Hoje: 21-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
A expressão emoção tem uns tantos significados já consagrados, mas vamos tentar dar-lhe uma definição de acordo com o que está previamente exposto nestas páginas de preferência a esses significados vagos que o termo tem assumido na literatura. Emoção é a concorrência ou soma dos quatro tipos de intuição nos estados mentais da pessoa. É um processo que se dá ininterruptamente, porém a emoção somente se torna notável quando existe um grau de preponderância da intuição sentimental e de seus comportamentos vinculados de ataque, fuga ou contenção.
Emoção é então cada momento na existência do indivíduo. Em cada um desses instantes, o estado fisiológico existente dá a intensidade da ação e o modo interpretativo de tudo com que ele se depara. Parece haver dois momentos na emoção. O primeiro momento é o dos choques psicológico e somático próprios do contexto emocional, que incluem o sentimento e o comportamento reflexo pertinente. No segundo momento, sobre a fisiologia gerada no primeiro impacto se desenvolve uma outra, correspondente ao aprendizado relativo a situações semelhantes, e então o equilíbrio tende a ser restabelecido com a intensificação das intuições sensoriais (apuram-se os sentidos) e conceituais (raciocínio e uso da experiência).
Como já salientado por nós em Emotional Man and his Thematic Behavior (Cobra, op. cit., p. 25), o registro ininterrupto dos fatos e das emoções que o cérebro guarda conforme a comprovação de Penfield (1959, op. cit.), é uma clara prova de que a vida é um continuum emocional, ou seja, que não existe nada que pudesse ser simplesmente pensamento ou razão, uma sensação ou um sentimento isolado, mas que o homem vive essas modalidades de experiência de consciência simultânea e ininterruptamente, como emoção.
Ao estimular o cortex temporal de pacientes seus por meio de impulsos elétricos, Penfield descobriu que mediante essa estimulação dirigida as pessoas sentem outra vez a emoção que uma dada situação em suas vidas lhes havia originalmente produzido. A experiência emocional desenrola-se progressivamente, momento por momento, como um “tape” ou fita cinematográfica na qual estão registradas todas as coisas das quais uma vez a pessoa esteve consciente, e que pode ser repetida indefinidamente. A evocação provocada não era apenas uma reprodução fotográfica ou fonográfica de cenas e acontecimentos passados, mas a reprodução daquilo que a pessoa viu, ouviu, sentiu e compreendeu, ou seja, suas emoções, não importa o tempo decorrido da gravação do episódio evocado.
O fato de que o homem vive esse continuum emocional é facilmente negligenciado porque as pessoas ordinariamente enfocam sua atenção mais sobre as emoções mais intensas, que sobre formas mais brandas. O amor, a felicidade, a raiva, o medo, são particularmente capazes de aparecer em formas espetacularmente fortes. Alterações sistêmicas como tremores, aceleração do coração, dilatação das pupilas e empalidecimento da face facilmente chamam a atenção. Falhamos em notar mudanças menores que nos obrigam a uma observação permanente e atenta.
E o fato de que certos químicos podem desatar a evocação demonstra o papel da fisiologia do sistema associativo na geração do sentimento básico em cada emoção. Drogas como o LSD podem reativar estados vividos, e fazer com que cenas, que podem datar até do primeiro ano de vida, se apresentem com tão grande colorido e riqueza de detalhes que o indivíduo sente a si mesmo de volta à situação e à experiência original.
A fisiologia do sistema tem certamente fundamental importância para as emoções nos sonhos, e sua relação com o metabolismo somático é inquestionável, porque as alterações metabólicas influem no conteúdo dos sonhos e pesadelos, assim como nas ideias no indivíduo desperto. Mas é o próprio sistema que, por estar durante o sono privado da confrontação com a realidade, é o responsável pelas representações absurdas fabricadas em função da fisiologia, e cuja compreensão é mais fácil por via da análise dos sentimentos diretamente suscitados por ela.
O enredo onírico é geralmente um alinhamento ilógico de conceitos: não faz sentido nem como pensamento verbal nem como sequência de imagens. Freud buscou encontrar a lógica do cenário onírico introduzindo uma complexa simbologia na interpretação dos sonhos. No entanto, a compreensão dos sonhos é facilitada se busca interpretá-los por via da identificação dos sentimentos que nele estão inter associados. Então o sonho adquire prontamente um sentido.
As origens dos desequilíbrios emocionais é algo que também precisamos buscar compreender.
Vimos que as configurações associativas dão causa aos diversos modos da consciência. Em retorno, a experiência de consciência é gravada no sistema associativo, como coisa real que ganha existência e permanência no sistema. Assim, a cada experiência a zona da configuração associativa que está em atividade é ampliada. Um tipo qualquer de conhecimento, a experiência de um sentimento, de uma intuição decisória como impulso, e um comportamento havido são elementos que ficarão gravados na própria rede que lhes deu origem, como algo vivido, experienciado. Isto perturba a lógica natural do processo associativo, porque introduz sentimentos como culpa, remorso, ambição, ressentimento, que não são apenas vividos e logo desaparecem, mas que são vividos e ficam para influir em comportamentos futuros.
Os problemas psicológicos mais frequentes têm origem na infância, o que indica que uma matriz associativa genética esta envolvida, com influência sobre as configurações que lhe foram sendo acrescidas já durante os primeiros anos de vida da pessoa. A lógica de ligação dos sentimentos irá relacionar fatos anormais, traumáticos, e essas configurações associativas agregadas se porão em conflito com a ordem dos fatos no contexto da juventude e da vida adulta. O desencontro dessa lógica das vivências anormais com a lógica do mundo real traz a neurose.
Acho que a técnica de Laing , e toda a psicologia existencial de que ele foi, talvez, o expoente máximo, consistiu nisso, em interpretar a loucura como uma realidade vivida pelo sujeito no plano lógico de suas próprias experiências de criança, um universo de ligações desencontradas das relações do seu mundo de jovem e adulto. Enquanto o neurótico é consciente de que a associação que faz de seus sentimentos está em conflito com a ligação real entre fatos, o louco perdeu essa noção.
Para qualquer técnica terapêutica, parece que a solução do problema consistirá em encontrar o contexto associativo original das emoções em exame, onde os fatos e os sentimentos aparecerão coerentes e lógicos. Somente se forem levados em conta os sentimentos que aquelas associações suscitaram no indivíduo a lógica das relações associativas pode ser encontrada e reconstruída segundo a nova realidade.
A maior dificuldade é que ocorrem sentimentos às pessoas que elas não podem relacionar a nenhum conhecimento, a nenhuma lembrança em sua memória. Medos sem causa aparente, ou sentir desejo de realizar algo sem que saiba o que, ou ainda sentir-se inundado de um amor sem objeto, e isto ser para elas uma experiência concreta porque efetivamente sentem a si mesmas aterrorizadas, ou missionárias, ou ainda na condição de amantes a buscar um alvo para o seu amor.
A memória não é um processo meramente associativo e arquivístico. As emoções passadas, dependendo do sentimento que as comanda, podem ativar a memória ou inibi-la, apresentando-nos espontaneamente informações ou negando e impedindo uma desejada evocação. É mais uma evidência do poder do sentimento sobre as ligações do sistema associativo. Porém o motivo é que nem todas as configurações associativas interligadas em um conceito se traduzem em experiências de consciência. Tão pouco toda extensão de uma configuração associativa participante se apresenta na experiência de consciência de que ela é causa. Algo que, como visto, seria o “fechamento” da configuração dá o produto consciente enquanto os restantes registros a ela vinculados continuam desconhecidos para o sujeito. No entanto, o seu todo influi no sentimento e no comportamento e pode criar bloqueios inconscientes. Chegar a essas gravações que permanecem no “inconsciente” requer métodos especiais de evocação. A literatura psicanalítica é farta de exemplos de comportamentos de causa inconsciente, fenômeno que é o principal objeto da Psicanálise.
Um fator a considerar ainda, em relação ao desequilíbrio emocional é o das frustrações que o indivíduo vem a sofrer no processo de objetivação, um aspecto que se vincula principalmente à motivação. O estado emocional sendo um continuum, uma contínua objetivação se faz então uma decorrência necessária. Em geral buscamos objetos para sustentar nossos sentimentos ininterruptamente, mas não estamos habituados a ver sob esse aspecto nossas atividades em nosso dia a dia.
Inúmeros casos de pessoas que ficaram isoladas ou que se submeteram a experiências científicas de isolamento em condições de falta absoluta de estímulos externos demonstraram que a pessoa nestas condições trabalha uma objetivação ininterrupta, criando uma objetivação interna a partir de suas passadas vivências. Assim interpreto os resultados relatados por Heron (1957). Recorrendo à imaginação, explorando fatos passados, arquitetando planos para o futuro, os indivíduos buscam sustentar a objetivação de seu continuum emocional.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 06-12-2009.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – A Emoção. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2009.