Hoje: 22-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
Estética é, para mim, a convergência da ciência e da filosofia no estudo da atividade pela qual o artista se propõe, através de tentativas de manipulação de materiais, a gerar tanto em si mesmo, como criador, quanto no outro, como espectador, sentimentos de excelência na apreciação de sua obra, independentemente de qualquer fim prático que a obra possa ter. A obra capaz de despertar essa emoção é a obra de arte e o sentimento de excelência despertado em função dela é o sentimento estético do belo.
O objeto estético não é qualquer um, decorrendo necessariamente daí que algo existe nele que o habilita esteticamente. Para obter esse efeito emocional o objeto precisa reunir alguns sinais capazes de fazer dele um estimulador para as matrizes genéticas e configurações associativas que estarão envolvidas. Ele contem uma infraestrutura estimuladora dirigida a certa categoria de matriz associativa, cuja fisiologia ele é capaz de afetar. Porque, para que seja objeto de apreciação o objeto estético, ao ser conhecido, de alguma forma se sintoniza com certos padrões de receptividade e de reação fisiológica do sistema associativo. Tal alteração fisiológica provoca um sentimento e induz o sistema associativo a ver o objeto na ilusão de valor que é a objetivação. O objeto é primeiro um infraestimulador e depois um objeto de valor do qual se almeja a posse. Com essas duas características ele é um viabilizador para um sentimento de excelência que é exigência básica do sistema vital corpo-espírito.
O juízo estético é expressão do prazer na sintonia associativa, e portanto lhe é posterior, o que vai inverter o postulado de Kant, de que o juízo estético é anterior ao prazer e o determina. Essa sintonização ou ressonância não é consciente e portanto não representa por si mesma um juízo. Antes de emitir qualquer juízo, o indivíduo já experimenta aquilo que é a emoção natural diante do belo e o objeto já é para ele causa de prazer.
O sentimento estético tem, portanto, algo que não depende de experiência, mas de adequação a padrões inatos. De modo que a noção de belo ou feio, na emoção estética, não vem diretamente do objeto estético, mas de uma predisposição que ele encontra em nós para apreciá-lo, – numa relação entre seus sinais e uma fisiologia associativa em nós que procura por eles. Por isso o sentimento que a obra de arte desperta no seu apreciador pertence primeiro ao universo do próprio apreciador, varia conforme algo presente nele que o predispõe para certo humor, e esse sentimento coincidirá ou não com o sentimento pretendido pelo artista.
É um argumento em favor de que o processo de pensar é realmente um processo mecânico, o fato de que é possível testar o seu funcionamento por meio da reversão do seu curso. A Estética nos mostra com clareza essa possibilidade. O processo tanto pode seguir do objeto conhecido para um pensamento e um sentimento, como pode também começar na alteração fisiológica que gera um sentimento para o qual se busca um objeto. Essa reversão implica que a alteração fisiológica, inclusive a artificialmente provocada, faz o pensamento criar idealmente, e procurar o objeto recipiente para o sentimento suscitado.
O processo é bastante claro com a música, por exemplo. A música é emulante para diferentes atitudes e valorizações. O artista, estruturando os sons, pode obter em si mesmo e nos ouvintes sentimentos muito variados, que corresponderão respectivamente ao ritmo, melodia, etc., conforme se trate de uma música lenta ou de ritmo “quente”. Ao afetar estruturas e mudar a fisiologia na mente como um agente físico, a música faz o sujeito procurar objetos de afeição, torna o sujeito “romântico” ou dá-lhe brios, o silencia em atitude de respeito, etc.
O que a música faz é precisamente isto: modifica as condições fisiológicas por meio do impacto das ondas sonoras e neste sentido trabalha como uma droga estimulante ou paralisante. Predispõe o indivíduo a buscar objetos de intimidade de cuja posse ou relação imaginada resultam para ele sentimentos de autovalor e excelência. A música “romântica”, as marchas militares, os hinos cívicos e religiosos, atuam criando classes diferentes de fisiologias estimulando condições químico-fisiológicas geradoras de sentimentos, independentemente da existência de valores concretos.
Assim como a métrica na poesia, o modo como a música ganha melodia e impõe um ritmo de movimento do corpo, e o fato mesmo de estar estruturada em semitons estão a nos dizer algo a respeito da estrutura genética das matrizes associativas, que devem ter certas constantes físicas a serem procuradas.
Igualmente nas composições plásticas, no desenho e na pintura, e em todo tipo de designe, a disposição dos traços, como linhas angulosas, linhas verticais, linhas horizontais e linhas sinuosas , também o são, incluindo aí a posição dos objetos e as cores. A maioria dos povos escreve da esquerda para a direita e é considerado mais aprazível a imagem que representa movimento originado da esquerda. No teatro, em geral os atores entram no palco pela esquerda do espectador. Porém, se o diretor quer ressaltar a beleza de uma atriz, é comum que a faça entrar no palco pelo lado direito do espectador, para que ela mostre o lado esquerdo do seu rosto. Isto porque de longa data se sabe que um rosto é mais atraente quando mostra a face esquerda. Os pintores renascentistas já exploravam esse fenômeno estético pintando as figuras exibindo a face esquerda.
As frequências e as proporções têm a mesma influência sobre o observador, geralmente sem que ele se aperceba disto. Recentemente se cogitou nos meios científicos que a simetria dos traços fisionômicos é responsável pela beleza facial, e que também a constante de Fibonetti possa ter alguma influência estética importante.
A arte do artista consiste em criar e explorar objetos ricos em infraestimuladores estéticos. Seria importantíssimo para as artes identificá-los e precisá-los cientificamente.
A psicologia da arte sempre esteve consciente da existência de vetores físicos no processo da criação artística. Ela examina, por exemplo, as tensões que certas formas despertam e a necessidade de equilíbrio interno das formas. Em um quadro, o sentido de profundidade pode ser diferente, conforme a dimensão no plano frontal estiver em relação com a dimensão do aprofundamento, e isto vai influir no sentimento que a obra desperta no sujeito. Quanto maior a representação de profundidade em relação ao plano frontal, maior o sentimento de curiosidade e de interesse pela intimidade despertados no espectador. O sentimento estético tem, portanto, algo que não depende de experiência, mas de adequação de planos e linhas a padrões genéticos de estimulação.
Porém, as configurações associativas tanto no artista, quanto no espectador, têm sua parte subconsciente. O artista não pode dizer o que exatamente pretendeu transmitir com sua obra ou distinguir o fator infraestimulador chave de sua iniciativa artística, embora possa sentir o humor que o compele ao trabalho. Reciprocamente, a mesma obra de arte pode alcançar significados diferentes para diferentes espectadores que terão sentimentos diferentes, até mesmo antagônicos, em relação a ela.
Existem, porém, padrões de receptividade e reação fisiológica no cérebro humano comuns a todas as pessoas, donde uma certa universalidade de valores nos aspectos gerais do que seja o belo e o feio, nos objetos de desejo, nas expressões e impressões artísticas em geral.
O universal, no juízo estético, decorre tão somente da generalidade das matrizes emocionais orgânicas próprias do homem, de sua universalidade genética.
O homem, na própria realização social da sua condição humana, é um objeto estético, um para o outro. É uma forma banal de experiência estética a decoração do lar, receber amigos, vestir-se, o modo estudado de andar. O carisma é também uma forma banal de objetivação estética. É essa capacidade em uma pessoa de ser objeto estético cultural para outra, o que não deve ser confundido com atração sexual. O indivíduo carismático tem maneiras que são parâmetros a imitar, e sua aprovação é sempre valorizada em extremo, evidentemente uma objetivação feita pelo seu admirador.
Como nos sonhos, a criação estética faz sentido na associação das emoções que cada traço e cor despertam no observador e não, necessariamente na fidelidade dos sinais visuais ao desenho natural. Embora os pintores impressionistas desejassem apenas libertar a arte da retratação fiel própria da pintura clássica, o êxito do movimento proveio da maior amplitude de projeção emocional que a nova pintura criou.
Rubem Queiroz Cobra
NOTA: Esta página desenvolve o conteúdo do capítulo 15 do livro Filosofia do Espírito (1997), do mesmo autor.
Página lançada em 06-12-2009.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Estética. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2010.