Hoje: 03-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
A primeira viagem à Europa. D. João IV (reinou 1640-1656), nascido em 1604, era duque de Bragança. Subiu ao trono na revolução vitoriosa contra os espanhóis em 1640. Pertencia à casa de Avis que reinara antes dos 60 anos de domínio espanhol, fundando assim a dinastia dos Bragança.
O vice-rei do Brasil, tendo de enviar seu filho D. Fernando à Metrópole, a levar a adesão da Colônia a D. João IV, fá-lo acompanhar de dois jesuítas, o Padre Vieira e outro religioso também ilustre, o padre Simão de Vasconcelos, que seria depois afamado cronista da Ordem.
A luta dos portugueses contra o domínio espanhol, – esclarece Lúcio de Azevedo -, fora sustentada por um civismo místico, com fundamento em profecias de Bandarra, um sapateiro inspirado, que desde 1540, em um livro de trovas, consignara os destinos de Portugal. Dos solares dos fidalgos às escolas onde as crianças rudes do povo aprendiam, o Bandarra era o livro de leitura e a bíblia do patriotismo. Nada contribuiu tanto para manter vívida a esperança na redenção do estrangeiro. Suas profecias de grandeza esperava-se que se concretizariam com a volta de D. Sebastião, que se supunha ainda vivo, pois ninguém o vira morrer na batalha em África. Porém, torcidas, reinterpretadas, falseadas onde foi necessário, aplicaram-se aos fatos da restauração. O Encoberto, o rei desconhecido de que falavam os vaticínios, podia muito bem ser D. João, o Duque de Bragança.
Assim se preparou o ambiente em que brotou a revolução pela restauração da monarquia portuguesa. Restaurado o trono, ao Bandarra tributaram-se grandes honras. O próprio D. João IV aceitava a designação de “O Encoberto”, como sagração de sua realeza pela intenção divina.
A essa crença aderiu também Vieira. Seu companheiro de viagem, o Padre João de Vasconcelos, compunha a “Restauração de Portugal”, apologia mística do rei aclamado, coligindo ali as maravilhas e profecias que justificavam o ato revolucionário e foram a principal razão dele. Nas suas pegadas, Vieira escreverá *Quinto Império do Mundo e *História do Futuro.
Conselheiro do Rei. Ao cabo de aventurosa viagem com destino a Lisboa, o jovem fidalgo e os dois religiosos foram obrigados a desembarcar em Peniche devido a uma tempestade que desarvorou a nau, e ali um mal entendido os levou à prisão, tomados por contra-revolucionários aderentes do governo espanhol. No dia seguinte, desfeitos os equívocos, partiram para Lisboa.
Recebidos pelo Rei, no mesmo instante Vieira conquistou a simpatia do monarca que, com certeza, percebeu logo o quanto Vieira lhe poderia ser útil. Tinha Vieira não apenas conhecimento dos assuntos do Brasil, como sabia muito da psicologia do inimigo holandês.
Vieira está em Lisboa com 33 anos de idade. Sua fama no Brasil já alcançara Portugal. Começa a pregar na Igreja do seu Instituto – S. Roque. Lisboa invadia a igreja para ouvi-lo. Convidado a pregar para o Rei, Vieira pregou pela primeira vez na Capela Real no dia do Ano Bom de 1642. O Rei tornou-se admirador da personalidade magnética e segura de Vieira e passou a olhar o jesuíta alto, magro e dinâmico como “o maior homem do mundo”.
Cada vez mais íntimo da família real, estimado pela conversação inteligente e manifestamente clara compreensão dos negócios do Estado, em pouco tempo Vieira dava o voto mais autorizado e decisivo em importantes negócios de Estado. A essa ajuda na qualidade de conselheiro, juntava-se outra ainda mais preciosa. Era tão aflitiva a situação do reino que nos sermões cabia alertar o povo sobre tudo que fosse interesse da pátria, pois não havia meios de comunicação senão as prédicas e o que se noticiava de boca em boca.
Vieira pelo concurso de ouvintes e influência da sua palavra, colocava-se inteiramente a serviço do rei e até a favor dos impostos chama à responsabilidade os cidadãos. Fazia sua exortação ao patriotismo paralelamente com a exortação moral em que os negócios mais graves do Estado saiam a lume, e através de alegorias da Bíblia analisava atos do governo e a conduta dos homens públicos. Quando necessário, nem o próprio soberano, figura sagrada para o povo, escapava às admoestações e à censura. “Sabei cristãos, sabei príncipes, sabei ministros, que se vos há de pedir estreita conta do que fizestes.”
Completados os 35 anos, Vieira ainda não era jesuíta professo. Faltava-lhe fazer o quarto e último voto, o de obediência ao Papa, que, segundo Lúcio de Azevedo, professou em 26 de maio de 1644.
Missões e empenho pelos cristãos novos. Entre 1646 e 1650 Vieira esteve engajado em missões diplomáticas na Holanda, França e Itália, com os mais variados misteres. A mais relevante foi com certeza a do acordo entre Portugal e Holanda. A Holanda queria uma indenização por ter perdido Pernambuco, mas que intentava reconquistar. Preparou uma nova frota para ir ao Brasil a qual, para felicidade de Portugal, se desmantelou no Atlântico devido a forte tempestade. O ponto dificultoso das negociações era a fiança que haveriam os holandeses de pedir pela mora, até se realizar cinco ou seis anos mais tarde o pagamento final.
Aqui se oferece a Vieira ensejo de renovar seu empenho em favor da gente hebraica. Ele havia apresentado em 1643 uma exposição de motivos ao Rei, na qual argumentava que o reino estava em estado miserável depois do domínio espanhol (que não defendera as colônias de Portugal permitindo que a Holanda se apoderasse de boa parte delas) e que era um contrassenso a perseguição aos judeus. Dizia “Por estes reinos e províncias da Europa está espalhado grande número de mercadores portugueses, homens de grandíssimos cabedais, que trazem em suas mãos a maior parte do comércio e riquezas do mundo. Todos estão desejosos de poder tornar para o Reino…Se Vossa Majestade for servido de os favorecer e chamar, será Lisboa o maior império de riquezas…” Dizia mais que todos os países viam a miséria de Portugal. Nenhum país colocara embaixada no Reino restaurado e que o desprezo era tanto que o Papa não recebeu o embaixador português.
A volta dos judeus, além de enriquecer Portugal, haveria de enfraquecer o inimigo que deles se valiam com grande vantagem, porque na Espanha, judeus portugueses estavam cuidando da administração da fazenda real e emprestando ao monarca espanhol muitos milhões enquanto não chegavam as frotas com o ouro da América. “E o mesmo sucederá na Holanda, cujas companhias, que nos tem tomado quase toda a índia, África e Brasil, vivem em boa parte à custa da finança judaica portuguesa”. E lembra ainda os exemplos da França e da própria Roma, “onde se permite a existência de sinagogas com seu culto”. E porque se permitia no reino de Portugal comerciantes protestantes de várias nacionalidades e não se permitiam comerciantes judeus?
A Companhia de Jesus considerava imprudente e comprometedor o empenho de Vieira. O Rei, escreveu uma carta (1644) ao Provincial da Companhia recomendando que não fosse maltratado Vieira por motivo de suas ideias.
Seu plano no negócio com a Holanda, como um desdobramento da representação antes feita, era que dos cristãos novos poderiam vir a dar a fiança necessária ao acordo.
De volta de Paris onde fora tentar o apoio do governo francês para as negociações com a Holanda, Vieira deteve-se em Ruão para consultar os cristãos novos portugueses ali residentes. Além da questão dos créditos que buscava para o reino, Vieira empenhou-se com os judeus sobre o projeto de os restituir à pátria. Naquela cidade florescia então, com o consentimento tácito das autoridades, o judaísmo, e era ela, quase tanto como Holanda, refúgio dos hebreus portugueses.
Uma vez na Holanda entrevistou-se também com os judeus de Amsterdã e lhes fez promessas como aos de Ruão, no sentido de trabalhar para que fossem favorecidos com mercês régias os cristãos novos.
Homem preocupado com todos os assuntos que dissessem respeito a Portugal, Vieira, estava também empenhado em que Portugal reformasse os velhos galeões e adquirisse navios modernos para a sua frota. Aconselhara o rei a comprar quinze fragatas armadas, que em Holanda se ofereciam ao preço de vinte mil cruzados cada uma. Alguns desses navios foram adquiridos por intermédio do embaixador em França e ele próprio levou encargo para outros, quando no ano seguinte voltou à Holanda, para o que obteve de dois importantes negociantes cristãos novos, os recursos necessários.
Sentindo o apoio firme de D. João IV, tomou Vieira a iniciativa de defender os judeus contra a Inquisição que lhes confiscava os bens antes mesmo de encontrar-lhes culpa formada.
D. João IV não podia desfazer as penas impostas ao crime de heresia pelo direito canônico, nem intervir na jurisdição do Santo Ofício. Com certeza por inspiração de Vieira, assinou um alvará que solucionava a questão, ou seja, que os cristãos novos não perdessem os seus bens quando detidos pelo Tribunal por culpas inventadas por inimigos seus. D. João se comprometia a devolver aos cristãos novos, aquilo que lhes fosse confiscado, pois embora a condenação fosse feita pela Igreja, os bens confiscados destinavam-se ao Estado, deduzido pela Inquisição o necessário para sustento da sua máquina e liturgia.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 28-03-1997.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Padre Antônio Vieira. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 1997.