Artigo transcrito por Rubem Queiroz Cobra da
Rev. Esc. de Minas 55 (3)
Set. 2002
A geoquímica analítica em Minas Gerais: de Gorceix ao Geolab – A contribuição do ITI
O novo núcleo de geocientistas
Em 1935, o Serviço Estadual da Produção Mineral da Secretaria da Agricultura (SPM) – trabalhando mediante convênio com o antigo Instituto de Química da Escola de Engenharia – estabeleceu um completo laboratório de análise mineral, que passou a ser um marco em nossa geoquímica analítica. Engenheiros provenientes de Ouro Preto e professores alemães, como Alfred Schaeffer e Otto Rothe, iniciaram a formação de Químicos Industriais, que, em grande número, se especializaram em geoanálise. Um desses químicos, Caio Pandiá Guimarães, seguindo os passos de seu irmão, o geólogo Djalma Guimarães (que vinha também fazendo química analítica no Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil), envereda-se pela pesquisa de minerais radioativos e tântalo-niobatos, abundantes em nossos pegmatitos – dois assuntos intricados, que assustavam qualquer analista.
Liderando esse grupo, Caio Pandiá, que já vinha estudando a química analítica dos tântalo-niobatos desde 1938, descobre um novo mineral (uma variedade da microlita), a que dá o nome de Djalmaíta (Guimarães, C. P., 1941). Em 1942, outro novo mineral é descrito por Caio (um tantalato de alumínio), que levou o nome de Calogerasita, descoberta cuja prioridade foi alvo de disputa com mineralogistas americanos (Guimarães, C. P., 1944 e 1948).
O grupo que atuava naquele laboratório era composto por químicos da velha escola da “via úmida” (Caio Pandiá Guimarães, Willer Florêncio, José Marcelino de Oliveira, Celso de Castro, Lourenço Menicucci Sobrinho, Fernando Peixoto, Kleber Almeida Dutra, Albano Azevedo), que conhecia a fundo as reações para a separação de todos os elementos, determinando-os por gravimetria, titimetria ou colorimetria. Realizava uma química analítica altamente refinada, que hoje está ainda viva, mas somente em laboratórios muito especializados. A análise instrumental, que iniciou sua rápida expansão em meados da década de 60, impulsionada pela necessidade da realização de milhares de determinações por dia e a baixo custo, aos poucos foi suplantando os verdadeiros métodos químicos, deixando-os apenas para pesquisas de ponta. Caio Pandiá e Willer Florêncio foram pesquisadores de grande talento, tendo dedicado muito do seu tempo ao estudo do “Processo Schoeller”, que era justamente o método mais avançado existente para separação de nióbio, tântalo e titânio em minerais complexos e radioativos e que se baseava na precipitação fracionada desses elementos pelo tanino. Era um processo tedioso, que demandava muitos dias, somente na separação desses três elementos.
Uma verdadeira escola de geoquímica analítica, especializada em minerais raros, principalmente minerais de urânio, tório, ítrio, nióbio e tântalo, foi se formando, visando não só ao interesse econômico, mas principalmente aos estudos de mineralogia e cronogeologia. Os minerais mais visados eram: euxenita, policrasita, samarskita, fergusonita, alanita, microlita, monazita, betafita, etc., materiais extremamente complexos na sua composição química, podendo alguns comportarem mais de 25 elementos na sua estrutura. São aqueles minerais muitas vezes chamados de “trash can minerals” – “latas de lixo” – porque admitem em suas estruturas todos os elementos que foram “rejeitados” nas primeiras fases da cristalização dos pegmatitos e acabam se acomodando nos minerais acessórios tardios. São minerais cujo estudo constitui um desafio para o mineralogista e uma enorme dor de cabeça para o geoanalista.
O estudo da química analítica desses nióbio-tantalatos, acompanhados por elementos radioativos, começou, no Brasil, bem antes, com Djalma Guimarães (1929), no SGMB, com sua proposição de um novo método de separação de urânio em alto grau de pureza para usá-lo nos cálculos de determinações geocronológicas. Em Minas Gerais, Caio Pandiá (1938, 1941) passa a estudar a classificação dos nióbio-tântalos e estabelece a marcha analítica para esses materiais. Por outro lado, Willer Florêncio e Celso de Castro (1943) descrevem a “Uraninita de Minas”, proveniente de Rio Branco, com sua análise química completa, além de executarem a dosagem de rádio pelo eletrômetro bifilar de Wulf. Tendo em vista facilitar esses tipos de análise, na classificação dos minerais e verificação da pureza dos precipitados, o SPM importou, em 1939, um magnífico espectrógrafo Hilger com prisma de quartzo de 1 (um) metro de distância focal, um dos últimos exportados pela Inglaterra antes do início da Segunda Guerra. Saber onde se encontra hoje essa preciosa peça de laboratório (que primeiro espectrografou o nióbio de Araxá) é uma das preocupações do autor dessas notas, para que o mesmo possa ser depositado no Museu Djalma Guimarães.
Em 1941, o SPM iniciou o estudo analítico sistemático das águas minerais e radiotivas do Estado (Castro e Florêncio, 1942, 1943, Florêncio, 1943, 1944, 1947, 1948, Florêncio e Castro, 1943, 1944, 1948), além de descrever diversas novas fontes.
O Instituto de Tecnologia Industrial (ITI)
Fundação e primeiros projetos
Em 1944, o Governo do Estado resolveu criar o Instituto de Tecnologia Industrial, tendo por base o Serviço da Produção Mineral e, ato contínuo, o Secretário da Agricultura, Dr. Lucas Lopes, chamou o geólogo Djalma Guimarães para chefiar o seu setor de Geologia e Geoquímica. Com esse Instituto, inicia-se um dos períodos mais fecundos das geociências em Minas Gerais. Desde o início, os planos apresentados por Guimarães englobavam petrologia, mineralogia, prospecção mineral, cronogeologia, investigações sobre elementos-traços, tratamentos de minérios e tantos outros campos onde o gênio criativo do conhecido geólogo sobressaía com grande desenvoltura. E, para gerar a grande massa de dados analíticos para esses projetos, Guimarães já encontrou os laboratórios estruturados com aquele grupo de químicos do SPM. A estréia do novo Instituto, contando com o apoio dessa equipe, se deu com a descoberta e