Ética

Hoje: 03-12-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

 

Essa visão do homem montada conjuntamente com aquilo que a ciência nos apresenta e o que pensamos ser faculdades necessárias do espírito, levou-nos a um reexame da Estética, e nos atrai também a um estudo com respeito à Ética. A pergunta é: essa visão implica alguma mudança fundamental para a Ética? Penso que não. Conquanto sempre possa ser estruturada uma nova teoria para a Ética, os postulados apresentados nesse ensaio não implicam isso. A liberdade do homem não é negada, apenas a deslocamos da racionalidade para o puramente espiritual, uma vez que a racionalidade é condicionada a uma estrutura lógica material. Para nós, a liberdade resulta do poder do espírito de influir sobre o curso do pensamento no sentido do bem, ao contribuir com sua faculdade de aprazimento para a experiência do sentimento. Porque tal sentimento se incorpora ao sistema e se integra na estrutura da lógica material, – acreditamos que isso ficou esclarecido suficientemente ao longo dos capítulos anteriores -, ele é um guia da racionalidade, do pensamento, porém não diretamente do comportamento. E é a isto que sempre se chamou de “sentimento moral”.

Esse exame conjunto traz, no entanto, uma grande contribuição para Ética, ao revelar como o sentimento moral pode ser contaminado na sua componente estritamente associativa.
Mesmo quando nos engajamos numa campanha pelo bem, nosso ardor pode estar contaminado por algo insuspeito. É surpreendente que na mesma sequência de uma fita feita pelo fotógrafo de guerra Nick Ut em 1972 no Vietnam, em que vem primeiro uma mulher fugindo do incêndio de sua aldeia, – e provavelmente ela tão atingida pelo fogo quanto a criança inanimada que tem em seus braços -, e um pouco atrás uma menina de nove anos de idade, a imagem da menina é que tenha sido o grande pungente símbolo da tragédia da guerra, e não aquela que parece ser uma mãe em desespero. A garota é um nítido nu frontal, disfarçado em fotos mais recentes com um sombreado colocado por conveniência, e padece a dor física; a mulher, além da dor física, sugere a dor e fortaleza moral de uma mãe que busca socorro para o filho semimorto em seus braços. Foram feitos ingentes esforços para se descobrir quem era aquela menina que terminou tornando-se uma celebridade. A objetivação de que a garota simbolizava a tragédia e a maldade da guerra, de preferência ao quadro duplamente trágico da mulher com a criança, parece uma contaminação de tropismo sexual.

Melhor exemplo podemos tirar da vida de um dos maiores pregadores religiosos da idade média. Diz a biógrafa de Santo Antônio que este gostava de pregar e, consternado, “Descobriu talvez que a obediência a um apelo de grande alcance moral, como era a pregação, podia não ser outra coisa senão a eleição de um objeto de prazer, em vez do autêntico caminho da santidade. O que era, pois, a vontade humana senão engano e desordem, quando a própria sublimação contém a carga de sonhos espúrios?” (Luís, 1973).

Se a liberdade e o sentimento moral são reconhecidos existir, embora com outra concepção para sua origem, também a ideia de Deus permanece (Vide p.f. Teodiceia.).

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 06-12-2009.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Ética. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2009.