Pioneiros da Datação Geoquímica

Artigo transcrito por Rubem Queiroz Cobra da
Rev. Esc. de Minas 55 (3)
Set. 2002

A geoquímica analítica em Minas Gerais: de Gorceix ao Geolab – A contribuição do ITI

Introdução

A geoquímica analítica é, reconhecidamente, o principal suporte para qualquer pesquisa geoquímica e é decisiva na prospecção e exploração mineral, que somente avançam quando são disponibilizados novos e apropriados métodos na área da química analítica mineral. Isto tem acontecido em toda a história do desenvolvimento da geoquímica, com o geoanalista participando, na linha de frente, na abertura de novos caminhos. Devido à vocação mineral do nosso Estado, Minas Gerais, nos últimos 120 anos, tem se destacado no desenvolvimento de laboratórios de geoanálise, não só para apoiar a mineração, mas, também, para dar suporte aos trabalhos científicos.

As primeiras referências sobre a realização de análise de material geológico em Minas Gerais (e seguramente no Brasil) são encontradas nos Anais da Escola de Minas de Ouro Preto (Gorceix, 1881, 1883, 1884 e 1885). Nos anais, vêm descritas as análises executadas pelo próprio Gorceix para fundamentar suas investigações na área da petrologia e mineralogia. São análises completas de rochas e determinações de algumas terras raras em favas fosfatadas, práticas até hoje consideradas de grande complexidade, quando se empregam procedimentos de via úmida. Hoje, é praticamente impossível avaliar as imensas dificuldades para se montar e manter funcionando um laboratório químico nos trópicos, no final do século XIX. Como seria possível encontrar na Europa e transportar até Ouro Preto os reagentes químicos, vidraria, estufas, destiladores, equipamentos de preparação de amostras e outras parafernálias? E a mão-de-obra técnico-científica? Somente a determinação e o gênio de Henri Gorceix poderiam nos dar respostas a essas indagações. O que podemos afirmar, com segurança, é que durante muitos anos esse laboratório supriu a incipiente demanda de análise num país que apenas começava a conhecer suas imensas potencialidades no campo mineral e lançou as bases para o desenvolvimento futuro da geoquímica analítica entre nós.

A última referência encontrada sobre o empreendimento de Gorceix é apresentada por Saturnino Oliveira (1897), que descreve com detalhe o “Laboratório de Docimacia da Escola de Minas de Ouro Preto”. Todas essas referências foram levantadas por Bernadete Sirangelo Dutra (1981), na “Bibliografia e Índice de Geoquímica no Brasil”, que nos serviu de base para recuperar a maioria dos trabalhos aqui estudados.

O laboratório de Gorceix estava bastante atualizado para a sua época e era versátil a tal ponto que podia realizar análise da grande maioria de nossos minerais, inclusive de metais nobres, pelo processo de copelação (fire assay). Muitos trabalhos de grande interesse científico foram realizados, até mesmo no campo de minerais de terras raras, numa época em que diversos elementos desse grupo ainda não haviam sido descobertos. É interessante ressaltarmos que Gorceix (1885) cita o uso de um pequeno espectroscópio (naquele tempo, uma novidade até nos laboratórios europeus!) para verificar a presença de “didymo” em monazita e xenotima, pela identificação de bandas de absorção na região visível do espectro. Se Gorceix tivesse esperado mais algumas semanas para redigir seu trabalho, teria tido a surpresa de saber que as bandas de absorção, que ele estava investigando, se referiam a dois novos elementos químicos de número 59 e 60 da Tabela Periódica. Eles foram descobertos no mesmo ano de 1885, pelo químico austríaco Auer von Welsbach e levaram os nomes de Neodímio e Praseodímio.

Não sabemos quantos anos esteve em operação esse laboratório, mas temos indicações de que ele sobreviveu até os anos 30, pelos resultados analíticos sempre publicados nos Anais da Escola de Minas. De qualquer maneira, o laboratório de Gorceix deixou uma marca pelo seu pioneirismo, exercendo influência decisiva na formação de futuras gerações, que vieram colaborar, na nova capital, com a Universidade e com os novos órgãos técnicos do Estado.

Serviço da Produção Mineral-Secretaria da Agricultura (1935 -1943)

O estado da geoquímica nos anos 40 e 50

Nos anos em referência, podemos apresentar o seguinte panorama da geoquímica entre nós, em função das pesquisas que se desenvolviam em outros países. No início da década de 40, nos anos em que os cientistas se empenhavam no “esforço de guerra”, a nova fronteira da geoquímica era a pesquisa de metais de alta tecnologia, como o urânio, tório, nióbio, tântalo, zircônio, háfnio, germânio, berílio, tungstênio, molibdênio, cério, európio, ítrio, etc. e isto refletia diretamente nos laboratórios de química analítica. Para aquela época, podemos, resumidamente, imaginar o cenário que prevalecia: Viktor Goldschimidt, o “pai da geoquímica moderna”, temendo a perseguição nazista, já havia deixado, em 1935, seu histórico e famoso laboratório de Göttingen, Alemanha, e estava dando os últimos retoques na sua obra monumental, com suas leis da cristaloquímica e sobre suas investigações pioneiras relativas à distribuição dos elementos na crosta da terra; entre nós, Djalma Guimarães havia deixado, em 1938, o DNPM e, em Minas Gerais, acompanhava os trabalhos de Goldschmidt, (ver a seção Elementos-Traços), tornando-se um incentivador incansável dos laboratórios com técnicas avançadas que pudessem gerar os dados para alicerçar as suas próprias teorias petrogenéticas; nos Estados Unidos, o projeto Manhattan, lançado para o desenvolvimento nuclear, produzia, no mundo todo, um grande incremento no estudo e na exploração de minerais contendo elementos de alta tecnologia. Esse era o panorama existente na época e o laboratório da Secretaria da Agricultura de Minas Gerais, mais popularmente conhecido como o da “Rua da Bahia, 52”, com o seu quadro de químicos-analistas do mais alto gabarito, vinha se projetando no país como o mais avançado no estudo de minerais raros de pegmatitos.