Hoje: 03-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
No primeiro livro da Ética a Nicômaco, Aristóteles se pergunta qual o bem cuja busca é a motivação fundamental do comportamento humano. Apesar de filósofo, não parte de deduções filosóficas, mas da opinião que as pessoas têm sobre qual a finalidade que as atrai naquilo que fazem: “Em palavras, o acordo quanto a este ponto é quase geral; tanto a maioria dos homens quanto as pessoas mais qualificadas dizem que este bem supremo é a felicidade, ” (Et. a Nic., Cp. I, 4). E fala do que observa quanto à via para essa felicidade buscada. Ele diz incisivamente: “A humanidade em massa se assemelha totalmente aos escravos, preferindo uma vida comparável à dos animais” (Et. a Nic., Cp. I, 5). Dos indivíduos mais qualificados, diz Aristóteles, “parecem perseguir as honrarias com vistas ao reconhecimento de seus méritos; ao menos eles procuram ser honrados por pessoas de discernimento, e entre aquelas que os conhecem, e com fundamento em sua própria excelência (Et. a Nic., Cp. I, 5). Aristóteles conclui mais adiante que a felicidade é “uma certa atividade da alma conforme à excelência perfeita” (Idem, Cp. I, 13).
A felicidade é um sentimento que, como vimos nos capítulos anteriores, a ciência demonstrou que depende de determinado estado químico em regiões específicas do cérebro. Se concordamos com Aristóteles, então como explicar o fato de que a fisiologia nervosa pode ser alterada por algo tão transcendente quanto é o reconhecimento dos méritos do indivíduo? Ou que seja a mesma, tanto para os prazeres físicos quanto para o reconhecimento da excelência moral?
O que se pode concluir é que: 1) tanto o prazer como o reconhecimento dos méritos nas honrarias referem-se, na mente, a uma mesma sintaxe cognitiva que dá o sentimento de excelência pessoal proveniente tanto do nível dos acréscimos culturais, quanto, – por via da sensação de bem estar -, do nível das matrizes associativas genéticas mais primitivas; 2) Como o estado fisiológico certamente demanda algo físico-químico para que se modifique e seja causa do sentimento de felicidade, que é um estado mental, então, mesmo nas honrarias, o que o homem vê e ouve a respeito de sua própria excelência moral são sensações de imagens e sons organizadas como uma música que atua em sua mente como atuariam em seu corpo agentes físicos de prazer.
Mesmo nos comportamentos lógico-bióticos culturais mais sofisticados, parece que a diretriz primitiva é influente. Buscar reconhecimento, no comportamento social, guarda certa semelhança de objetivos e métodos com o comportamento sexual de mostra, de exibição, que os animais executam, como o canto das cigarras, o abrir as penas em leque de várias aves, ou como o cãozinho amestrado que espera recompensa de seu dono. De outra parte, a preocupação ética mais sublime pode estar contaminada por interesses instintuais, como ainda pretendo comentar adiante.
Então a pessoa está feliz porque, ou é reconhecida e premiada pelos outros, ou se reconhece excelente e se premia, ela mesma, com o prazer. De todas essas considerações me parece existirem três categorias de comportamento com suas classes (comportamentos diretos ou objetivos e indiretos ou relativos) e subclasses (comportamentos ativos e passivos), sendo ao todo 12 as modalidades de atividade do homem, – nem sempre fáceis de distinguir -, para alcançar, em graus diversos de intensidade, o sentimento de excelência pessoal:
A) Categoria dos comportamentos lógico-bióticos impulsivos. Modos de intimidade ou posse que seguem uma matriz comportamental estritamente genética com sua lógica inata; não são meditados ou planejados. O sujeito age por mero sentido de oportunidade, por impulso.
1. Modalidade dos impulsivos, objetivos, ativos: compreendem a busca de objetos da sensualidade na satisfação de necessidades vitais; têm por objetivo a posse direta do objeto físico fonte de prazer, incluída a busca do objeto sexual.
2. Modalidade dos impulsivos, objetivos, passivos: É o prazer passivo, a eventual troca, aceitação ou compra de carícias; bocejar e espreguiçar, coçar-se, entregar-se ao sono ou ao descanso.
3. Modalidade dos impulsivos, relativos, ativos. É o comportamento desconsiderador. Também visa a defesa de exclusividade e propriedade, ou é exercício cruel de poder; variantes do comportamento sexual; submeter ou derrotar o outro.
4. Modalidade dos impulsivos, relativos, passivos. Recebimento de serviços de vassalagem; manter-se às custas do temor, dos encantos pessoais; reconhecimento envolvendo sacrifício, submissão e prejuízo do outro.
B) Categoria dos comportamentos apetitivos culturais Modos de intimidade ou posse em que o indivíduo age reflexivamente, com uso da experiência e da educação, porém seus objetos estão ainda no campo instintual. Os obstáculos são vencidos com racionalidade, os comportamentos são racionais, meditados e refinados, porém destituídos de continência.
5. Modalidade dos culturais, objetivos, ativos: Constituem o “Comportamento civilizado”. Compreendem a busca de alvos substitutos dos alvos naturais de prazer do comportamento impulsivo, elaborados, ou destorcidos: degustar, saborear, fumar, etc.
6. Modalidade dos culturais, objetivos, passivos: música e dança, massagens, certas formas de perversão, etc.
7. Modalidade dos culturais, relativos, ativos. Esforço por um prêmio; sentimento de excelência em submeter e derrotar o outro de modo astucioso; exercício da política.
8. Modalidade dos culturais, relativos, passivos. Excelência no reconhecimento recebido dos que o admiram ou o temem em decorrência de talento ou classe profissional, fortuna, poder político ou domínio em uma área específica de conhecimento e atividade.
C) Comportamentos meta-apetitivo. Comportamentos cujos alvos estão no campo metafísico. O sujeito está consciente de si próprio como agente, conhece seu mecanismo mental e reflete sobre os seus motivos e seus ideais. Constituem o “Comportamento moral”. Tal como os apetitivos culturais, também exigem experiência: os núcleos originais genéticos das matrizes associativas receberam acréscimos da reflexão, da experiência e da educação. Porém, os obstáculos são vencidos não apenas com racionalidade, mas também com obediência a preceitos de Filosofia moral ou de fé.
9. Meta-apetitivo objetivo e ativo. Consciência e controle do comportamento impulsivo e apetitivo cultural sobre alvos genéticos, buscados em medidas segundo prescrições de sua crítica moral.
10. Meta-apetitivo objetivo e passivo: aceita e se permite o prazer em condições de adequação às prescrições da sua crítica moral.
11. Meta-apetitivo relativo, ativo ou reativo. Ação e reação dirigida sobre pessoas ou no interesse de pessoas com a preocupação de justiça e honradez.
12. Meta-apetitivo relativo, passivo. Aceitar ser objeto de reconhecimento numa medida justa.
Em todas essas categorias o comportamento é ao mesmo tempo movimento do espírito que busca o conhecimento na intimidade e totalização, e movimento associativo físico que busca alvos viabilizadores do equilíbrio microquímico na mente; é o aprazimento do espírito na intimidade do conhecimento, por um lado, e o bem estar do corpo segundo sua fisiologia, por outro. Assim, o comportamento humano é, então, essencialmente uma relação de posse de saber e posse de objetos físicos. Os dois modos de posse, espiritual e fisiológico, embora de naturezas diferentes, no entanto realizam simultaneamente sobre o mesmo objeto, como intimidade de relacionamento, o ato mais completo de interação entre o corpo e o espírito.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 06-12-2009.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – O comportamento. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2009.