescente reconhecimento, nos círculos governamentais democráticos, da importância de suas teses para a condução de uma política econômica prática.
Como salienta o articulista Heilbroner, Adam Smith é o protótipo do filósofo iluminista: esperançoso porém realista, especulativo e ao mesmo tempo prático, sempre respeitador do passado clássico mas dedicado com afinco à grande descoberta de sua época, o progresso.
Conhecido por seu trabalho An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (“Uma Investigação sobre a Natureza e Causas da Riqueza das Nações”), de 1776, foi na verdade um filósofo social, não um economista. Quando se examina o contexto de seu pensamento que inclui não apenas mais o seu The Theory of Moral Sentiments (“A Teoria dos Sentimentos Morais”), de 1759, mas também a obra que almejava publicar sobre os princípios gerais da lei e do governo, e as diferentes revoluções que esses princípios sofreram em diferentes épocas e períodos da sociedade, vê-se que sua obra prima “Riqueza das Nações”, não é meramente um tratado de economia mas uma peça dentro de um sistema filosófico amplo que parte de uma teoria da natureza humana para uma concepção de organização política e de evolução histórica.
O seu primeiro trabalho, “A Teoria dos Sentimentos Morais”, lança os fundamentos psicológicos sobre os quais o “Riqueza das Nações” foi depois construído. No “A Teoria” Smith descreveu os princípios da “natureza humana” os quais, juntamente com Hume e outros filósofos da sua época, ele tomou como universais e imutáveis, e a partir dos quais supõe que as relações sociais do homem, tanto quanto seu comportamento pessoal, poderiam ser explicados e previstos.
Influência de Hutcheson. Uma questão em particular interessava Smith no “A Teoria dos Sentimentos Morais”. Era o problema respectivo a qual é a fonte da habilidade do homem em formar juízos morais, face à sua aparentemente avassaladora paixão por auto-preservação e interesse próprio. A resposta de Smith é que está presente em cada um de nós um “homem interior” que desempenha o papel de “espectador imparcial”, aprovando ou condenando nossas ações próprias e as dos outros com uma voz impossível de ser ignorada. Esta voz interior é, certamente, a voz do “sentido moral” em que acreditava seu mestre Francis Hutcheson, cujo pensamento foi a principal influência sofrida por Adam Smith na concepção de seu sistema filosófico.
Egoísmo e Altruísmo. A tese do espectador imparcial, no entanto, esconde um aspecto mais importante do livro. Smith viu o homem como uma criatura guiada por paixões e ao mesmo tempo auto-regulada pela sua habilidade de raciocinar e – não menos importante – pela sua capacidade de simpatia. Esta dualidade tanto joga os homens uns contra os outros, quanto os leva a criar racionalmente instituições pelas quais a luta mutuamente destrutiva pode ser mitigada e mesmo voltada para o bem comum.
Ele escreveu no “A Teoria” a famosa observação que ele repetiria mais tarde no “Riqueza das Nações”: que os homens interesseiros, egoístas, são frequentemente “levados por uma mão invisível sem que o saibam, sem que tenham essa intenção, a promover o interesse da sociedade”. No “A Teoria” Adam Smith confia no “homem interior”, no “sentido moral”, para que a criação do homem supere o comportamento predador de sua natureza.
Estágios da evolução social. Apesar de ser considerada a primeira grande obra de economia política, na verdade o livro “Riqueza das Nações” é a continuação do primeiro, “A Teoria dos Sentimentos Morais”. A questão abordada no “Riqueza” é da luta entre as paixões e o “espectador imparcial”, ao longo da evolução da sociedade humana.
É Adam Smith o primeiro filósofo a conceber uma organização dinâmica da sociedade no sentido de sua evolução para um sempre maior bem estar coletivo, uma linha de pensamento que evoluirá no século XIX para o Utilitarismo. Ele concebe como agente desse movimento a própria “natureza humana” levada por uma forte inclinação para a troca comercial e pelo desejo de melhoramento próprio, porém susceptível de ser guiada pelas faculdades da razão. Realmente, o problema a que Smith definitivamente se endereçava era o da luta interior entre a paixão e o “espectador imparcial” revelado no “A Teoria dos Sentimentos Morais”. Essa luta tem quatro estágios de organização da sociedade, nos quais a história de todos os povos se desdobraria, não houvesse guerras, escassez de recursos, ou deliberado intervencionismo do governo.
No Livro III, Smith delineia os quatro principais estágios dessa evolução:
(1) O estágio original “rude”, o estágio dos caçadores. Nesse estágio existe pouca propriedade e consequentemente raramente existe qualquer magistrado estabelecido ou qualquer administração regular de justiça.
(2) O estágio de agricultura nômade, com a criação de rebanhos; começa uma forma mais complexa de organização social, com a instituição da propriedade privada, cuja manutenção e garantia requerem o indispensável apoio e suporte da lei e da ordem. Seguindo o pensamento de Locke, para Smith o governo civil, tanto quanto ele é instituído para a segurança da propriedade, é na realidade instituído para a defesa dos que tem posse e podem custeá-lo pagando impostos.
(3) O estágio de fazendas, manorial do latifúndio ou feudal. Nesse estágio a sociedade requer novas instituições tais como salários que seriam determinados pelo mercado em lugar de determinados pelas corporações; e empreendimentos livres em lugar de controlados pelo governo.
(4) O estágio de interdependência comercial, estágio final de perfeita liberdade em que atua a famosa “mão invisível”, capaz de levar a ação ambiciosa e egoísta do homem a criar o bem estar geral da comunidade. Isto porque, havendo liberdade, o lucro dependerá da livre concorrência em apresentar ao público aquilo que o público espera de melhor. Vale dizer, só obterá lucro quem melhor servir à sociedade. Vencer a concorrência não requer apenas a venda pelo menor preço, mas também a criatividade, as invenções que aperfeiçoam os produtos, os serviços e as artes.
Karl Marx copiou de Smith esses estágios. A diferença é que Marx, como economista, atribui a evolução à luta de classes, enquanto Adam Smith a atribui à própria natureza humana, dirigida pelo desejo de progresso pessoal e pelo uso da razão na procura de melhoramentos.
A livre concorrência. Mas, enquanto o “A Teoria dos Sentimentos Morais” havia se apoiado principalmente na presença do “homem interior” para prover as necessárias restrições para a ação particular privada, o “Riqueza das Nações” não espera que essa natureza seja contida. Ao contrário, mas demonstra que são aqueles mesmos homens que agem segundo sua liberdade e pensam exclusivamente no próprio lucro, é que finalmente serão, involuntariamente, os motores do desenvolvimento social. “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse”, diz Smith.
É no inesperado resultado dessa luta competitiva por melhoramento próprio que “a mão invisível” regula a economia, e Smith explica como a mútua competição ou concorrência força o preço dos produtos para baixo até seus níveis “naturais”, que correspondem ao seu custo de produção. Isto vem a ser o foco do Livro I e II, no qual Smith demonstra que este mecanismo protetor, conversor do mal em bem, é a concorrência e a competição.
O desejo apaixonado do homem para melhorar sua condição pelo melhoramento próprio em detrimento do outro – “um desejo que vem conosco do útero materno e nunca nos deixa até que vamos para a sepultura – é transformado em um agente beneficente social, dando nascimento a uma sociedade ordenada e progressista.
Divisão do trabalho. O “Riqueza das Nações” abre com uma famosa passagem descrevendo a divisão do trabalho em uma fábrica de alfinetes na qual dez pessoas, por se especializarem em várias tarefas, produzem 48.000 alfinetes por dia, comparada com uns poucos, talvez somente um, que cada um poderia produzir isoladamente. E no Capítulo II do mesmo Livro I é descrito o princípio que dá origem à divisão do trabalho no grupo social: “Essa divisão do trabalho, da qual derivam tantas vantagens, não é, em sua origem, o efeito de uma sabedoria humana qualquer…Ela é consequência necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa tendência ou propensão existente na natureza humana…a propensão a intercambiar, permutar ou trocar uma coisa pela outra.”
E dessa forma, a certeza de poder permutar toda a parte excedente da produção de seu próprio trabalho que ultrapasse seu consumo pessoal estimula cada pessoa a dedicar-se a uma ocupação específica, e a cultivar e aperfeiçoar todo e qualquer talento ou inclinação que possa ter por aquele tipo de ocupação ou negócio. A divisão do trabalho se equilibra pelo mesmo mecanismo da competição e da oferta e procura.
Neste capítulo, Karl Marx também copiou justamente aquilo que sempre foi imputado a ele, Marx, como o ponto mais nobre do marxismo, a alienação do trabalhador. É de Smith uma extensa digressão sobre esse problema. Ele escreveu com discernimento e originalidade sobre a degradação intelectual do trabalhador numa sociedade na qual a divisão de trabalho foi muito longe. Em comparação com a inteligência alerta do agricultor, o trabalhador especializado “geralmente se torna tão estúpido e ignorante quanto é possível para um ser humano se tornar”.
A melhor educação. No Artigo II do Volume II do “Riqueza” diz Smith que também as instituições para a educação podem propiciar um rendimento suficiente para cobrir seus próprios gastos. Ele não se ocupa de se é dever do Estado propiciar educação gratuita aos cidadãos. Ele apenas garante que, se esse for o caso, infalivelmente será a pior educação possível. Ele coteja o ensino particular com o público, este último exemplificado com o péssimo ensino que viu em Oxford, universidade onde os professores tinham seu salário garantido, mesmo que sequer dessem aulas. Quando o professor não é remunerado às custas do que pagam os alunos, “o interesse dele é frontalmente oposto a seu dever, tanto quanto isto é possível”… “é negligenciar totalmente seu dever ou, se estiver sujeito a alguma autoridade que não lhe permite isto, desempenhá-lo de uma forma tão descuidada e desleixada quanto essa autoridade permitir”. Nesta situação, mesmo um professor consciencioso do seu dever, irá, segundo Smith, acomodar seu projeto de ensino e pesquisa a suas conveniências, e não de acordo com parâmetros reais de interesse de seus alunos.
Crescimento econômico. A Análise de Smith do mercado como um mecanismo alto-regulador era impressionante. Assim, sob o ímpeto do apelo aquisitivo (em si mesmo inespecífico, aberto), o fluxo anual da riqueza nacional podia ser vista crescer continuamente. A riqueza das nações cresceria somente se os homens, através de seus governos, não inibissem este crescimento concedendo privilégios especiais que iriam impedir o sistema competitivo de exercer seus efeitos benéficos. Consequentemente, muito do “Riqueza das Nações”, especialmente o Livro IV, é uma polêmica contra as medidas restritivas do “sistema mercantil” que favorecem monopólios no país e no exterior.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 12-10-1997.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Adam Smith. Site www.cobra.pages.nom.br, INTERNET, Brasília, 1997.