Hoje: 22-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Sua vida se recompôs. Do palácio lhe veio o aviso de que haveria de pregar na Capela real por ocasião do aniversário da Rainha. Não pregou dessa vez, mas fez vários sermões nos meses seguintes. Magoado, disse em um sermão na Capela Real uma frase que ficou conhecida: “Se servistes a pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis, ela o que costuma; mas que paga maior para um coração honrado que ter feito o que devia?”.
Vida em Roma. Vieira estava porém decido a alcançar em Roma a revisão do seu processo na Inquisição. Pronunciou seu último sermão em Lisboa na festa de Santo Inácio, na matriz de Santo Antão, um extraordinário triunfo oratório. O povo, sabendo que ia pregar naquele dia, logo ao alvorecer e antes que se abrisse a igreja já se achava o largo fronteiro pejado de curiosos. Abertas as portas, num instante ficou lotada a igreja.
A fim de lhe facilitar instalar-se em Roma, recebeu da Companhia de Jesus o encargo de tratar assunto de interesse da Companhia, que era o de tratar da canonização de quarenta padres da companhia, trucidados por piratas calvinistas em 1570 quando iam para o Brasil.
Chegando a Roma, alguns padres foram em carros encontrá-lo no caminho, e a esta homenagem se somou a recepção que o Geral e mais padres lhe fizeram. Sua chegada, no entanto, coincidiu com o falecimento do papa Clemente IX e eleição do papa Clemente X, e isto o obrigaria a adiar seu trabalho junto à Cúria.
Os padres da companhia insistiram com Vieira que pregasse. O Geral João Paulo Oliva manifestou seu desejo que aprendesse o italiano e se dispusesse a pregar ante os cardeais e nobreza romana, o mais culto auditório do mundo. Relutante talvez por cansaço, Vieira não teve escolha quando o Geral impôs-lhe obediência no assunto. Pregou pela primeira vez em italiano em Outubro de 1672 na festa de São Francisco de Assis. Concorreram pessoas notáveis da nobreza romana, alguns prelados e seis cardeais. Seguiram-se vários outros sempre concorridos. Tanto era o interesse em ouvi-lo que, diz Lúcio de Azevedo, tornou-se necessário colocar soldados às portas dos templos onde ia pregar, para impedir que se apossasse o público dos lugares, antes de chegarem as dignidades eclesiásticas e pessoas de representação. Ao sermão, na igreja de S. Lourenço em Damaso, no ano seguinte de 1673, estiveram presentes dezenove cardeais.
Residia em Roma uma outra celebridade, a rainha Cristina da Suécia, que havia renunciado ao trono de seu país. Admirada pelo desenvolvimento industrial e comercial que promoveu, sua renúncia súbita do trono sueco causou surpresa em toda a Europa. Patronisa das artes e da ciência, convidou importantes intelectuais estrangeiros para visitar seu país, inclusive René Descartes, que lhe deu lições de filosofia e morreu na sua corte, em Estocolmo. Renunciou por dois motivos: porque não desejava casar para dar um herdeiro ao reino da Suécia e também porque havia se convertido secretamente ao catolicismo, religião proibida na Suécia.
Em dezembro de 1655 fixou-se em Roma, acolhida pelo Papa Alexandre VII. Tornou-se sensação em Roma, onde comprou um palácio. Depois de ausentar-se em uma conspiração armada em Paris, em que, com a ajuda dos franceses, pretendia sair rainha do reino de Nápoles, precisou de um perdão papal para voltar a viver em Roma
Foi amiga do cardeal Décio Azzolino, um líder político dos cardeais em Roma, de quem fez seu herdeiro. Ligou-se aos papas, recebeu uma pensão que ajudou-a a manter-se com os recursos que recebia da produção de suas terras na Suécia. Em seu palácio em Roma tinha coleções de pintores famosos, esculturas e o local tornou-se ponto de encontro dos intelectuais e músicos famosos da época. Sua biblioteca hoje faz parte da Biblioteca do Vaticano e seu túmulo (faleceu em 1689) está na Basílica de São Pedro.
Vieira pregou especialmente para a Rainha na quaresma do mesmo ano em que chegou a Roma, e por insistência dela junto ao Geral, – que novamente exigiu de Vieira um ato de obediência -, tornou- se pregador de sua corte. Estreou com uma série de sermões intitulados “As cinco pedras de David”. Incluído em seu círculo, a que chamava Academia da Arcádia para filosofia e literatura, o Padre Vieira travou um debate filosófico que lhe valeu aplausos. Nessa Academia os grandes letrados discutiam os problemas mais diversos e faziam conferências para um círculo seleto da nobreza romana.
Através de farta correspondência, trocada inclusive com D. Pedro, Vieira acompanhava de Roma os acontecimentos em Lisboa. Repercutiu em Roma o novo recrudescimento da perseguição aos cristãos em Portugal, no ano de 1672.
Numa manhã de junho apareceu violado o sacrário da igreja do mosteiro de Odivelas. Crer que fosse a ação de herege, e mais particularmente hebreu, era consequência natural. Exaltaram-se os ânimos na capital e em todo o país. A 25 de agosto foi ordenada a expulsão de todos os indivíduos penitenciados pelo Santo Ofício desde o último perdão geral, isto é de 1605, pena que abrangia os filhos daqueles que, com veementes suspeitas de heresia, abjuraram, e os filhos e netos dos que tinham confessado, portanto vários milhares de pessoas. Vieira escreve a D. Rodrigo de Meneses, seu amigo, externando sua desaprovação ao decreto de expulsão e informando que a opinião comum era também contrária em Roma e toda a Europa.
Um protesto sem assinatura encaminhado a D. Pedro, e no qual em toda a extensão se enumeravam os inconvenientes da resolução foi logo atribuído a Vieira, e hoje está incluído em suas obras. Apontava a liberdade de crença e, separados os judeus que o quisessem ser, aqueles que permanecessem católicos não se lhes podia por em dúvida a sinceridade, nem de se unirem a cristãos velhos resultaria dano à fé.
Através de cartas, Vieira instigava o príncipe regente a proceder segundo o exemplo de D. João IV que em 1649 concedera aos cristãos novos licença igual a que agora solicitavam para recorrerem ao Pontífice. Todo seu empenho era que a contenda se transferisse para Roma, onde os recorrentes tinham modo de captar os votos e ele meio de cooperar nas diligências.
Afinal, em julho, decidiu-se conceder o que, – a troco de apreciáveis vantagens na formação de uma Companhia que daria apoio a Portugal na Índia -, os homens de negócio pediam: a licença para requerem em Roma a reforma da Inquisição. Vieira deveria escrever ao Pontífice, a recomendar a súplica, e apontando como providencia complementar necessária o perdão geral.
Porém, soando então que tinha o Regente acedido as reclamações dos hebreus, que ia haver sinagoga pública em Lisboa, e que entre os proponentes do negócio da Índia se achavam judeus declarados, vindos de Roma por comissão do Padre Antônio Vieira, os inimigos dos cristãos novos romperam em protestos ruidosos. Alegava-se nos círculos da Inquisição em Lisboa que só das confiscações de bens relativas aos réus então nos cárceres prometia 500 mil cruzados, e para o futuro quantias superiores, para que pois a condenável transação com os hereges?
Recrudesceu em Portugal a perseguição aos cristãos novos pelo Santo Oficio. Choviam as delações e acumulavam-se os presos nos cárceres. Nos últimos dias de julho de 1672 foram recolhidos à inquisição em Lisboa alguns dos mais graduados comerciantes da cidade.
Já com 65 anos, Vieira sofria recidivas de seus achaques do tempo dos interrogatórios da Inquisição. Ausentou-se de Roma para se recuperar, em Albano, dos ferimentos sofridos em uma queda na escada de pedra da residência. O clima em Roma definitivamente o prejudicava na sua saúde.
Uma delegação portuguesa chegada a Roma para tratar assuntos da Igreja e particularmente da Inquisição deu a conhecer a Vieira que o rei D. Pedro (Regente de 1668-1683, Rei 1683-1706) desejava que retornasse a Portugal. Vieira hesita. A insistência do Rei termina por convencê-lo a partir, embora receasse muito o que lhe poderia acontecer no seu retorno, por parte da Inquisição portuguesa, e por achar que nada poderia ajudar mais a seu país.
Em Roma, insistiam em que ficasse. O Geral, que havia antes dissuadido Vieira de recorrer ao Papa contra a Inquisição portuguesa, por temer os estremecimentos que daí poderiam resultar, agora, cioso dos perigos que correria Vieira retornando a Portugal, quando foi decidido que regressaria, cuidou de lhe alcançar a imunidade contra o tribunal português.
Em sua defesa Vieira apontava os defeitos do processo e os defeitos da sentença, esta lançada de modo a exagerar as aparências de culpa e relevar pouco o que poderia recomendar sua absolvição. Arrolou os maltratos que padecera: treze meses de detenção antes de ser pela primeira vez interrogado; não se lhe consentir em dizer missa, o que muitas vezes pedira, nem confessar-se e comungar, senão uma vez pela quaresma; extorquirem-lhe os papeis em que preparava a defesa, e recusarem-lhe livros inclusive a Bíblia.
Sobre as culpas que lhe apontaram os Inquisidores citou o memorial a favor dos cristãos novos de 1643; a criação, a esforços seus, da Companhia de comércio, de que resultou ser depois da morte excomungado D. João IV e todos aqueles que tomaram parte no conselho onde se resolveu a instituição, por Breve obtido sub-repticiamente do Santo Padre sem a declaração das pessoas atingidas; e a defesa da Companhia de Jesus no conflito com a Inquisição ocorrido em Évora, por ter dito na ocasião que “Os inquisidores viviam da fé e os jesuítas morriam por ela” . E dizia mais que haviam tomado como pretexto também a carta em que afirmava a crença na ressurreição de D. João IV e nos vaticínios do Bandarra demonstrando, quanto a esse último item, que a crença em Bandarra era quase geral e forte no seio da Igreja, porque muitas de suas previsões haviam se confirmado, e cita o memorial oferecido pelo Bispo do Porto, Nicolau Monteiro, ao Papa Urbano VIII no qual as profecias do Bandarra são invocadas como argumento.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 28-03-1997.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Padre Antônio Vieira. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 1997.