Hoje: 22-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
A paixão é o comportamento de busca mais determinado, mais difícil de conter, e por isso deve corresponder à carência na forma mais aguda que o desequilíbrio fisiológico do sistema associativo pode sofrer ainda nos limites da normalidade. É uma busca sôfrega e intensa pelos sinais físicos capazes de colocar em níveis de prazer o equilíbrio sistêmico. E por que é a carência maior, o prazer e o sentimento de excelência pessoal no amor são possivelmente os mais intensos que o homem pode atingir em qualquer dos processos de reequilibração fisiológica da mente. No entanto, em nossos dias, já estão em uso certos químicos que são ingeridos para tornar esse prazer ainda mais intenso que o grau dado pela natureza.
O desequilíbrio que leva à paixão é, obviamente, um recurso da natureza para promover o relacionamento de intimidade da reprodução. Mas, no ser humano, não conduz necessariamente a essa atividade. Claro que a paixão tem por objeto pessoas, que nesse processo não são mais que objetos, mas se desenvolve também por objetos físicos variados. Como visto, a fisiologia da matriz associativa genética pode ser mudada pelo próprio trabalho do pensar, uma evidência de que as configurações associativas interagem quimicamente. Por isso o ser humano lida de várias formas com a carência de intimidade fora do seu objetivo natural, se tem configurações associativas desenvolvidas para prover o equilíbrio químico por interação. Porém, quando não dispõem dessas configurações associativas interferentes, seja porque não as desenvolveram por experiência ou educação, ou porque ignoram o mecanismo da mente na paixão, o homem ou a mulher podem ser vítimas da compulsão de intimidade a um grau insuportável, a ponto de se envolverem em tragédias.
Para todo relacionamento humano, a isca é o aceno de intimidade. A sugestão de intimidade é feita de muitos modos e diferentes sinais, como por exemplo, deixar entrever um pouco de nudez ou sugerir disponibilidade nesse sentido. O convívio é, evidentemente, um indutor de intimidade.
Neste ponto nos interessa voltar à observação de Lorenz citada anteriormente, em que relata a experiência de Wallace Craig: um pombo macho, afastado da fêmea, corteja um pombo empalhado, um pedaço de pano, e até mesmo o canto vazio da sua gaiola.
A experiência do pombo, feita por Lorenz e citada atrás, mostra:
1. Que há uma matriz de comportamento e isto é o que interessava a Lorenz;
2. A progressiva redução do viabilizador aos seus infra-estímulos básicos que são as linhas convergentes no canto da gaiola;
3. Que aceitar o canto da gaiola como sendo a fêmea permite a analogia com a objetivação que o homem faz criando sobre o viabilizador um objeto ideal correspondente aos seus anseios mais sublimes;
4. Que o viabilizador pode ter uma riqueza variada de infra-estímulos e, na ausência dos desaines (designs) mais ricos, os mais pobres têm igual eficácia para receber a objetivação de origem químico-associativa, devido ao alcance em que estão.
Para aqueles autores, pareceu tratar-se tão somente de um ponto onde a convergência dos lados retos oferecem pelo menos um ponto de fixação ótica. No meu entender, não haveria razão para essa escolha a menos que ela fosse pedida por uma condicionamento associativo interno. Essa convergência é provavelmente um infra-estímulo estético que substitui desenho de convergência similar na figura da fêmea.
No caso humano, é importante, a analogia da busca da intimidade sexual do pombo com o comportamento do homem. Para o homem, o infra-estímulo sexual feminino, ou seja, os pontos de maior interesse sexual na mulher, são pontos de maior convergência de linhas anatômicas no corpo feminino. Para a mulher, o infra-estímulo masculino são linhas sugestivas de cobertura como concavidade protetora: a maior altura e a maior largura dos ombros do homem representa um arco aconchegante e protetor maior e este é, pelo menos, o padrão que a mídia vincula ao interesse da mulher na busca de um parceiro.
A objetivação na paixão é outro aspecto no mínimo curioso. O sujeito não tem consciência de que uma condição fisiológica é buscada por uma matriz genética do seu sistema associativo a qual o compele fortemente a um comportamento de posse de algo na intimidade. Não sabe que o sistema associativo, do qual lhe vem o pensamento e o sentimento, faz uma construção estética e inclusive moral sobre um infra-estímulo ocasional e empresta-lhe qualidades arbitrárias. Assim revestido, o alvo da objetivação se completa como viabilizador para a reorganização estrutural e fisiológica do sistema associativo do sujeito, de modo a solucionar o problema de equilíbrio bioquímico desse sistema.
Sem nenhuma consciência desse processo quimio associativo na origem do notável sentimento de excelência pessoal que experimenta, o sujeito desenvolve apego cego ao objeto, como paixão incurável. É de se recordar que um mínimo infra-estímulo estético pode ser valorizado o suficiente para que o objeto passe a alvo como viabilizador, donde o ditado popular: “Quem ama o feio, bonito lhe parece”.
Há também o aspecto do alcance, já examinado. Enquanto dura a conquista do objeto de sua paixão, o apaixonado continua a viver o seu enlevo de excelência. Se é rejeitado, não aceita um ponto final enquanto tiver a mínima ilusão de que ainda pode ser aceito. Um gesto, uma palavra, são interpretados como sinal de possibilidade, esperança ou certeza de que é correspondido.
Passar do amor apaixonado para a paixão do ódio pode dar-se em segundos. Basta que um sinal mais evidente deixe claro para o amante que sua paixão não é mais correspondida. A rejeição significa a sua insignificância, o contrário do valor pessoal, e sem esse valor, de acordo com nossas instruções genéticas, a vida não vale a pena ser vivida. O sistema associativo fica paralisado e o apaixonado em estado letárgico de profunda depressão ou, ao contrário, dispara um comportamento de retaliação e inclusive de autodestruição. O ódio, que já se manifesta em episódios de ciúme, se apresenta com toda a sua força quando a esperança acaba.
Na paixão estão envolvidos componentes somáticos importantes: o toque produz um prazer que prende os amantes e lhes dá o desejo de eternizar o contacto. Os lábios tem adensamento de sensibilidade, os órgãos genitais têm seu mecanismo vascular ativado. Um impulso provem das alterações nos músculos do peito e dos braços, para abraçar, no homem, e para encolher-se e se deixar abraçar em aconchego, na mulher. A presença do objeto viabilizador induz um irresistível movimento para sua posse e também faz dele um “objeto residente” na mente. No entanto, para os poetas, em sua maioria homens, o objeto da paixão reside no coração. Talvez porque o componente somático inclui uma leve sensação de dor no peito devido à contração muscular de um amplexo não realizado. Esse objeto, no entanto, – em linguagem quase poética -, não passa de um “Objeto de loucura impulsiva quimio associativa”, ou, menos arrebatadamente, de um simples “Objeto de tropismo quimio associativo”.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 06-12-2009.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – As âncoras da paixão. Site www.cobra.pages.nom.br, INTERNET, Brasília, 2009.